Nossa repórter tentou ser mais gentil no dia a dia - e entendeu por que os pequenos atos fazem a grande diferença
Eu tinha passado a noite ajudando um amigo com uma prova da faculdade. De manhã, elogiei os brincos da faxineira do prédio onde trabalho. Mas, quando cheguei à redação do Sorria, vi que esses dois atos de gentileza eram só o começo: acabavam de me dar a missão de passar um mês tentando ser ainda mais gentil.
Fiquei na dúvida: o que poderia fazer de diferente? O que poderia fazer a mais? Até aquela manhã, me considerava gentil o bastante: sempre cumprimentava o motorista do ônibus, dava bom dia ao porteiro, segurava a porta do elevador para o vizinho. Será que não era o suficiente para ser considerada uma boa pessoa?
De uma coisa estava certa: para encarar o desafio desta reportagem, não adiantaria ser legal com alguém só quando estivesse bem humorada ou me fosse conveniente. Eu precisaria praticar a gentileza com empenho e regularidade, entre conhecidos e estranhos. Teria de ir além da gentileza que eu já conhecia e praticava. Mas para onde?
Enxergar o outro
No começo, tentei intensificar a gentileza que já fazia parte da minha rotina: em vez de saudar apenas o motorista do ônibus, por que não desejar bom dia a todas as pessoas que passassem pelo meu caminho? Lá fui eu. Estampei um sorriso no rosto e sai cumprimentando todo mundo. Mas logo fiquei constrangida: as pessoas não estão acostumadas com esse tipo de coisa. Pareciam pensar que eu estava sendo invasiva, quando, na verdade, só queria ser gentil. Além de não ganhar quase nenhum bom dia de volta, recebi vários olhares tortos.
Intimidada, entendi que precisava de ajuda para seguir com a missão. Foi aí que encontrei a supervisora de loja Caroline Weber. Ela mora em Florianópolis e, no seu aniversário, em vez de receber presente, resolvei dá-los. "Minha paixão é cozinhar. Então, preparei minha especialidade, creme de batata com bacon, e saí distribuindo para moradores de rua." Com a ajuda da irmã, do marido, da enteada e do filho, serviu mais de 80 pratos. "Para eles, era uma refeição. Para mim, foi uma forma de abrir os olhos para as pessoas ao redor."
Era exatamente isso que eu não tinha compreendido até então: a gentileza começa quando prestamos atenção nas pessoas e tentamos compreender seus desejos, suas necessidades. Dar bom dia talvez não fosse o melhor jeito de ser gentil com aqueles que cruzavam o meu caminho. Eu precisava fazer alguma coisa que os tocasse. Mas o qu~e? Talvez a resposta estivesse em outra coisa que ouvi de Caroline: "Somos bem mais parecidos do que diferentes", ela me disse. "E entender essa semelhança é o primeiro passo para ser mais gentil." O que toca os outros é, na maioria das vezes, o que nos toca também.
Pensando nisso, passei a buscar minhas semelhanças com as pessoas. Dias mais tarde, no metrô, ouvi a conversa entre duas amigas sentadas ao meu lado. Uma delas dizia que precisava emagrecer, porque se sentia feia. Eu, que também carrego inseguranças em relação ao meu corpo, pensei em fazer algo que gostaria que fizessem por mim: puxei um pedaço de papel da bolsa, escrevi "você é linda!" e, antes de desembarcar, sorri e deixei o bilhete com a moça. Espero ter feito o dia dela um pouco mais feliz.
Presentear e ser presente
Também tentei fazer com que algo fosse das minhas mãos para as mãos de outras pessoas, como um gesto de carinho. Na véspera do Dia das Crianças, recolhi os bichos de pelúcia que ainda estavam na casa do meu pai. "Abandonei" os brinquedos em lugares públicos, torcendo para que alguém os encontrasse e desse a eles um novo lar. Junto com cada bichinho, ia um bilhete: "Ele foi meu amigo de infância! Cuide bem dele". Quando já tinha distribuído vários dos presentes, fui abordada por duas senhoras, que me perguntaram se poderiam levar os bichinhos restantes para seus netos, já que elas não tinham condições de comprar nada. Sorri e lhes entreguei meus últimos amiguinhos. Em troca, ganhei um agradecimento: "Você tem um lindo coração".
