Há diversas formas de viajar. O poeta inglês William Shakespeare (1564 - 1616) escolheu o mais original: o teatro. Apesar de nunca ter saído da Inglaterra, muitas de suas peças se passam em outros países, em especial nos estados que mais tarde formariam a Itália. Roma, Veneza, Verona, Florença, Milão e Pádua são alguns dos lugares que a sua imaginação visitou para escrever peças como Romeu e Julieta e Otelo. Como ele nunca esteve de fato nesses locais, algumas obras contêm erros, enquanto outras são tão verossímeis que é até possível encontrar o balcão de Julieta em Verona.
"Não eram erros de Shakespeare, mas erros da época", explica a jornalista e tradutora Bárbara Heliodora. "Havia pouca informação sobre a Itália, um país que despertava muita curiosidade, já que as novelle italianas eram traduzidas para o inglês. Por isso, Otelo, que era mouro, assumiu a aparência de negro, pois a maioria dos ingleses jamais vira um mouro", conta.
E assim a história do casal de Verona, da mulher geniosa de Pádua e do mouro de Veneza correram o mundo, mostrando não a Itália real, mas a Itália de Shakespeare.
Já na época em que O Mercador de Veneza e Otelo foram escritas, o Rialto era o coração da República Sereníssima de Veneza, onde comerciantes de todo o mundo chegavam para vender mercadorias ou a fim de obter notícias. Os antigos mercadores foram substituídos pelos lojistas e até por camelôs, e os navegantes cederam espaço aos turistas em busca dos tradicionais cristais de Murano (ilha a vinte minutos de viagem), joias, roupas e máscaras de carnaval.
É no Rialto que está a mais antiga ponte da cidade, construída em 1588, com uma vista impressionante: o Grande Canal - a avenida principal - com os traghetti (correspondem aos ônibus), os vaporetti (os táxis) e as gôndolas. Na beira estão prédios antigos, com o reboco minado pela umidade. Por trás deles, se acham as ruas estreitas. De repente, uma dessas ruas desemboca numa grande praça. É a Piazza San Marco, onde a basílica - construída entre 1063 e 1073 em estilo bizantino - domina todo o ambiente. No seu interior, tapetes protegem os mosaicos coloridos em mármore. No altar principal, diz-se estar enterrado São Marcos.
Ao lado fica o Palácio dos Doges, onde moravam os antigos governantes. A arquitetura mostra que a presença moura não se limitou à história de Otelo. Na lateral do palácio está a Ponte dos Suspiros, que o ligava às prisões. O nome não é uma referência aos apaixonados, e sim aos prisioneiros que por ali passavam para serem interrogados.
Há uma forma mais romântica de conhecer Veneza: de gôndola. Não é um passeio barato, mas os casais não abrem mão. Algumas carregam um cantor com acordeão, enquanto outros navegam em grupos, com os gondoleiros cantando. Os personagens de Shakespeare jamais as usaram, já que elas somente se tornaram populares um pouco depois.
Não muito distante de Veneza está Verona - a primeira cidade italiana a ser usada por Shakespeare em suas peças. Ela apareceu pela primeira vez em Os Dois Fidalgos de Verona, mas foi Romeu e Julieta que a transformou na cidade dos amantes infelizes. A história do casal se incorporou ao dia a dia da cidade. Hoje, não há quem não queira ver alguns dos locais mencionados, como o balcão de Julieta ou a capela onde os amantes de Verona se casaram.
Na tentativa de atender ao turismo sempre crescente que se formou em torno dos personagens, a cidade começou a relacionar lugares reais com os citados pelo autor inglês. Até mesmo um túmulo foi criado para abrigar os corpos do casal que se suicidou devido à intolerância das famílias Capuleto e Montecchio. Realidade e ficção se misturam a tal ponto que são enviadas cartas para Julieta. Em geral, vêm de apaixonados que sofrem com um amor não correspondido ou que, a exemplo da jovem Capuleto, enfrentam a resistência da família. O mais incrível é que todas são respondidas por um funcionário que conta com a ajuda de estudantes da Universidade de Verona.
No entanto, Verona não vive apenas da curiosidade que Shakespeare, involuntariamente, desencadeou. A cidade do nordeste da Itália conta com um anfiteatro romano que data do século I a. C., onde ainda hoje são realizados espetáculos. Verona tem ainda cinquenta igrejas, entre elas uma catedral gótica do século XV.
