Os corredores cheios de caixinhas coloridas, passar horas andando por eles, vagando por cada uma das seções e decidindo qual era a melhor opção. Pedir indicações ao dono da locadora, e às vezes até mesmo às pessoas que visitavam o mesmo corredor que você. Então devolver os filmes da semana seguinte - depois de rebobinar a fita VHS, antes dos DVDs chegarem - , frustrado quando o tempo não havia sido o suficiente para assistir todos eles. As idas e videolocadoras eram um programa frequente para quase qualquer um que tenha crescido entre a década de 1970 e meados dos anos 2000. Hoje em dia é raridade, e nos parece até estranho que alguém saia de casa para escolher um filme, quando temos milhares de títulos e apenas um clique.
A indústria mostrou rapidamente em menos de duas décadas, rebobinamos VHS, usamos aparelhos de DVD e agora assistimos Netflix. Em 2010, havia 2 mil locadoras de filmes registradas no Sindicato das Empresas de Vídeo em São Paulo. Cinco anos depois, o número já havia sido reduzido para 532. As causas disso vêm desde a evolução da Internet em si até os serviços de streaming hoje. Primeiro, as TVs a cabo, que possuíam diversos títulos e exigiam apenas a vontade de vê-los, com comodismo e facilidade. Devido ao avanço da pirataria nas redes, juntamente com a possibilidade dos downloads ilegais, o ato de sair de casa e ir à locadora passou a parecer desnecessário. Isso é ainda mais perceptível quando os serviços de streaming se tornaram os maiores companheiros dos que gostam de cinema. É bem provável que a grande maioria dos clientes das antigas videolocadoras hoje façam parte dos 131 milhões de assinantes que a Netflix coleciona ao redor do mundo.
Mas o computador não traz o cheiro que vem junto com as caixinhas de DVD. Também não consegue repetir a sensação de ter todas as opções de títulos no toque da sua mão. Andar pelos corredores das locadoras é muito mais do que apenas escolher algo para assistir - é a experiência de estar em um ambiente que te possibilite o "além-filme". A facilidade do streaming faz sentido em uma sociedade contemporânea que deseja rapidez e racionalidade em tudo, mas isso não quer dizer que a nossa relação com objetos de afeto precise ser analítica dessa maneira. "Existia uma magia no ato de levar um filme para casa. Eu me lembro do cheiro das fitas, de você precisar rebobiná-las após assistir. Era uma experiência física, muito sensorial e também sociocultural" explica o diretor do documentário CineMagia, que narra os últimos movimentos das videolocadoras no Brasil, Alan Oliveira.
E é acreditando nisso que alguns lojistas teimosamente mantêm seus estabelecimentos. Daquelas milhares de locadoras de São Paulo, poucas resistem até hoje, alimentadas por um tanto de saudosismo e outro de fidelidade. O fenômeno é mundial - nos Estados Unidos, berço de companhias como Hulu e Netflix, apenas uma das milhares de franquias da gigante Blockbuster continua de portas abertas. A dona da loja em Bend, Oregon, afirma: 'eu acredito que finalmente encontramos aquele ponto confortável, onde as pessoas começaram a entender que vir até aqui, escolher um filme, andar por aí, conversar sobre filmes... É algo de que as pessoas sentem falta."
"Há lugar para ambos. Há um lugar para Netflix e Hulu. E há um lugar para isso [as videolocadoras]". É o que Sandy, a proprietária da última franquia da Blockbuster nos EUA, também defende. E a resistência das últimas videolocadoras do país ressalta a possibilidade de coexistência de duas tecnologias que, em suas diferenças, expressam a mesma paixão pelo cinema.
(texto publicado na revista Fala! Universidades, conteúdo jovem de verdade - #36 - setembro de 2018)
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