Na mesma semana, fui à escola onde estudei durante a infância. Nas mãos, levei uma flor e uma carta para a professora que me deu aula quando eu tinha apenas 8 anos. O motivo era simples e grandioso ao mesmo tempo: ela foi a primeira pessoa a me dizer que eu escrevia bem. Agora que me tornei jornalista, senti que deveria agradecer-lhe por ter apontado o caminho que decidi trilhar profissionalmente. Trocamos abraços e sorrisos. Dias depois, recebi uma mensagem: "Fiquei muito emocionada por ter marcado sua vida de forma tão positiva".
As demonstrações de gratidão que comecei a receber em troca de minhas gentilezas me fizeram notar como todos nós sentimos falta de contato humano. No livro A Arte da Gentileza, o filósofo Piero Ferrucci diz que as relações humanas estão se tornando mais frias. Ele lembra que, hoje em dia, quase sempre falamos com máquinas - e não com pessoas - e que até mesmo os médicos nem sequer olham para nós, pois ficam mais concentrados no resultado dos exames do que no que temos a dizer. Essas palavras me ajudaram a entender o impacto que os atos gentis podem ter sobre nós. "Todos gostam de ser ouvidos, de ser tratados com carinho e cordialidade, de ser compreendidos e fortalecidos", escreveu Ferrucci. "A gentileza salva nossa vida."
Miss Simpatia
Com o passar do mês, fui aprendendo a ver os outros, a me colocar no lugar dos outros, tentando entender e atender seus anseios. No ponto de ônibus, enquanto eu lia um livro, uma senhora já bem velhinha puxou assunto. Percebi que ela queria conversar até que sua condução chegasse. Adiei a leitura e dediquei toda a minha atenção a ela, que reclamava da solidão. Tentei fazer o mesmo com outras pessoas que encontrei durante a missão. E, agindo com mais compaixão, cheguei a um território desconhecido para a Rafaela do começo do mês: percebi que a simpatia, quando posta em prática com afinco, se torna empatia. Ou seja, mais do que tentar ser gentil, eu me envolvi diretamente com as histórias que as pessoas dividiam comigo.
Para a psicóloga Cláudia Piasecki, o caminho que percorri define bem o conceito de gentileza. "Ser gentil é escolher estar disponível", ela me disse. "É ter empatia, paciência e humildade - e, muito importante, não esperar por um retorno. "Se eu quisesse ser mais gentil, tinha de ir além da simpatia superficial, do bom dia automático, daquilo que fazemos só por educação. Eu precisava ter um comprometimento verdadeiro com as pessoas.
Poucos dias depois, minha mãe, que mora em outro estado, me ligou várias vezes seguidas. Ela estava preocupada comigo e com a escassez de água em São Paulo. Como acontece com filhos em geral, confesso que quase perdi a paciência com suas infindáveis perguntas. Mas respirei fundo e pensei: se eu fosse mãe, certamente faria o mesmo. Então respondi que estava bem, agradeci sua preocupação e disse que a amava. Não falei da boca para fora, só para ser simpática e muito menos para desligar logo o telefone. Falei porque é verdade - e porque eu estava verdadeiramente envolvida com o sentimento dela.
O ciclo da gentileza
Em um dos últimos dias da missão, estava na calçada, esperando a carona de um amigo e pensando em como minha ideia de gentileza havia mudado no último mês, quando um murador de rua chegou e me pediu dinheiro para um tíquete de metrô. Sem um trocado, dei a ele a nota que carregava comigo: 10 reais. Era muito mais do que ele esperava e não me faria tanta falta. O rapaz agradeceu e partiu. Segundos depois, fui abordada por uma vendedora ambulante que vendia sachês perfumados. Tive vontade de ajudá-la, mas havia acabado de gastar meu dinheiro pagando a passagem de metrô a um desconhecido. Foi quando uma moça que estava ao meu lado pagou por um sachê e, sorrindo, entregou-o para mim. Fiquei boquiaberta e, por fim, entendi: gentileza, de fato, gera gentileza.
Ideias e experiências da Rafa para você ser mais gentil
Elogie! Pelo menos três vezes por dia. Que tal?
Pergunte o nome. Você sabe como se chamam as pessoas por quem passa todo dia?
Cruzou o olhar com um desconhecido? Sorria!
Perdoe a pessoa de quem você guarda alguma mágoa.
Doe! Mas olhando nos olhos de quem está recebendo sua ajuda.
Preste atenção. Pergunte "como vai você?" mostrando que está disposto a ouvir desabafos.
Ligue para seus familiares. Nem que seja por cinco minutinhos.
Dê um mimo a alguém que esteja vivendo um dia ruim: pode ser um chocolate ou um abraço mais apertado.
Seja voluntário!