Além de Verona, a peça Os Dois Fidalgos... se passa também em Mântua e Milão. E é para o Ducato de Milano que Valentino, um dos protagonistas, viaja. Já naquela época, este era um dos principais centros do Velho Mundo. Sua catedral, que começou a ser construída em 1386, foi idealizada para ser a maior do planeta: levou quatro séculos para ser concluída e ainda hoje é um das três maiores da Europa. Atualmente, a capital da Lombardia é a segunda maior cidade da Itália e um sofisticado centro financeiro. É também a capital da moda, ditando tendências para o mundo inteiro.
As compras em Milão têm um charme especial. A Galeria Vittorio Emanuele - um dos maiores shoppings do país - parece um palácio, com teto de vidro e um belo mosaico no piso. Ela foi construída em 1878 pelo arquiteto Giuseppe Mengoni, que não viu a inauguração: caiu do teto de vidro dias antes.
Não é de se estranhar que Catarina, a mulher geniosa, tenha enfim encontrado quem a amasse. Afinal, a cidade onde vivia tem como padroeiro Santo Antonio, que segundo contam, morreu em Pádua.
Ofuscada pela vizinha, a cidade muitas vezes é incluída apressadamente nos roteiros turísticos apenas pela proximidade de Veneza. Uma situação injusta, porque vale a pena descobrir Pádua.
Ainda em A Megera Domada, o personagem Lucêncio diz: "Para Pádua vim de Pisa como alguém que deixasse uma lagoa não muito funda, para projetar-se no mar..." Isso reflete a fama da cidade por volta do século XVI. Pádua reuniu alguns dos mais importantes nomes de todos os tempos, que frequentavam o Café Pedrocchi, como Garibaldi e Stendhal.
Ao longo dos anos, a cidade foi não só perdendo suas áreas verdes, mas também tendo as suas ruas e prédios modificados. Entretanto, recentemente vem lutando para recuperar sua personalidade, e o esforço tem dado certo. Já se pode passear pelo centro histórico livre dos automóveis, e ver os tesouros, entre eles a Basílica de Santo Antonio, onde se destaca o crucifixo de Donatello, e a Cappella degli Scrovegni, com afrescos de Giotto.
A Roma antiga foi o cenário de duas tragédias de Shakespeare: Júlio César e Antônio e Cleópatra. A escolha não poderia ser melhor. A cidade pode ser considerada um museu aberto, devido às antigas construções e numerosas ruínas espalhadas por seus vários pontos.
Fundada por volta de 753 a. C. , a cidade tem como principais testemunhas de sua história o Foro Romano (que era o centro da cidade e que contém construções de diversas épocas), o Coliseu (70 d.C.) e o Arco de Constantino (315 d.C.).
Cleópatra não precisou enfrentar o trânsito romano (considerado um dos piores do mundo), mas também perdeu a chance de conhecer as inúmeras praças. A Piazza Navona é uma das mais encantadoras, concentrando um grande número de restaurantes além de atrair artesãos e artistas.
Num dia de sol, o endereço certo para os jovens é a Piazza di Spagna, onde aproveitam para tomar sol na escadaria da Igreja Trinità de' Monti. Ali ficam as ruas de comércio sofistiscado. Não muito distante está a Fontana di Trevi, também conhecida como a fonte dos desejos. Contam que quem jogar uma moeda ou beber da água (o que não é aconselhável) voltará a Roma.
Uma visita que vale a pena para fieis de todas as religiões é o Vaticano. Depois da restauração, a Capela Sistina revelou cores quentes e luminosas, capazes de deixar surpreso o mais incrédulo diante do gênio de Michelangelo.
A cidade considerada o berço do Renascimento não foi esquecida por Shakespeare. Localizada na Toscana, às margens do rio Arno, Florença foi construída por volta de 59 a.C. e ganhou importância durante a Idade Média. Nela viveram Michelangelo, Dante Alighieri e Leonardo da Vinci, por exemplo. E nela se destaca a catedral dedicada a Santa Maria Del Fiore, que começou a ser construída no século XIII, somente sendo concluída mais de cem anos depois. Misturando estilos, ela revela na parte externa uma profusão de detalhes, cores e formas geométricas em mármore - o que contrasta com a sóbria estrutura interna.
Para quem quer descobrir porque a cidade é chamada de o berço do Renascimento, o mais indicado é visitar a fantástica Galleria degli Uffizi, que reúne obras importantes como O Nascimento de Vênus, de Botticelli, e A Sagrada Família, de Michelangelo.
Para as compras, a direção é a Ponte Vecchio, onde pequenas lojas vendem os mais diversos artigos sofisticados.
A cidade de Florença mostra que a Itália verdadeira é bem mais bela do que aquela imaginada por Shakespeare séculos atrás.
