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sábado, 23 de agosto de 2014

Ode ao gato - Marcio Barker


Eu não gostava. Achava antipático, interesseiro, escorregadio, sem graça, frio... enfim, um chato.

Discretamente, eu mantinha distância, já que era essa a impressão que me passava. Jamais maltratei, apenas ignorava... não me aproximava.

Um dia, anunciaram a sua chegada, e justo em minha casa.

Não!!!! Esbravejei. Não quero, não gosto, não simpatizo, não tolero. É ingrato, metido, falso. Foram em vão meus protestos. Eis que um dia ele chega em casa. Todo lampeiro e à vontade. Agora eu teria que dividir meu espaço, com aquele sujeito.

Espantava-me o seu temperamento "espaçoso" e leve. Despreocupado, ele ia ocupando todos os cantos da minha casa.

Metido, se enfiava em todos os lugares, e curioso, queria estar a par de tudo. Não pedia licença, nem ao chegar, nem quando ia. Fazia o que dava na bola. Se eu o chamava, ele ia, se dizia que era para ficar aqui, ou ali, ele ficava lá e acolá. Hummm! Sujeito metido.

Ainda pequeno, se enfiava em lugares, que não devia. E lá ia eu tirá-lo. E, novamente lá ia eu procurá-lo, para saber se não tinha se metido em confusão. Não bastasse, quando me deitava, não raro aparecia por lá, e ficava nos meus pés. Cansado, eu deixei.

Chegando em casa, surpreendia-me procurando o distinto. Nunca achava... era ele quem me encontrava. E, daí, se tornava minha sombra. Impressionava a força de sua presença silenciosa. Ah, sim. Sabia quando devia pedir o que comer. Não falei? Interesseiro! E sei lá porque, quando eu estava trabalhando em casa, o vagabundo dormia... mas nos meus pés. Um dia eu o chamei. Não veio. Taí! Malcriado também. Mas foram muitas as vezes em que eu não o chamei... e ele veio, e ficou comigo.

O silêncio de sua presença tinha algo de especial, não dava para ignorar, era eloquente! Não sabia o que havia, mas era especial. O rosto calmo e indecifrável parecia transmitir sabedoria. O olhar que parecia intimidador tornava-se dono da paz infinita. Mas quem é esse sujeito???

Um dia ele sumiu!!! "Meu Deus, para onde terá ido? Onde estará? Será que o encontrarei? Será que voltará? Será que não o perderei?"

Em volta a tenebrosos pensamentos, buscando aqui e ali, de repente, sem mais nem menos, o vejo tranquilamente no alto do armário, olhando pacientemente para mim, em seu silêncio profundo.

Surpreendeu-me a alegria e a felicidade que senti quando o vi. Ele não tinha ido, estava me esperando como sempre fez, desde que chegou em minha casa. Que bom!!! Peguei-no colo sorrindo. E ele, em toda a sua seriedade, de algum modo me transmitiu a recíproca da felicidade.

Daí percebi que não havia jeito. Sim, ele havia me conquistado pouco a pouco, sem que eu percebesse. Devagar, sem grandes demonstrações, não sei como, aquele camarada repleto de "entrelinhas", deixou claro a sua amizade comigo.

Grande sujeito aquele gato safado, que encho a boca para dizer que ele é, sim, "o meu grande amigo".

E está lá em casa até hoje, já há quase dez anos, e espero que por toda uma vida. É ele, "sir" Thomas, o gato.




(texto publicado na revista Tudo nº 43 - agosto de 2014)






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