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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O poder de cura do amor - Dr. José Ângelo Gaiarsa


Na obra Amores Perfeitos, o psiquiatra e psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa, pioneiro da psicoterapia corporal no Brasil, defende que só o estado amoroso desmancha o adulto que somos e nos faz voltar a ser criança, flexível para começar tudo de novo

"Vamos falar sobre o poder de cura do amor. O amor como terapia ideal; ou, mais ainda, como a única força capaz de nos humanizar. Terapia no melhor significado da palavra: como alcançar altos níveis de consciência, de percepção, de sensação - de vida. Porque só o estado amoroso é capaz de nos fazer crianças outra vez, de apagar instantaneamente todos os condicionamentos sociais, de realizar o que nos disseram todos os iluminados: 'Se não fores como crianças, não entrareis no Reino de Deus...'.

Nos momentos de contato profundo ou de comunhão emocional, temos sentimentos de adolescente e sensações de criança. São momentos altíssimos da vida. Ter sensações de criança quer dizer sentir muito prazer sem culpa, sem vergonha e sem medo, na mais completa inocência. Ter sentimentos ou emoções de adolescente quer dizer reviver o eterno tema Romeu e Julieta - a revolução que nunca permitimos que aconteça, porque nosso mundo persegue e reprime o amor mais do que qualquer outro sentimento.

Muitos usam essas duas declarações com sentido contrário ao que elas têm. A inveja da felicidade amorosa é a pior inveja do mundo, e a mais frequente. Ninguém pode ver alguém feliz amorosamente, pois essa visão faz perceber, no ato, o vazio e o sem sentido da vida sem amor. E logo se ouve: 'Você parece criança', 'Você parece um adolescente'.

Tornar-se criança é a essência da força curativa do amor, a maior mágica do estado amoroso. Minha criança é o melhor de mim, é o mais vivo, o mais plástico, o que ainda pode ver as coisas de outro jeito. Então, vou preservar essa criança o mais que eu puder, e se o amor faz esse milagre, vou agradecer de joelhos o poder de me sentir criança de novo para recomeçar tudo em outra base. É o que se espera de uma psicoterapia perfeita. Desmanche todo o adulto, que ele é a soma de condicionamentos incorporados. Volte a ser criança e comece tudo de novo. 'Se não vos fizerdes crianças de novo, não entrareis no Reino de Deus...'

Mais uma qualidade mágica do encontro amoroso é a individualização. Quando duas pessoas se olham amorosamente, saem ambas da multidão anônima. Você sai do uniforme, eu saio do uniforme. Você está sendo você e eu estou sendo eu. Uma das poucas ocasiões da vida em que se experimenta esse encontro tipo "olhos nos olhos". Alguém me reconhece d forma profunda como eu mesmo, não como irmão, tio, oficial, médico. Atenuam-se as máscaras, desaparecem as categorias. Encantamento é o que sentimos ao perceber até que ponto o outro é vivo e até que ponto sou - estou - vivo. Amor não é cego - é lúcido.

Nós vivemos o dia inteiro tendo desejos, dos quais muitos poucos são realizados, e quanto mais erótico ou fora da nossa rotina, pior para ele, porque vai ser excluído, negado, reprimido. As pessoas sabem o que precisam fazer - o que lhe falta. O que precisam é de coragem e decisão para enfrentar os outros."



(texto publicado na revista Bons Fluídos nº 183 - junho de 2014)




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