domingo, 15 de abril de 2012

Entrevista com Reynaldo Gianecchini - Ruth de Aquino

Pequenos objetos como elefantes, bicicletas, velocímetros de táxi, placa de carro de Montevidéu e girassóis artificiais preenchem cada canto da sala de estar de Reynaldo Gianecchini. Na estante do apartamento em que o ator mora, na região paulistana dos Jardins, há DVDs de músicas de Carnaval, do filme argentino Um conto chinês e de O artista, sensação deste Oscar. Um imenso livro de fotos de Steve McCurry, o lendário fotógrafo da revista National Geographic, domina a mesa de centro. Uma poltrona de Sergio Rodrigues fica em frente à televisão de plasma. Uma instalação colorida da artista plástica e grafiteira Nina Pandolfo anima a entrada da cozinha. "Adoro essas pinturas que rememte a desenhos animados, meio japoneses, lúdicos, com animais, crianças. Tenho uma criança eternamente alimentada dentro de mim", diz Reynaldo - ou Giane, como é conhecido entre os amigos.

Nem sempre foi assim. Antes do câncer, a casa de Giane só tinha móveis pretos e brancos, nenhum objeto. "Passei a fazer terapia e descobri que a casa é você".

Ele acaba de retormar o seu trabalho no teatro, onde interpreta o papel do vilão na peça Cruel e se emocionou muito com o carinho do público.


A seguir, trechos da entrevista concedida à revista Época.
Época - Você se sente curado?
Gianecchini - A operação de medula para mim foi um renascimento. Meu transplante é um pouco menos cabeludo do que os que se fazem com a medula de outra pessoa, quando pode rolar uma rejeição. É uma quimioterapia que mata sua medula, ai você toma suas células de novo, as que foram salvas e são sadias. E essas células vão se reproduzindo para formar uma nova medula. Foi o único momento de meu tratamento em que eu pensei, caramba, será que aguento isso? Não para nada dentro. Você come vomita, tem diarréia.

Época - Como ficou sua imunidade?
Gianecchini -  Logo após o transplante, imunidade zero. A boa notícia é que a operação é intensa, mas rápida. Em nove dias, minha nova medula já tinha "pegado". A gente perde todos os anticorpos, tem de tomar todas as vacinas de novo.

Época - Você continuará a fazer exames?
Gianecchini - Tenho que fazer exame de sangue sempre, porque ainda estou sujeito a pegar qualquer bactéria. São cinco anos de acompanhamento. Posso viajar, mas não posso ficar dando mole. Não posso nem receber as pessoas no camarim, porque uma simples gripe pode me custar muito caro.

Época - Qual foi a primeira reação ao descobrir que estava mesmo com câncer?
Gianecchini - Pensei: como vou falar isso para minha mãe, se o marido dela, meu pai, está com câncer terminal? Essa é uma notícia que não dá para rodear. A gente foi em silêncio absoluto para o hospital.

Época - Quais eram os sintomas?
Gianecchini - Sentia umas dores, estava com o pescoço meio inchado, tinha acabado de operar uma hérnia, meu corpo estava meio esquisito, parecia uma gripe com dor de garganta, apareciam uns gânglios pequenos. Fiz todos os exames e deu negativo.Mas meu médico, infectologista, resolveu se certificar de tudo e o exame detectou que eu tinha gânglios no corpo inteiro. Daí para chegar ao câncer foi relativamente rápido. Quando os laudos todos bateram, descobriu-se que era um tipo muito raro e agressivo da doença.

Época - De onde veio inicialmente sua certeza de cura?
Gianecchini - Eu aprendi, li sobre minha doença. No meu caso, eu poderia receber uma quimioterapia muito forte, porque meu corpo conseguiria combater. A doença chegou com tudo, mas o remédio iria também com tudo.

Época - Você chegou a ficar na UTI porque a colocação de um cateter perfurou uma veia sua. Foi uma noite de sofrimento.
Gianecchini - Uma noite é delicadeza sua. Na verdade, foi uma intercorrência, um acidente cirúrgico bem grave. Uma cirurgia que deveria durar poucos minutos. Mas acordei sete horas depois, com todas as funções muito ruins. Fiquei 10 quilos mais pesado de tanto que inchei. Demorei dias para recuperar todas as minhas funções, minha pressão foi lá embaixo. O cateter perfurou uma veia minha e ela sangrou muito lá dentro, num procedimento muito simples que em 99% dos casos é bem-sucedido. Não vai mudar nada eu ficar buscando agora se foi erro ou não.

Época - Você chegou a se submeter a tratamento espiritual?
Gianecchini - Não fiz nenhum tratamento miraculoso para me curar. Rezo sempre. Fui batizado, fiz primeira comunhão. Adoro ouvir o que as pessoas falam e sou grato por toda a energia positiva que as pessoas me enviaram orando por mim.

Época - Sua mãe disse que você nunca chorou de tristeza durante o tratamento.
Gianecchini - É louco eu falar isso, mas nem sei se tive momentos de tristeza. Eu pensava: tenho de ter uma participação ativa na minha cura. Não quero ficar aqui sentado na minha cama de hospital recebendo os remédios. Para falar a verdade, só chorei de emoção ao constatar o amor que vinha para mim. Uma carta ou uma pessoa que me parava no hospital com um sorriso enorme, força, estou junto com você. Falo e me arrepio. Eu embarquei muito nisso. De trazer o amor para mim. Voltar para o sentido real da vida. E o sentido era este: troca. Um aprendizado. Só pode ser esse o sentido. Trocar um olhar de amor. É isso que move a gente para um outro patamar. É isso que faz a gente até se curar.




(texto extraído da entrevista publicada na revista Época de 27 de fevereiro de 2012)






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