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domingo, 17 de agosto de 2014

Força estranha - Rachel Soares


Ver o lado bom sempre fez a vida parecer mais fácil. Estudos mostram que o otimismo também aumenta a imunidade, protege o coração e melhora os relacionamentos.

Há pessoas que têm um dom natural para transformar limão em limonada. A esses indivíduos, guiados pela certeza de que depois da tempestade virá o céu claro, damos o nome de otimistas. E observar os efeitos dessa visão positiva na vida dessas pessoas é uma experiência muito enriquecedora, como mostra o caso do paulista Wellington Nogueira, 51 anos, coordenador do grupo Doutores da Alegria, grupo de palhaços que elegem o hospital como picadeiro, inspirado no americano Clown Care Unit. Basta conhecer um pouco de sua trajetória para constatar que problema, para Wellington, é um processo para se chegar a uma solução (o que é um jeito de ser tipicamente otimista!). A começar pela forma como ele conseguiu transformar uma tentativa de assalto em divisor de águas para sua vida. Era 1983 e Wellington, então com 23 anos, andava pelo centro da cidade de São Paulo mastigando suas dúvidas a caminho do vestibular para Medicina (mas não sabia se queria ser médico). Repentinamente, foi interrompido pelo cano reluzente de uma arma. Era um assalto. Por sorte, o ladrão foi embora sem levar nada, mas o acontecido deixou marcas. Não de violência, nem de descrença - Wellington jamais xingou aos céus por ter sido ele o escolhido, entre tantas pessoas na rua. O que veio foi uma inquietação. "Pensei que podia ter morrido e decidi a partir daquele dia só fazer o que realmente compensasse." E foi assim que ele desistiu de vez da Medicina e foi estudar teatro em Nova York. Já na escola de teatro, nova reviravolta. Wellington engatava uma bela carreira voltada para os musicais quando ficou encantado com a arte do Clown. O resultado mais famoso dessa confusão veio em 1991, quando montou no Brasil os Doutores da Alegria, uma iniciativa de sucesso reconhecido e em expansão.

Analisando a história dele à luz do presente, é difícil duvidar que poderia não dar certo uma ideia tão boa. Mas, no passado, as coisas não foram assim tão tranquilas. Wellington contrariou um desejo antigo ao abandonar a Medicina e foi repreendido pela mãe quando largou o teatro musical para virar palhaço. Mas acreditou! E por isso resolveu seguir em frente, movido por seu otimismo, essa força interior complexa, presente nos seres humanos desde o início da evolução e que ainda é um enigma que atrai e intriga os cientistas. O q ue tem surpreendido os pesquisadores é que os efeitos do otimismo vão além de descomplicar a vida. Ele é uma espécie de elixir para a saúde. Os trabalhos indicam que ele é capaz de aumentar a imunidade, proteger contra males cardíacos, favorece os bons hábitos alimentares e a atividade física. Também evita a depressão e melhora os relacionamentos.

E à medida que os estudos avançam, o que se vê é que o otimismo tem raízes mais profundas do que se podia imaginar. "É uma emoção positiva relacionada principalmente ao futuro", esclarece o psicólogo Fábio Munhoz, de São Paulo. "Sem simplificações, ser otimista é diferente de se iludir. O otimismo deve ser realista", alerta Munhoz.

As investigações científicas estão revelando ainda algumas diferenças estruturais na forma de encarar a vida entre pessoas otimistas e pessimistas. Eles pensam no futuro usando áreas diferentes do cérebro. A descoberta foi feita por uma equipe de pesquisadores da escola americana New York University e do britânico University College London. Usando exames de imagem, eles viram que, quando um pensamento otimista se dá, há uma ativação de duas partes do cérebro: a amídala e o córtex cingulado rostral anterior. Essas mesmas regiões apresentam atividade abaixo do normal nos casos de depressão e estão associadas à formação de emoções e de imagens relacionadas ao futuro. Esperar pelo melhor, para a pesquisadora responsável pela descoberta, a neurologista Tali Sharot, é um mecanismo de autoproteção desenvolvido pelo ser humano. "Enquanto o passado está dado, o futuro está aberto a interpretações, permitindo à pessoa se aproximar de projeções positivas e se afastar das negativas." Se esperasse pelo pior, o ser humano dificilmente teria tido forças para dar o primeiro passo para fora das cavernas.

