domingo, 20 de agosto de 2017

Flanar - Marina Bessa


Eu não gosto de programações turísticas. Daquele cronograma de atividades, com dezenas de atrações para ver em um dia. Os restaurantes já escolhidos. O tempo para comer definido. Saber que tenho que  visitar um museu em duas horas já me enche de ansiedade. Porque eu gosto de visitar museus sem hora para sair. Ler cada plaquinha, tentar me transportar no tempo, imaginando a história, a gente daquela época. E então olhar de novo para o quadro e pensar: uau, foi feito há centenas de anos, tem a pincelada daquele gênio aqui. Se por lá houver um café, ainda melhor. Enquanto descanso, observo as pessoas: quem elas são, de onde vêm, como se vestem, que língua falam, por que raios foram parar ali no mesmo dia que eu?

Os passeios têm que me dar espaço para a surpresa. Para me perder por uma rua bonita, me sentar em um banco ao sol saboreando o jornal do dia, para entrar  em um restaurante porque o cheiro da comida é incrível e ele é tão escondidinho e lotado... deve ser ótimo!

Depois de anos me perdendo nos meus pensamentos enquanto passeio, descobri que existe um nome pra isso: flanar. Andar sem rumo nem sentido certo, sem compromisso. Vagar. Perambular. Faz parte do hábito de um flâneur (uma pessoa que flana, em francês), observar detalhes, experimentar coisas novas, puxar assunto com a dona da lojinha, pegar com ela um par de dicas, perguntar em quem votou, saber o que ela vai comer de almoço e sair de lá sentindo-se tão perfeitamente integrado ao ambiente, que até imagina - e deseja - morar ali para sempre.

Flanar é um verbo muito usado para descrever as andanças por Paris, à capital francesa onde se faz isso por instinto. Mas o espírito flanador pode estar presente o tempo todo: na viagem para a casa dos seus avós no interior de Minas, em uma região desconhecida da sua cidade, na feira do seu bairro. Flanar é olhar com olhos curiosos, é estar atento aos imprevistos, ter o tempo a seu favor.

Um flâneur não sai em excursão jamais. E gosta de passear sozinho - no máximo na companhia de um outro flâneur. Porque só ele entenderá a magia de ver o mundo passar lentamente à frente das lentes de quem simplesmente ama estar vivo.




(texto publicado na revista Sorria para ser feliz agora nº 56 - jul/ago de 2017)

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