Pages

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Chega de dores - Cristina Nabuco


Elas destroem o humor, roubam energia, prejudicam atividades sociais e profissionais. Não vale a pena suportá-las, como faz muita gente, segundo pesquisa recente. Saiba como dar um basta ao sofrimento para voltar a ter uma vida plena

"E a sensação nunca mais me deixou, de que meu corpo carrega em si toda as chagas do mundo". A frase, da pintora mexicana Frida Kahlo, diz respeito ao motivo de 80% das consultas médicas: a dor. Estima-se que cerca de 30% dos brasileiros apresentem dores crônicas, ou seja, repetitivas, prolongadas e muito intensas. Talvez nem todos enfrentem um quadro tão trágico quanto o de Frida. Aos 18 anos, ela viajava num bonde que se chocou com um trem e teve fraturas de coluna, perna, pé, clavícula e pélvis, obrigando-a a passar por 32 cirurgias, usar colete ortopédico e conviver com dores constantes o resto da vida. Elas foram retratadas em sua obra, em especial no quadro A Coluna Quebrada (1944). Mas quem sofre de dor compartilha com ela a sensação de ser torturado pelo próprio corpo.

No Mapa da Dor, estudo com 800 entrevistados de diferentes cidades do país divulgado no início deste ano pelo laboratório Mundipharma, 67% declararam ter lembrança da última vez em que foram atormentados por uma. As dores mais comuns são as de cabeça (citadas por 80% dos participantes), abdominais (54%) e musculares (39%). Um número alto de mulheres (64%) relatou dor nas costa. Pesquisas anteriores já haviam mostrado que, em comparação aos homens, elas são mais atingidas pela enxaqueca e pelas chamadas dores orofaciais (em face, olhos, nariz, boca, dentes e articulação da mastigação), sem falar das específicas, como cólicas menstruais. "No sexo feminino, a dor é recorrente, dura mais tempo e responde menos a analgésicos", avisa a anestesiologista Fabíola Peixoto Minson, do Centro Integrado de Tratamento da Dor, em São Paulo. A diferença é atribuída, sobretudo, a fatores hormonais.

O impacto no cotidiano foi verificado na segunda edição do Mapa, divulgada há poucos meses: 60% admitiram que já deixaram de ir a atividade social ou ao trabalho por sentir dor. Jovens de 18 a 24 anos foram os que mais cancelaram compromissos. Outra descoberta, porém, é mais impressionante: apesar do sofrimento, apenas 20% das pessoas com dor buscaram tratamento. Prevalece a ideia de que é preciso aguentar firme, pois quem se queixa é manhoso e quer chamar a atenção. Grande equívoco. "Suportar a dor não traz nenhum benefício", diz a oncologista clínica Maria Del Pilar, coordenadora de oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. Dor derruba o humor, afeta o sono, mina a produtividade no trabalho, prejudica as relações sociais, reduz a capacidade de apreciar a vida, pode até atrapalhar a realização de sonhos.

Há casos em que os nervos se  tornam tão sensíveis que passam a transmitir a informação de dor mesmo na ausência do estímulo. Um exemplo citado pelo neurocirurgião Claudio Fernandes Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, é o quadro de herpes-zóster, erupção na pele decorrente da reativação do vírus da catapora: 10% dos tratados desenvolvem sensibilidades nos nervos depois. "A inflamação desaparece, mas sobra a dor, que deve ser controlada", afirma. Nos pacientes em convalescença por cirurgia ou trauma e em  tratamento de câncer, a dor compromete a recuperação: quem a sente dorme e se alimenta mal, emagrece, tende à imobilidade e à depressão. Mesmo assim, é comum menosprezá-la por causa da crença de que, se relatá-la ao médico, ele pode desviar a atenção do combate ao câncer para focar no sintoma.

Quem tem dor crônica - com mais de três meses de duração - pode não apresentar fisionomia ou sinais de sofrimento. É como se virasse hábito. "A pessoa não fica pálida, com sudorese e taquicardia, como acontece nos casos agudos. Por isso, amigos e familiares tendem a não valorizar a queixa. Daí ela ficar constrangida a reclamar", diz Maria Del Pilar. O risco é a automedicação. Analgésicos e anti-inflamatórios à venda nas farmácias nem sempre produzem o efeito desejado e, se tomados sem critério, podem causar complicações gástricas, renais, hepáticas e cardíacas. Pior ainda é que fica sem diagnóstico e sem tratamento adequado.

Percebida como formigamento, pontada, choque, perfuração, compressão ou fisgada, a dor é uma sensação complexa. "Envolve fatores físicos, sociais e culturais, tem causas e graus variados, pode indicar diversas enfermidades, das mais simples às graves, e até se constituir, ela própria, em uma doença. Portanto, deve ser avaliada por um profissional", orienta o dentista José Tadeu Tesseroli de Siqueira, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Brasileira para o Estado da Dor (Sbed). A entidade promove uma campanha nacional incentivando a busca de tratamento. Segundo Tesseroli, com os conhecimentos atuais, é possível aliviar dores crônicas de diferentes tipos. Recursos para isso não faltam, como você vê a seguir.