Uma dose de otimismo

Não é só o cérebro que trabalha diferente quando estamos tomados por perspectivas otimistas. Alterações podem ser notadas em outras partes do corpo. O mecanismo ainda não está claro, mas pesquisadores das Universidades de Kentucky e de Louisville, nos Estados Unidos, perceberam maior proteção contra infecções entre indivíduos que tinham melhores perspectivas em relação ao futuro. Para a análise, foram recrutados 124 estudantes. Durante seis meses, eles falaram aos cientistas sobre suas experiências em relação ao curso superior. Quando o aluno se revelava animado com o futuro, o sistema imune se apresentava também mais eficaz no combate às infecções. Ao se deparar com os resultados, os cientistas tiveram certeza: uma dose de otimismo facilita a cura. "Não vou dizer às pessoas para revisarem suas experiências de modo irrealista", falou a psicóloga Suzanne Segerstrom, "mas se tiverem expectativas mais positivas em relação ao futuro, haverá bons resultados".

Até o coração bate mais leve longe da ameaça de um futuro aterrador. Foi o que concluiu o psicólogo Eric Kim após analisar 6.044 adultos durante uma pesquisa de doutorado na Universidade de Michigan. Kim usou uma escala de 16 pontos para avaliar o nível de otimismo de seus voluntários. Viu que a cada ponto a mais na escola de otimismo, caiam em 9% as chances de acontecer um infarto. As razões estão em uma combinação entre fatores comportamentais e biológicos. "Temos vários estudos que mostram que as pessoas otimistas são muito mais propensas a tomar as suas vitaminas, a comer alimentos saudáveis e a seguir programas de redução de riscos cardíacos quando é o caso", explica Kim. "Os otimistas acreditam que suas ações fazem a diferença e por isso eles tentam agir de modo mais saudável." Há também estudos relacionando o otimismo à recuperação mais rápida, a melhores respostas às vacinas e à progressão mais lenta da arteriosclerose.

Enxergar a cura

Se o otimismo ajuda na saúde, o mesmo pode se dizer da doença. "Hipócrates, o pai da medicina, já falava que o otimismo é revigorante", diz Vera Bifulco, coordenadora do setor de psico-oncologia do Instituto Paulista de Cancerologia. A especialista, que diariamente atende pacientes de uma das doenças mais temidas do mundo moderno, o câncer, não tem dúvidas: o  tratamento é muito mais suave para os otimistas. "Eles entendem, ao receber o diagnóstico, que têm uma doença, mas têm também um lado sadio", avalia Vera. "Já o pessimista consegue se ver do fio de cabelo à unha do pé tomado pelo câncer." Nas enfermidades, ser otimista nada tem a ver com a capacidade de enxergar uma possibilidade de cura.

A história do escritor José Walter da Costa, 62 anos, da cidade de Taboão da Serra (região metropolitana de São Paulo), ilustra bem a diferença que a atitude positiva faz. Primeiro, ele viu a mulher, Catarina, desenvolver um câncer de pele em 2005. Menos de dois anos depois, recebeu o mesmo diagnóstico. Passado o susto, ele retomou um velho conhecido seu de longa data: otimismo. "Sempre vi o lado bom das coisas, mas a vida vai criando uma casca dura e a gente vai fechando essa parte bonita dentro da gente. Com o câncer, recuperei esse lado", diz. Assim conseguiu forças para encarar a quimioterapia e escrever o livro "Trajetória" (Editora Manole), em que alterna a narrativa do período de enfermidade com outras fases da vida. Sem otimismo, diz, não teria passado de cabeça erguida pelo diagnóstico, ano passado, de que sua filha do meio também tem câncer. "Ela operou e está fazendo o tratamento, mas com tudo isso, aprendi a conviver com a doença e vejo que ela não é mais algo assustador". O remédio de José Walter para encarar a vida com tanta coragem? Uma bela dose de otimismo, ao amanhecer.




(texto publicado na revista SimplesMente nº 1 - maio de 2012)






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