Escreva uma carta (sim, com papel e caneta!) para uma pessoa importante da sua vida.
Dedique um dia a outra pessoa: ajude na mudança ou na faxina, cuide do filho, do cachorro, do papagaio...
Motive aquele seu amigo que anda desanimado.
Presenteie, mesmo que não seja uma data comemorativa.
Pare de julgar as pessoas.
Abandone um livro em um lugar público.
Agradeça mais.
Foi ao supermercado? Na hora de ir embora, devolva o carrinho no lugar certo.
Fale mais "eu te amo".
Faça uma boa ação (e não conte a ninguém).
Discordou? Não compre a briga. Conviver bem é melhor do que ter razão.
Evite fazer fofoca.
Está conversando com alguém? Pare de ficar conferindo o celular.
Separe o lixo reciclável.
Agradeça quem torna sua vida mais fácil: da tia do café ao atendente do banco.
Conheça seus vizinhos.
Diga a alguém que sente saudade.
Faça um jantar especial para uma pessoa querida. Ah, e lave a louça também!
Dê atenção a um idoso.
Passe um dia inteiro sem reclamar. Consegue?
Está dirigindo? Dê passagem ao pedestre, ajude alguém a ocupar sua vaga no estacionamento quando você estiver de saída.
Brinque com uma criança - ou a ajude na lição de casa.
Em vez de mandar apenas uma mensagem, ligue para dar feliz aniversário. Faz toda a diferença.
Peça perdão. Sempre.
Pensando nisso, passei a buscar minhas semelhanças com as pessoas. Dias mais tarde, no metrô, ouvi a conversa entre duas amigas sentadas ao meu lado. Uma delas dizia que precisava emagrecer, porque se sentia feia. Eu, que também carrego inseguranças em relação ao meu corpo, pensei em fazer algo que gostaria que fizessem por mim: puxei um pedaço de papel da bolsa, escrevi "você é linda!" e, antes de desembarcar, sorri e deixei o bilhete com a moça. Espero ter feito o dia dela um pouco mais feliz.
Presentear e ser presente
Também tentei fazer com que algo fosse das minhas mãos para as mãos de outras pessoas, como um gesto de carinho. Na véspera do Dia das Crianças, recolhi os bichos de pelúcia que ainda estavam na casa do meu pai. "Abandonei" os brinquedos em lugares públicos, torcendo para que alguém os encontrasse e desse a eles um novo lar. Junto com cada bichinho, ia um bilhete: "Ele foi meu amigo de infância! Cuide bem dele". Quando já tinha distribuído vários dos presentes, fui abordada por duas senhoras, que me perguntaram se poderiam levar os bichinhos restantes para seus netos, já que elas não tinham condições de comprar nada. Sorri e lhes entreguei meus últimos amiguinhos. Em troca, ganhei um agradecimento: "Você tem um lindo coração".
Na mesma semana, fui à escola onde estudei durante a infância. Nas mãos, levei uma flor e uma carta para a professora que me deu aula quando eu tinha apenas 8 anos. O motivo era simples e grandioso ao mesmo tempo: ela foi a primeira pessoa a me dizer que eu escrevia bem. Agora que me tornei jornalista, senti que deveria agradecer-lhe por ter apontado o caminho que decidi trilhar profissionalmente. Trocamos abraços e sorrisos. Dias depois, recebi uma mensagem: "Fiquei muito emocionada por ter marcado sua vida de forma tão positiva".
As demonstrações de gratidão que comecei a receber em troca de minhas gentilezas me fizeram notar como todos nós sentimos falta de contato humano. No livro A Arte da Gentileza, o filósofo Piero Ferrucci diz que as relações humanas estão se tornando mais frias. Ele lembra que, hoje em dia, quase sempre falamos com máquinas - e não com pessoas - e que até mesmo os médicos nem sequer olham para nós, pois ficam mais concentrados no resultado dos exames do que no que temos a dizer. Essas palavras me ajudaram a entender o impacto que os atos gentis podem ter sobre nós. "Todos gostam de ser ouvidos, de ser tratados com carinho e cordialidade, de ser compreendidos e fortalecidos", escreveu Ferrucci. "A gentileza salva nossa vida."
Miss Simpatia
Com o passar do mês, fui aprendendo a ver os outros, a me colocar no lugar dos outros, tentando entender e atender seus anseios. No ponto de ônibus, enquanto eu lia um livro, uma senhora já bem velhinha puxou assunto. Percebi que ela queria conversar até que sua condução chegasse. Adiei a leitura e dediquei toda a minha atenção a ela, que reclamava da solidão. Tentei fazer o mesmo com outras pessoas que encontrei durante a missão. E, agindo com mais compaixão, cheguei a um território desconhecido para a Rafaela do começo do mês: percebi que a simpatia, quando posta em prática com afinco, se torna empatia. Ou seja, mais do que tentar ser gentil, eu me envolvi diretamente com as histórias que as pessoas dividiam comigo.
