segunda-feira, 2 de junho de 2014

Volta por cima: Há males que vêm para o bem - Francisco Antonio Barroso


Esse adágio faz todo o sentido para o administrador Francisco Antonio Nilber Santiago Barroso, 46 anos. Um puxão de tapete o fez sair de um emprego burocrático e descobrir na condução de uma pousada seu verdadeiro talento.

"Nasci em Canindé, uma cidade de 170 mil habitantes e muito conhecida pelo turismo religioso a 110 km da capital cearense. Meu pai, já falecido, era fazendeiro, e minha mãe professora aposentada. Ela sempre achou importante minha educação. Por isso, fui para Fortaleza terminar o ensino médio e a faculdade. Fiz duas: administração de empresas e ciências contábeis. Estudei inglês, alemão e francês. Em 1986 mudei para o interior do Maranhão por causa de uma oportunidade de trabalho no Banco do Brasil. Anos depois, fui transferido para Natal onde sofri uma depressão profunda, em em 1995 retornei a Fortaleza. Nesse regresso, passei pelo primeiro revés da vida adulta. Fui indicado para substituir meu chefe, que estava de férias. E tive um baque quando, no mesmo dia em que ia assumir o posto, sentar na cadeira dele e tudo o mais, ele reapareceu. Uma colega fez com que ele retornasse de férias justamente nesse dia. Foi clara a intenção de puxar meu tapete - com o consentimento dele. Me senti tão péssimo que, no mesmo dia, entrei num plano de demissão voluntária.

De imediato, não me desesperei. O dinheiro da rescisão deu para montar uma locadora e consegui levar o negócio por meses. Mas fracassou. Depois veio a fase difícil, pois era casado e já tinha dois filhos. Saber que o dia 20 não era mais a data de pagamento me dava uma insegurança constante. Ainda tentei trabalhar como contador com minha mulher, mas estava profundamente infeliz. Até que em 1999 decidi abandonar a contabilidade e me separar. Nessa época, minha mãe adoeceu e, ao visitá-la, percebi que o motivo era a pousada fundada por ela.

O casal que tomava conta do hotel e recebia 10% do faturamento estava pedindo mais: queria 50% dos lucros. Isso a deixou debilitada e, ao mesmo tempo, pareceu a oportunidade de que eu precisava. Não me importei de deixar a cidade grande e voltar para a pequena. Era o mês de março, de baixa temporada para o turismo. Mas fui levando um dia de cada vez, sem muita expectativa, adicionando aos poucos um diferencial de higiene e conforto aos quartos. Fiz empréstimos e todo dinheiro que ganhava reaplicava na pousada. Aos poucos a clientela aumentou e passamos das quatro suítes e dos seis quartos comuns para 17 suítes, dois quartos simples, cafeteria, área de lazer, cozinha comunitária e uma biblioteca. Recebo turistas brasileiros e estrangeiros e, para alguém que era tímido e introvertido - a ponto de ter sofrido de fobia social - me considero hoje em dia um falante. 

Sentar na calçada e ouvir um bom dia de quem passa na rua é, para mim, um abraço que recebo. E desde que retornei para Canindé, esse gesto simples só tem cimentado a certeza de que fiz a coisa certa. Meus filhos, hoje com 16 e 11 anos, vieram morar comigo e aumentaram essa alegria.

Por tudo isso, agradeço à colega que, embora tentando me prejudicar, foi a responsável por uma mudança maravilhosa em minha vida. Há males que vêm para o bem. Não tenho a menor dúvida de que o dia em que tive mais coragem na vida foi quando sai do banco. E o de maior sorte foi aquele em que resolvi voltar para casa."



(texto publicado na revista Bons Fluídos nº 99 - julho de 2007)





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