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domingo, 7 de setembro de 2014

Ninguém é perfeito - Danuza Leão


Você é como certas pessoas bem resolvidas, que nunca se arrependeram de nada do que fizeram na vida - e que, se fosse para recomeçar, fariam tudo de novo, igualzinho? Pois eu me arrependo de tanta coisa que nem te falo.

Começaria logo cedo: no lugar de passar minha adolescência de manhã na praia e à noite nas festinhas, poderia ter estudado mais inglês e também ter me interessado mais por história. Se tivesse, compreenderia melhor o mundo em que vivemos e que às vezes é tão difícil de entender. Eu me interessei por história, sim, mas por histórias românticas, que me emocionaram na hora em que estavam sendo lidas e me fizeram sonhar, mas delas agora pouco me lembro. E os grandes clássicos, o que é que eu estava fazendo quando não os li, todos? Uma pena, porque os que li me deram prazeres inesquecíveis. Aliás, não é que eu tenha tido só arrependimentos. Mas do que gostaria mesmo é de passar uma borracha sobre tanta coisa que fiz e, aí, fazer tudo diferente. Tenho certeza de que minha vida poderia ter sido mais útil, mais séria, sei lá.

Todo o tempo que perdi com amores que nem amores eram - isso, sim, é de uma arrependimento profundo. Cada hora e cada minuto que passei pensando nem me lembro bem em quem (e, quando tento, não consigo mesmo lembrar) me dão vontade de chorar, só de ver o tempo perdido. A culpa não era deles, claro que não, mas minha, que me empolgava com facilidade e algumas vezes achava que estava apaixonada. Aliás, apaixonada, não: profundamente apaixonada. Teria sido um problema da juventude? Será que alguém teve juízo a vida inteira, desde jovem? Pode ser, mas eu nunca conheci ninguém assim.

E mais tarde, quando tive meus filhos? Nenhuma mãe se acha perfeita, e todas se roem em culpas achando que deveriam (e poderiam) ter sido melhores mães; no mínimo, perfeitas. Por que eu fui ao cinema ver um filme idiota no lugar de ficar duas horas com minha filha, duas horas que jamais voltarão? E as vezes em que fiz uma viagem, perdendo esse tempo precioso em que poderia estar vendo meu filho aprender a pensar, a viver. Duvido que alguma mãe tenha acompanhado tão de perto assim o crescimento de seus filhos, mas vamos ser sinceras: nenhuma mulher entre 20 e 40 abre mão com facilidade desses anos maravilhosos, que também nunca vão voltar, devotada só à família, ao marido e aos filhos. E ela está certa? Não. É assim? É.

Mas, pensando bem, ninguém é perfeito. Mesmo quem chega muito perto da perfeição vai sempre encontrar alguém para apontar um defeito seu, porque o mundo é assim mesmo. E, pensando melhor ainda, existem coisas de que a gente até se arrepende, mas que, na hora, foram boas demais. Ah, como aquilo foi bom.

Afinal, foi entre esses erros e acertos que a pessoa chegou ao que é hoje; irresponsável, madura, boa, mas às vezes beirando a maldade, alegre, triste, elegante, despojada, bela em algumas ocasiões e feia em outras, séria, debochada. Cada uma dessas coisas no momento certo - e também tudo misturado - faz com que ela seja muito interessante, bem mais do que se fosse perfeita.

Então, vamos parar com as culpas, tá? Isso é coisa do século 20.



(texto publicado na revista Claudia nº 7 - ano 53 - julho de 2014)




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