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sábado, 25 de outubro de 2014

O menino e a cidade - Denis Russo Burgierman


São Paulo, de vez em quando, me emociona. Aconteceu outro dia mesmo, enquanto eu andava de carro em um domingo ensolarado pelo centro da cidade e vi um menino passar feliz pedalando sua bicicleta.

Alguém mais cético pode perguntar: e daí? Meninos andam de bicicleta em qualquer lugar do mundo. Tem sido assim há mais de cem anos, ainda mais nos domingos de sol. Mas é que em São Paulo não é bem assim. Nas últimas décadas, as bicicletas foram rareando nas ruas da cidade. As que sobraram quase sempre são montadas por adultos, mais homens que mulheres, gente de olhar duro e atitude agressiva, sobreviventes do trânsito conturbado e caótico.

Aos meninos sobraram os quintais -ou, mais frequentemente, os quartos. E os videogames. A trilha sonora do espaço público deixou de ser composta por gritinhos agudos e passadas em correria. Dez anos atrás, só o que se ouvia pelas calçadas ea o vruuuuum dos motores fumacentos. Tornou-se muito raro ver uma criança em uma bicicleta - a não ser nas periferias pouco urbanizadas ou em praças ou em parques muito bem vigiados por guaritas ou cercados por grades.

Lembro quando essa mudança começou. Eu era pequeno, e andava de bicicleta por São Paulo. Lembro que já havia nos anos 80 um certo clamor por "tirar as crianças das ruas". A rua, naquela época, começou a ser vista como um lugar perigoso, uma influência ruim. As grades e os muros subiram, os cachorros sumiram, a sensação de insegurança cresceu e os pais passaram a achar normal manter os filhos fechados em casa ou protegidos pelos muros dos condomínios. E, sem que nos déssemos conta, começamos a achar muitíssimo esquisito pensar diferente disso. Um pai que soltasse seu filho para brincar passou a ser visto como um louco desvairado - mesmo sabendo que a falta de contato com a rua prejudica o desenvolvimento cognitivo de uma criança.

Agora parece que o pêndulo começou a voltar - e por sorte isso está acontecendo enquanto Aurora, minha filhota de 15 meses, cresce. Nesses dias de hoje, recebemos toda hora convites para festas infantis em praças. Vejo em toda parte comunidades se apropriando de espaços públicos e criando lugares agradáveis onde antes só havia aridez. E aí, de repente, a cidade se encheu de ciclovias vermelhas. Foi em uma delas que vi o menino passar de bicicleta, no centro da cidade. E aí me emocionei, e quis estar fora do carro, junto com o menino, aproveitando com Aurora aquele delicioso domingo de sol.


Denis Russo Burgierman é diretor da revista Superinteressante e, de vez em quando, vai trabalhar de bicicleta.




(texto publicado na revista Vida Simples nº 152 - novembro de 2014)




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