sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Internet: modo de usar - Isabela Noronha


Com educação, aprendemos a evitar as armadilhas da rede e a fazer da web uma nova e interessante forma de contato com o mundo

Em uma madrugada de março, a atendente de vendas Daniele Carneiro, 34 anos, recebeu um telefonema estranho da irmã. Ela pedia a Daniele que ligasse o computador e checasse o perfil da filha, Júlia, de 11 anos, em uma rede social. Ao olhar para a tela, Daniele levou um susto. Viu que a foto da filha, postada pela garota horas antes, era compartilhada por milhares de desconhecidos junto a comentários zombando de suas sobrancelhas grossas. "Fiquei em choque. Eu me senti impotente, como se não tivesse cumprido meu dever de mãe. Sabia que aquilo ia machucá-la demais", conta Daniele, que mora na região metropolitana do Recife (PE).

Júlia só viu o que aconteceu de manhã. Chorou, pediu para não ir à escola e deletou seu perfil. Nos dias seguintes, Daniele recebeu links das fotos e mais xingamentos, que proibiu a menina de ver. "Só temos noção de como a proporção disso é gigantesca quando acontece conosco", diz.

Em menos de duas semanas, os compartimentos ultrapassaram 5.000. Bullying virtual, como o vivido por Júlia, afeta a autoestima e pode levar à depressão. A situação se agrava quando as piadas de mau gosto chegam ao pátio da escola. Júlia, porém, teve sorte: quando voltou à sala de aula, dois dias depois, poucos colegas sabiam das fotos. Um mês mais tarde, abriu uma nova conta na rede social, com outro sobrenome e só uma foto. "Ela bloqueou tudo. E agora acompanho de perto o que ela faz na internet", comenta Daniele.

Os perigos do uso descuidado da rede não se restringem a essas brincadeiras de mau gosto. No fim de maio, um empresário paulista de 35 anos foi vítima de uma chantagem na web. Em uma série de emails, uma suposta criminosa ameaçava sequestrar sua filha. "Fiquei com medo, pois eles falavam de detalhes privados que, em tese, poucas pessoas conheciam", conta.

Para se proteger, o empresário contratou seguranças e acionou a polícia, que descobriu que a pretensa sequestradora era uma adolescente de 15 anos. Onde ela havia encontrado as informações para as ameaças? No site do empresário e no Facebook, a rede social mais popular no Brasil.

Depois do incidente, ele diz que mudou sua visão sobre segurança na internet e só usa a rede para fins profissionais. "Peço à minha família que tenha cuidado ao postar informações pessoais, como fotos, lugares que frequenta, escola, imagens que demonstrem o dinheiro que possui... É uma exposição desnecessária", afirma.


Cuidados básicos

Casos como o do empresário e o de Júlia poderiam ter sido evitados com medidas como restringir as informações pessoais na rede ou não aceitar desconhecidos como amigos em redes sociais. De acordo com a psicóloga Juliana Cunha, da ONG SaferNet, de Salvador (BA), uma boa medida para decidir o que deixar visível na web é pensar no que diríamos a um estranho. O nome,  talvez. Mas não o endereço. Para a psicóloga, é importante lembrar que a vida on-line é semelhante ao mundo real. "A internet é um espaço público. E há poucas diferenças entre o que se faz dentro ou fora dela", afirma.

Uma pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic) feita entre outubro de 2012 e fevereiro deste ano mostrou que 40% dos lares brasileiros têm computador com internet. E a maioria dos usuários (68%) aprende a utilizar essa tecnologia por conta própria. Porém, esse aprendizado de novas tecnologias deve ter o acompanhamento de parentes, professores e amigos. Como acontece na vida offline, são essas pessoas que ajudam a dar limite e reforçam os valores que pautam o comportamento no mundo virtual.

"A família e a escola têm papel fundamental nessa orientação", diz a psicóloga Sylva Van Enck, do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Na escola, professores ajudam a selecionar informações no oceano de artigos, reportagens e posts da internet. Além disso, incentivando as pesquisas, permitem ao aluno desenvolver consciência crítica sobre os dados online. Outra possibilidade é estimular debates sobre cibercultura e uso ético da rede.


Família conectada

Em casa, pais e responsáveis devem acompanhar as atividades na internet. "O recomendado é que, até os 10 anos, acessem a rede com adultos", diz Juliana. O ideal é limitar o número de horas, e não proibir. "Isso impede o diálogo." Ela lembra que a rede faz o papel dos parques ou praças de antigamente. "As crianças estão lá, é importante que saibam conviver nesse espaço", acrescenta.

Outra dica é deixar o computador em um local onde todos circulem. Assim, é mais fácil ver os conteúdos visitados e evitar armadilhas como conversas com desconhecidos ou comportamentos agressivos, como as ofensas nas redes sociais.

O ideal é sempre pedir a orientação de alguém experiente - o que não significa mais velho. A webdesigner gaúcha Bruna Filippozzi, de 27 anos, foi quem ensinou a avó, a artista plástica Cecília Pulita, de 74 anos, a navegar. Bruna tem internet em casa desde os 13 anos, enquanto a avó só teve um computador em 2008.

"Imprimi a tela em um papel, enchi de flechas indicando cada coisa e mostrei os comandos", conta Bruna. Agora, Cecília usa Skype e e-mail para conversar com quem está distante e visita diversos sites. Tem um perfil no Facebook, mas não posta nada. "Só entro para saber da vida alheia", conta. "Recentemente, minha avó me mostrou um site que eu não conhecia. Como está chegando agora, tem a cabeça aberta, e ela me ajudou a perceber que sempre uso os mesmos sites e programas", diz Bruna.

Conversando sobre internet, ambas aprendem. Uma demonstração de que, sabendo usar, a rede deixa de ser um espaço arriscado - como nas primeiras histórias desta reportagem - e se torna uma ferramenta para fazer contato com o mundo de forma rápida e interessante. Afinal, a internet é mecanismo de trabalho, de pesquisa, de lazere de prazer.





(texto publicado na revista Sorria para ser feliz nº 34)







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