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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A integração na saúde e o uso racional de medicamentos - Moacyr Luiz Aizenstein


A saúde do brasileiro vai mal. A despeito dos esforços do Ministério da Saúde e da abrangência do Sistema Único de Saúde (SUS), os resultados para a melhora da qualidade da saúde do brasileiro são modestos.

Embora o investimento brasileiro em saúde seja considerado baixo, ele é superior ao dos demais países do BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), especialmente considerando-se os gastos com medicamentos.

As despesas do Ministério da Saúde com a compra de medicamentos vêm aumentando. Em 2011 foide R$ 8,4 bilhões, o equivalente a 11,6% do valor total gasto com a saúde. Em 2014 as despesas passaram para R$ 12,9 bilhões, o que corresponde a 13,9% do valor total destinado para custeio de todo o SUS. De acordo com especialistas, o peso financeiro para o governo é ainda maior, pois esses números só mostram as despesas federais com produtos comprados diretamente pelo Ministério. 

A necessidade de integração entre os diversos setores da área da saúde é sempre um tema recorrente nas avaliações sobre os desperdícios dos recursos já escassos. Essa integração deve incluir o trabalho conjunto dos diferentes profissionais da saúde favorecendo a prática do Uso Racional de Medicamentos (URM).

O Uso Racional de Medicamentos é a atitude que garante ao paciente receber medicação apropriada para sua situação clínica, nas doses adequadas às suas necessidades individuais, pelo tempo necessário e ao menor custo possível. Em outras palavras é a atividade que procura maximizar a atividade terapêutica, minimizar os riscos para o paciente e evitar custos desnecessários.

O URM se inicia na prevenção e segue pela identificação e resolução dos possíveis problemas relacionados aos medicamentos para o paciente. Para que isso possa ocorrer, faz-se necessária uma análise da situação e das necessidades individuais do paciente e de seu estado clínico, assim como de todo seu histórico farmacoterapêutico.

De nada adianta ao paciente um diagnóstico correto se os medicamentos prescritos não forem utilizados de forma correta. Assim, os maias de 13% do orçamento da Saúde, gastos em medicamentos, seria um valor aceitável se os objetivos terapêuticos fossem atingidos plenamente.

Observa-se em nosso paíse que muitos dos pacientes atendidos nos serviços de saúde, inclusive após alta hospitalar, retornam doentes devido à má utilização dos medicamentos prescritos ou devido a efeitos adversos decorrentes da medicação. Estima-se em mais de 50% do total de pacientes atendidos os que retornam aos serviços de saúde.

Trabalhos científicos mostram que doenças decorrentes da utilização incorreta de medicamentos representam 4% das internações graves em hospitais. Desse total de internações, a não adesão ao tratamento é responsável por 58% dos casos, enquanto efeitos adversos representam 32% e os restantes 10% estão por conta da prescrição inadequada.

Em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, as atividades dos profissionais da área da saúde ocorrem através de uma integração e colaboração entre a equipe de saúde no cuidado direto com o paciente. Resultados publicados no Journal of American Medical Association sugerem que a interação dos profissionais nas unidades de terapia intensiva de hospitais americanos tem diminuído em até 66% a incidência de efeitos adversos causados por medicamentos e reduzido em até 20% o tempo de internação desses pacientes, devido à racionalidade nas prescrições, dispensações e administrações.

A inovação e o desenvolvimento tecnológico têm permitido a introdução de novos compostos para a prevenção e o tratamento de doenças antes incuráveis. Apesar do alto custo de novos agentes terapêuticos introduzidos recentemente, o seu uso racional poderia diminuir significativamente os custos com a saúde ao evitar e reduzir internações, diminuir o tempo de estadia hospitalar e evitar a necessidade de procedimentos médicos invasivos.

Somente a integração no processo de medicação, envolvendo prescrição, dispensação e administração, seguida do acompanhamento do paciente, permitirá maior eficácia e segurança no tratamento e, consequentemente, melhores resultados clínicos.

As medidas para implantação da prática do Uso Racional de Medicamentos passam por:

Estabelecimento de protocolos em ambientes hospitalares, relacionando diagnóstico clínico e tratamento farmacoterapêutico adequado, baseado em evidências, com treinamento da equipe e revisões periódicas.

Implantação, em todos os setores de saúde, de lista de medicamentos padrão, baseada em evidências científicas e elaborada por um Comitê de Farmácia e Terapêutica.

Implantação da disciplina Uso Racional de Medicamentos nas escolas da área de saúde.

Educação continuada para profissionais.

Implantação de residência hospitalar multiprofissional para integração entre os diversos profissionais da área de saúde.

Implantação de medidas educativas para a população, evitando a autoadministração.

Implantação de medidas regulatórias no registro, propaganda, distribuição e consumo de medicamentos.




(texto publicado no Jornal da USP nº 1073 - ano XXXI - 3 a 9 de agosto de 2015)

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