Em duas décadas,a população com mais de 65 anos dobrará - e o país continua sem atender à demanda na saúde e sem desarmar a bomba-relógio da Previdência
As irmãs Carmem e Teresinha Furino moram sozinhas em dois cômodos da parte térrea da casa de uma prima, que lhes cobra o imposto predial, em pleno bairro das Perdizes, região de classe média da capital paulista. Carmen, de 86 anos, é quem cuida de Teresinha, de 82, que não consegue mais sair da cama desde 2013, quando foi internada para tratar uma pneumonia. Ela precisa de ajuda para realizar tarefas simples, como alimentar-se. A irmã é quem a auxilia. Do governo, cada uma recebe aposentadoria equivalente a um salário mínimo. Carmem, sempre que precisa, recorre ao SUS; Teresinha tem um modesto plano de saúde. "O dinheiro mal dá para comer", diz Carmem, que paga a uma conhecida para que prepare o almoço e ajude na higiene. Ambas contam com a solidariedade de uma vizinha, que financia sessões com uma fisioterapeuta (a preço camarada) e costuma levar-lhes sopa para o jantar e um bolo diet (as irmãs são diabéticas). Carmem e Teresinha representam, com cruel perfeição, alguns dos maiores receios dos brasileiros em relação à chegada da velhice. VEJA teve acesso, em primeira mão, a um levantamento inédito da consultoria Nielsen sobre envelhecimento, que ouviu 503 pessoas em todo o país. Os dados da Pesquisa Global sobre Envelhecimento mostram que por trás dos medos citados pela população está a ideia de uma velhice desassistida.
Os brasileiros têm razões para se preocupar. O país, que já não cuida bem de seus idosos, está envelhecendo com rapidez impressionante. A porcentagem da população com maias de 65 anos dobrará entre 2011 e 2032. Passará de 7% para 14% do total de habitantes. A título de comparação, a França levou mais de um século para ter uma quantidade equivalente de idosos e a Suécia, 85 anos.
Desde 1964, o Brasil vive o chamado bônus demográfico, fase em que a força de trabalho é muito maior do que a quantidade de dependentes. Nesse período, que só ocorre uma única vez na história de qualquer nação, não há muitas crianças para educar e o número de idosos que necessita de auxílio ainda é baixo. A maioria dos adultos está em idade produtiva. Acontece que o bônus demográfico do Brasil termina em 2024, e o país pode ficar velho antes de se tornar rico. Disse a VEJA o economista Ronald Lee, professor da Universidade da Califórnia e respeitado demógrafo: "O envelhecimento da população se dá pela combinação de três fatores: queda das taxas de mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida e queda de natalidade. O envelhecimento acelerado do Brasil é devido principalmente ao rápido declínio desse último índice".
Embora seja óbvio que uma nação com grande contingente de cidadãos idosos precise responder rapidamente a demandas relacionadas à saúde e ao urbanismo, o problema emergente que aqui ganha status de bomba-relógio é a Previdência. O Brasil já privilegia os idosos na transferência de recursos. Gasta com 3 milhões de aposentados do serviço público mais do que com 37 milhões de crianças de até 14 anos que frequentam escolas. Um estudo feito pela seguradora Allianz inseriu o país na segunda posição entre as nações com Previdência menos sustentável. A explicação: os brasileiros se aposentam cedo, em média com 55 anos (quase dez anos a menos do que na Suécia), e haverá, com o envelhecimento populacional, um número cada vez menor de contribuintes. "Reformas precisam ser feitas", reconhece o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho. "Mas essa não deve ser só uma preocupação dos políticos, e sim de toda a sociedade. Há, no Brasil, uma falta de conhecimento sobre as questões previdenciárias e isso precisa mudar."
Apesar de o programa previdenciário brasileiro exigir reformas, ironicamente foi ele o responsável por alçar o país à 31ª posição do ranking de envelhecimento Global AgeWatch, o mesmo que pôs a Suécia no topo. A abrangência do sistema foi imprescindível para praticamente erradicar a pobreza entre os que se situam aqui na terceira idade. Para que o Brasil avance e ofereça um tratamento digno aos idosos, dizem os especialistas, é necessário desonerar a Previdência também nesse sentido, de forma que ela não seja praticamente o único meio de arcar com os custos da velhice, como ocorre com Carmem e Teresinha.