Medicamentos

Nem só de analgésicos comuns são feitos os tratamentos contra a dor. Cada caso pede uma estratégia - daí a necessidade de consultar um médico, mais ainda nos quadros crônicos. Para as dores persistentes da fibromialgia, por exemplo, costumam ser receitados remédios que ativam neurotransmissores capazes de inibi-las, como antidepressivos tricíclicos e anticonvulsivantes. E, para as intensas, decorrentes de câncer, trauma ou neuropatias (lesões nos nervos), analgésicos opiáceos (derivados da morfina). O modo mais atual de administrá-los é com bomba de infusão, que injeta-os diretamente na medula. "Requer doses menores, com menos efeitos colaterais e menor risco de dependência", afirma Corrêa.

Neuroestimulação elétrica

"Destina-se ao controle de dores intensas e resistentes aos medicamentos", diz Corrêa. Em cirurgia, eletrodos são ligados à medula, para evitar a propagação do estímulo doloroso, ou ao córtex cerebral, para ativar a síntese de analgésicos naturais.

Fisioterapia

Choquinhos, ultrassom, infravermelho e hidroterapia são usados como coadjuvantes para alívio de várias queixas. Alguns exercícios físicos bem orientados, como pilates, alongam e fortalecem os músculos, aliviam stress e estimulam a produção dos analgésicos naturais.

Massagens e métodos posturais

Quiropraxia, osteopatia e estratégias de reeducação postural global (RPG) amenizam dores na coluna. Mais de 70% dos hospitais americanos oferecem massagem contra a dor.

Acupuntura

Tanto a tradicional, com agulhas, quanto as técnicas que utilizam eletrodos ou laser são indicadas para casos resultantes de contratura muscular.

Bandagem elástica

Pesquisas ainda não chegaram a um consenso a respeito daquelas faixas coloridas usadas por esportistas. Equipe da Universidade Fernando Pessoa, em Portugal, mostrou sua eficácia contra dores lombares em gestantes. Já cientistas da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) apuraram resultados inferiores aos dos exercícios físicos e da fisioterapia convencional em dores nos ombros, joelhos, pés, na coluna lombar e no pescoço.

Roupas terapêuticas

Camiseta com a biocerâmica MIG3 fixadas a fios foram testadas em 70 pacientes do Grupo de Dor da USP. Elas irradiam ondas eletromagnéticas que estimulam a dilatação dos vasos e o bombeamento do sangue. Após 14 dias de uso, houve redução de 45% das dores lombares resistentes a remédios.

Psicoterapia

A terapia cognitivo-comportamental se revela eficaz para perceber e transformar situações estressantes que contribuem para desencadear e agravar a dor.

Relaxamento

Chega a aliviar 50% das queixas.Há métodos clássicos baseados na respiração e uma versão high-tech: óculos tridimensionais que projetam imagens e sons agradáveis. Corrêa diz que eles não tratam as dores em si, mas distraem a atenção e proporcionam conforto.

Biofeedback

Um aparelho condiciona a perceber como a dor modifica a frequência respiratória, o pulso e outras funções, assim como a alterar essas respostas.

Mensagens de texto e aplicativos

Informam, ensinam métodos de relaxamento para crises e ajudam a organizar um diário da dor. Em estudo sobre o tema, mais da metade dos pacientes disse que tais recursos proporcionaram maior controle da dor, segundo artigo de cientistas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Aliados do futuro

A maior expectativa diz respeito ao emprego de células-tronco para regenerar lesões nos nervos e tratar as dores neuropática. Outras promessas de alívio: dois fármacos disponíveis no exterior esperam aprovação no Brasil. Um deles é o ziconotide, extraído do veneno do caracol. Outro é um adesivo de lidocaína.

Sonho realizado

"Aos 23 anos, sofri um acidente de moto. Fui atropelada por um caminhão. Fiquei 13 dias na UTI, nove em coma. Tive fratura na bacia e lesão no nervo ciático. Após quatro anos recuperada, passei a ter crises. Sentia fisgadas que se refletiam na perna e no pé direitos. A dor vinha com taquicardia e falta de ar. Não dormia e nem me concentrava no trabalho. Tentei vários tratamentos. O único que trouxe alívio foi um anticonvulsivante.Em 2011,casada e a fim de engravidar, soube que ele poderia causar má-formação na criança. Testei outros e pilates, ioga, exercícios, acupuntura, homeopatia... Nada resolvia. Até ser instalado embaixo da pele um neuro-estimulador, que daria choquinhos para inibir ramais nervosos responsáveis por enviar ao cérebro sinais de dor. Ela foi cedendo e o remédio foi suspenso. Nunca zerou, mas ficou espaçada e suportável. Pude realizar o sonho de engravidar e tive uma gestação ótima. O Leonardo é um bebê lindo." TATIANE SERAPIÃO, 36 anos, engenheira civil



(texto publicado na revista Claudia nº 7 - ano 53 - julho de 2014)














Nenhum comentário:

Postar um comentário