quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Lições para dirigir bem - Daniel Haidar


Formado em economia, mas com uma longa carreira no serviço público, o inglês Peter Hendy, 61 anos, comanda há quase uma década a Secretaria dos Transportes de Londres. Foi ele o responsável pela monumental operação de manter a cidade locomovendo-se sem grandes transtornos durante a Olimpíada de 2012. Previa-se um caos, mas a impressão geral é que tudo funcionou a contento - tanto que, segundo o próprio Hendy, as faixas exclusivas para a passagem de atletas e autoridades, obrigatórias no protocolo olímpico, pouco foram usadas. A chave do sucesso foi uma vastíssima campanha prévia de orientação do público (além, claro, de um transporte público já bastante eficiente). Nesta entrevista concedida no Rio de Janeiro, a próxima sede olímpica, Hendy - que, sim, vai trabalhar todo dia de ônibus, "o nº 24" - relata detalhes da sua vitoriosa maratona, pela qual foi agraciado pela rainha Elizabeth com o título de sir.

Janela de ouro

Uma Olimpíada representa a grande chance de uma cidade concretizar obras vitais de infraestrutura que, de outro modo, não sairiam do papel. Isso porque é muito mais fácil obter financiamentos e tocar projetos quando existe um prazo bem definido e um motivador poderoso como os Jogos: seu palco se torna temporariamente a vitrine do mundo, em que tudo alta visibilidade, e por isso é mais interessante investir. O redimensionamento do transporte público fica como legado, talvez o mais importante de todos. Cada lugar tem os próprios desafios. No Rio, ampliar o metrô, algo imprescindível, esbarra em grandes obstáculos topográficos, que devem ser (e acredito que serão) vencidos. Na minha estada, enfrentei congestionamentos, mas não vi nada que não fosse esperado em uma cidade latino-americana em fase de crescimento. Orquestrar um bom plano de transportes exige obediência religiosa ao cronograma. Nós conseguimos concluir nossas obras - novas linhas, novos trens, mais ônibus - um ano antes da Olimpíada, e as melhorias são sentidas até hoje.

"Se o metrô estiver cheio, vá tomar uma cerveja"

Um dos aspectos mais bem-sucedidos dos preparativos londrinos para a Olimpíada foi manter uma comunicação permanente com a população. Primeiro cruzamos os dados dos compradores de passes do metrô, de ônibus e dos pedágios com os dos compradores de ingressos para as competições. Aí enviamos milhões de e-mails, tuítes e mensagens de texto, tanto ao público em geral quanto a estabelecimentos comerciais, explicando quando e onde os sistemas de transporte ficariam congestionados e pedindo que evitassem aqueles lugares, naqueles horários. O site do departamento fornecia informações atualizadas das alternativas. Falei até uma frase que me rendeu muitas críticas: "Se o metrô estiver muito cheio, vá tomar uma cerveja, e espere esvaziar". Não parece razoável? O próprio prefeito Boris Johnson gravou uma mensagem, transmitida nos alto-falantes do metrô, recomendando que os usuários planejassem a viagem para evitar transtornos. Deu muito certo: durante a Olimpíada, mais de 30% dos moradores de Londres mudaram seu trajeto. E não é porque nossa população seja especialmente disciplinada, não. Quando há informação precisa e confiável, as pessoas param para ouvir.

Central de comando

Criamos em Londres uma Central de Transporte Olímpico, formada por nosso pessoal, junto com representantes dos governos, da polícia e do comitê organizador - umas quarenta pessoas ao todo. Claro que tivemos de acomodar interesses diversos, mas isso não se sobrepôs ao resto. Numa organização de dimensões olímpicas, se cada um impuser sua agenda particular, a coisa desandará. E sempre tive muito claro que o tempo deve ser usado a favor: não deixamos para a última hora a necessária tarefa de fazer a manutenção da frota nem a de administrar as falhas do sistema, que acontecem o tempo todo. É o que já fazemos diariamente - afinal, Londres funciona, assim como o Rio, no limite da capacidade - mas, de modo muito amplificado. Aprendi também que, numa Olimpíada, a palavra-chave é informação. Quanto mais organizada e compartilhada, melhor. No centro de operações, tinha a visão completa da cidade em tempo real. O Rio já tem algo parecido.

Olhar para trás

A experiência da Copa do Mundo no Brasil foi boa e pode servir de espelho para a Olimpíada. Já os Jogos de Atlanta, de 1996, devem funcionar como contraexemplo: ali, convocados às pressas, sem planejamento nem treino, os motoristas de ônibus não sabiam sequer circular pela cidade, atrapalhando inclusive a locomoção dos atletas. Estive em Pequim em 2008, mas não posso dizer que tirei muitas lições. Era tudo bem diferente, desde as esferas de decisão até o próprio transporte, com muita ênfase nas bicicletas. As autoridades brasileiras estiveram em Londres, observando o que fizemos. É essencial revisitar o passado, para evitar os mesmos erros e reprisar os acertos.

Tempo é transporte

Congestionamentos roubam a produtividade das pessoas. Sem boa mobilidade urbana, a criação de riqueza se atrofia. Os congestionamentos custam 8% do produto interno bruto (PIB) da região metropolitana do Rio de Janeiro, o que é muito alto. Como as grandes cidades não têm espaço para acomodar os carros da população inteira, o transporte público se  torna fundamental. Hoje em dia, todas elas precisam de uma infraestrutura melhor de transportes, até as que iniciaram antes a expansão do sistema. Londres, por exemplo, tem um metrô muito antigo, que requer manutenção constante e clama por ampliação. O do Rio de Janeiro expansão. Acontece que, na hora de conseguir recursos, o transporte tem de brigar com outras prioridades, como moradia, saúde, educação, e frequentemente fica para trás.

De carro, paga

Uma das medidas mais controvertidas que tomamos foi implantar o pedágio urbano no centro de Londres - uma forma de, ao mesmo tempo, levantar dinheiro e diminuir a circulação de veículos em área crítica. Mas ela demanda, primeiro, a existência de transporte público eficiente, e, depois de uma prefeitura decidida a resistir às pressões. Demorou, mas hoje ninguém em Londres discute sua eficiência.

Caro, mas bom

Ouvi muitas vezes do prefeito Boris Johnson e dos que vieram antes dele: "Peter, você é a favor da tarifa cara". Sou mesmo, porque quero ter dinheiro para melhorar os transportes. Sei que é difícil aprovar esse tipo de coisa. É impopular, exige muita habilidade política. Por outro lado, uma cidade só tem condições de progredir se as pessoas puderem se encontrar, fazer negócios. E a tendência é elas se mudarem para mais longe, já que não há lugar barato para viver no centro. Então gastamos quase 2 bilhões de libras por ano em investimentos no metrô, por exemplo. Os custos de operar um sistema público de transporte são sempre maiores que a receita. É um problema mundial. No mundo moderno, o subsídio para estudantes, idosos e deficientes é obrigatório. Tem de haver de onde tirar recursos. Que outro jeito senão aumentar as tarifas?




(texto publicado na revista Veja edição 2401 - ano 47 - nº 48 - 26 de novembro de 2014)













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