Rugas de preocupação
Ao contrário dos suecos, quem vive no Brasil teme ficar desassistido ao se tornar idoso
As aflições do brasileiro quando a terceira idade chegar
- Perder a agilidade mental - 64%
- Perder a agilidade física - 60%
- Não ter dinheiro para cobrir despesas médicas - 53%
- Não ter dinheiro para viver com conforto - 50%
- Ser um fardo para familiares e amigos - 48%
- Ser abandonado - 34%
Quem imagina que cuidará dele na velhice
- Cônjuge - 41%
- Filhos - 22%
- Profissionais de uma casa de repouso - 6%
Os brasileiros têm razões para se preocupar. O país, que já não cuida bem de seus idosos, está envelhecendo com rapidez impressionante. A porcentagem da população com maias de 65 anos dobrará entre 2011 e 2032. Passará de 7% para 14% do total de habitantes. A título de comparação, a França levou mais de um século para ter uma quantidade equivalente de idosos e a Suécia, 85 anos.
Desde 1964, o Brasil vive o chamado bônus demográfico, fase em que a força de trabalho é muito maior do que a quantidade de dependentes. Nesse período, que só ocorre uma única vez na história de qualquer nação, não há muitas crianças para educar e o número de idosos que necessita de auxílio ainda é baixo. A maioria dos adultos está em idade produtiva. Acontece que o bônus demográfico do Brasil termina em 2024, e o país pode ficar velho antes de se tornar rico. Disse a VEJA o economista Ronald Lee, professor da Universidade da Califórnia e respeitado demógrafo: "O envelhecimento da população se dá pela combinação de três fatores: queda das taxas de mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida e queda de natalidade. O envelhecimento acelerado do Brasil é devido principalmente ao rápido declínio desse último índice".
Embora seja óbvio que uma nação com grande contingente de cidadãos idosos precise responder rapidamente a demandas relacionadas à saúde e ao urbanismo, o problema emergente que aqui ganha status de bomba-relógio é a Previdência. O Brasil já privilegia os idosos na transferência de recursos. Gasta com 3 milhões de aposentados do serviço público mais do que com 37 milhões de crianças de até 14 anos que frequentam escolas. Um estudo feito pela seguradora Allianz inseriu o país na segunda posição entre as nações com Previdência menos sustentável. A explicação: os brasileiros se aposentam cedo, em média com 55 anos (quase dez anos a menos do que na Suécia), e haverá, com o envelhecimento populacional, um número cada vez menor de contribuintes. "Reformas precisam ser feitas", reconhece o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho. "Mas essa não deve ser só uma preocupação dos políticos, e sim de toda a sociedade. Há, no Brasil, uma falta de conhecimento sobre as questões previdenciárias e isso precisa mudar."
Apesar de o programa previdenciário brasileiro exigir reformas, ironicamente foi ele o responsável por alçar o país à 31ª posição do ranking de envelhecimento Global AgeWatch, o mesmo que pôs a Suécia no topo. A abrangência do sistema foi imprescindível para praticamente erradicar a pobreza entre os que se situam aqui na terceira idade. Para que o Brasil avance e ofereça um tratamento digno aos idosos, dizem os especialistas, é necessário desonerar a Previdência também nesse sentido, de forma que ela não seja praticamente o único meio de arcar com os custos da velhice, como ocorre com Carmem e Teresinha.
Rugas de preocupação
Ao contrário dos suecos, quem vive no Brasil teme ficar desassistido ao se tornar idoso
As aflições do brasileiro quando a terceira idade chegar
- Perder a agilidade mental - 64%
- Perder a agilidade física - 60%
- Não ter dinheiro para cobrir despesas médicas - 53%
- Não ter dinheiro para viver com conforto - 50%
- Ser um fardo para familiares e amigos - 48%
- Ser abandonado - 34%
Quem imagina que cuidará dele na velhice
- Cônjuge - 41%
- Filhos - 22%
- Profissionais de uma casa de repouso - 6%
(texto publicado na revista Veja edição 2391 - ano 47 - nº 38 - 17 de setembro de 2014)
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