Além de Verona, a peça Os Dois Fidalgos... se passa também em Mântua e Milão. E é para o Ducato de Milano que Valentino, um dos protagonistas, viaja. Já naquela época, este era um dos principais centros do Velho Mundo. Sua catedral, que começou a ser construída em 1386, foi idealizada para ser a maior do planeta: levou quatro séculos para ser concluída e ainda hoje é um das três maiores da Europa. Atualmente, a capital da Lombardia é a segunda maior cidade da Itália e um sofisticado centro financeiro. É também a capital da moda, ditando tendências para o mundo inteiro.
As compras em Milão têm um charme especial. A Galeria Vittorio Emanuele - um dos maiores shoppings do país - parece um palácio, com teto de vidro e um belo mosaico no piso. Ela foi construída em 1878 pelo arquiteto Giuseppe Mengoni, que não viu a inauguração: caiu do teto de vidro dias antes.
Não é de se estranhar que Catarina, a mulher geniosa, tenha enfim encontrado quem a amasse. Afinal, a cidade onde vivia tem como padroeiro Santo Antonio, que segundo contam, morreu em Pádua.
Ofuscada pela vizinha, a cidade muitas vezes é incluída apressadamente nos roteiros turísticos apenas pela proximidade de Veneza. Uma situação injusta, porque vale a pena descobrir Pádua.
Ainda em A Megera Domada, o personagem Lucêncio diz: "Para Pádua vim de Pisa como alguém que deixasse uma lagoa não muito funda, para projetar-se no mar..." Isso reflete a fama da cidade por volta do século XVI. Pádua reuniu alguns dos mais importantes nomes de todos os tempos, que frequentavam o Café Pedrocchi, como Garibaldi e Stendhal.
Ao longo dos anos, a cidade foi não só perdendo suas áreas verdes, mas também tendo as suas ruas e prédios modificados. Entretanto, recentemente vem lutando para recuperar sua personalidade, e o esforço tem dado certo. Já se pode passear pelo centro histórico livre dos automóveis, e ver os tesouros, entre eles a Basílica de Santo Antonio, onde se destaca o crucifixo de Donatello, e a Cappella degli Scrovegni, com afrescos de Giotto.
A Roma antiga foi o cenário de duas tragédias de Shakespeare: Júlio César e Antônio e Cleópatra. A escolha não poderia ser melhor. A cidade pode ser considerada um museu aberto, devido às antigas construções e numerosas ruínas espalhadas por seus vários pontos.
Fundada por volta de 753 a. C. , a cidade tem como principais testemunhas de sua história o Foro Romano (que era o centro da cidade e que contém construções de diversas épocas), o Coliseu (70 d.C.) e o Arco de Constantino (315 d.C.).
Cleópatra não precisou enfrentar o trânsito romano (considerado um dos piores do mundo), mas também perdeu a chance de conhecer as inúmeras praças. A Piazza Navona é uma das mais encantadoras, concentrando um grande número de restaurantes além de atrair artesãos e artistas.
Num dia de sol, o endereço certo para os jovens é a Piazza di Spagna, onde aproveitam para tomar sol na escadaria da Igreja Trinità de' Monti. Ali ficam as ruas de comércio sofistiscado. Não muito distante está a Fontana di Trevi, também conhecida como a fonte dos desejos. Contam que quem jogar uma moeda ou beber da água (o que não é aconselhável) voltará a Roma.
Uma visita que vale a pena para fieis de todas as religiões é o Vaticano. Depois da restauração, a Capela Sistina revelou cores quentes e luminosas, capazes de deixar surpreso o mais incrédulo diante do gênio de Michelangelo.
A cidade considerada o berço do Renascimento não foi esquecida por Shakespeare. Localizada na Toscana, às margens do rio Arno, Florença foi construída por volta de 59 a.C. e ganhou importância durante a Idade Média. Nela viveram Michelangelo, Dante Alighieri e Leonardo da Vinci, por exemplo. E nela se destaca a catedral dedicada a Santa Maria Del Fiore, que começou a ser construída no século XIII, somente sendo concluída mais de cem anos depois. Misturando estilos, ela revela na parte externa uma profusão de detalhes, cores e formas geométricas em mármore - o que contrasta com a sóbria estrutura interna.
Para quem quer descobrir porque a cidade é chamada de o berço do Renascimento, o mais indicado é visitar a fantástica Galleria degli Uffizi, que reúne obras importantes como O Nascimento de Vênus, de Botticelli, e A Sagrada Família, de Michelangelo.
Para as compras, a direção é a Ponte Vecchio, onde pequenas lojas vendem os mais diversos artigos sofisticados.
A cidade de Florença mostra que a Itália verdadeira é bem mais bela do que aquela imaginada por Shakespeare séculos atrás.
(texto publicado na revista Geográfica Universal nº 235 - agosto 1994)
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