Para a psicóloga Cláudia Piasecki, o caminho que percorri define bem o conceito de gentileza. "Ser gentil é escolher estar disponível", ela me disse. "É ter empatia, paciência e humildade - e, muito importante, não esperar por um retorno. "Se eu quisesse ser mais gentil, tinha de ir além da simpatia superficial, do bom dia automático, daquilo que fazemos só por educação. Eu precisava ter um comprometimento verdadeiro com as pessoas.
Poucos dias depois, minha mãe, que mora em outro estado, me ligou várias vezes seguidas. Ela estava preocupada comigo e com a escassez de água em São Paulo. Como acontece com filhos em geral, confesso que quase perdi a paciência com suas infindáveis perguntas. Mas respirei fundo e pensei: se eu fosse mãe, certamente faria o mesmo. Então respondi que estava bem, agradeci sua preocupação e disse que a amava. Não falei da boca para fora, só para ser simpática e muito menos para desligar logo o telefone. Falei porque é verdade - e porque eu estava verdadeiramente envolvida com o sentimento dela.
O ciclo da gentileza
Em um dos últimos dias da missão, estava na calçada, esperando a carona de um amigo e pensando em como minha ideia de gentileza havia mudado no último mês, quando um murador de rua chegou e me pediu dinheiro para um tíquete de metrô. Sem um trocado, dei a ele a nota que carregava comigo: 10 reais. Era muito mais do que ele esperava e não me faria tanta falta. O rapaz agradeceu e partiu. Segundos depois, fui abordada por uma vendedora ambulante que vendia sachês perfumados. Tive vontade de ajudá-la, mas havia acabado de gastar meu dinheiro pagando a passagem de metrô a um desconhecido. Foi quando uma moça que estava ao meu lado pagou por um sachê e, sorrindo, entregou-o para mim. Fiquei boquiaberta e, por fim, entendi: gentileza, de fato, gera gentileza.
Ideias e experiências da Rafa para você ser mais gentil
Elogie! Pelo menos três vezes por dia. Que tal?
Pergunte o nome. Você sabe como se chamam as pessoas por quem passa todo dia?
Cruzou o olhar com um desconhecido? Sorria!
Perdoe a pessoa de quem você guarda alguma mágoa.
Doe! Mas olhando nos olhos de quem está recebendo sua ajuda.
Preste atenção. Pergunte "como vai você?" mostrando que está disposto a ouvir desabafos.
Ligue para seus familiares. Nem que seja por cinco minutinhos.
Dê um mimo a alguém que esteja vivendo um dia ruim: pode ser um chocolate ou um abraço mais apertado.
Seja voluntário!
Escreva uma carta (sim, com papel e caneta!) para uma pessoa importante da sua vida.
Dedique um dia a outra pessoa: ajude na mudança ou na faxina, cuide do filho, do cachorro, do papagaio...
Motive aquele seu amigo que anda desanimado.
Presenteie, mesmo que não seja uma data comemorativa.
Pare de julgar as pessoas.
Abandone um livro em um lugar público.
Agradeça mais.
Foi ao supermercado? Na hora de ir embora, devolva o carrinho no lugar certo.
Fale mais "eu te amo".
Faça uma boa ação (e não conte a ninguém).
Discordou? Não compre a briga. Conviver bem é melhor do que ter razão.
Evite fazer fofoca.
Está conversando com alguém? Pare de ficar conferindo o celular.
Separe o lixo reciclável.
Agradeça quem torna sua vida mais fácil: da tia do café ao atendente do banco.
Conheça seus vizinhos.
Diga a alguém que sente saudade.
Faça um jantar especial para uma pessoa querida. Ah, e lave a louça também!
Dê atenção a um idoso.
Passe um dia inteiro sem reclamar. Consegue?
Está dirigindo? Dê passagem ao pedestre, ajude alguém a ocupar sua vaga no estacionamento quando você estiver de saída.
Brinque com uma criança - ou a ajude na lição de casa.
Em vez de mandar apenas uma mensagem, ligue para dar feliz aniversário. Faz toda a diferença.
Peça perdão. Sempre.
(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 41 dezembro de 2014/janeiro de 2015)
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