sábado, 12 de dezembro de 2015

Pensar, que perigo! - Danuza Leão


Você já se deu conta de quanto é maravilhoso pensar? Não? Nem sei se vou saber explicar. Somente ter consciência de que temos essa capacidade já é extraordinário. Pensar nos leva de um deserto escaldante ao palácio de um rei, do sofrimento mais doloroso à mais escandalosa das felicidades, do ódio à paixão, da descrença à mais profunda fé, até da doença à saúde - e vice-versa. Esse é o maior privilégio que se pode ter. As guerras, as revoluções, as obras de arte, os filmes, os livros, o urbanismo, tudo - absolutamente tudo - começou com um homem imaginando. E há quem afirme que a força do pensamento pode até fazer com que as coisas aconteçam. Todas, eu não sei, mas algumas, com certeza.

É divertido pensar. Quando se pensa, não há censura, nada é pecado, proibido ou contra a lei. Talvez seja a única liberdade total que nós temos. Mas, para algumas pessoas, isso pode ser uma novidade que nunca foi tentada: pois devia ser. É melhor do que muitos filmes e conversa fiada - embora, certamente, acabe sendo difícil para quem não está acostumado. Você sabia que há muita gente que passa a vida inteira sem sequer se dar conta da maravilha que é pensar ? Na verdade, uma maravilha e também um perigo. Basta que se fique "pensativa" para que alguém pergunte: "O que você tem? Está pensando em quê?" Maridos, aliás, são especialistas nisso; esposas também - e com razão. Nada desestabiliza mais um grupo do que perceber que uma das pessoas está longe, pensando.

Pensar é perigoso. É assim que se descobre que a vida está boa, mas poderia ficar melhor; ou que o país parece que vai bem, mas poderia ir muito melhor; e é dessa forma que mudamos nossa vida e o mundo. Nelson Mandela declarou que tinha saudade do tempo que passou na prisão, porque, preso, ele tinha tempo para pensar. No nosso dia a dia, quando sobra um momento para apenas estar só, já se inventa imediatamente alguma coisa para fazer: ou se liga a televisão ou se pega um jornal velho ou se telefona para alguém a quem não se tem nada a dizer, só para evitar o perigo maior que é pensar.

Ninguém - ou pouquíssimas pessoas - está perfeitamente feliz com a vida pessoal, seus amores, seu trabalho. Enquanto está vendo a novela, porém, não está pensando em nada, sobretudo colocando em questão se não haveria alguma coisa a fazer para ser mais feliz. Será que vale a pena trabalhar tanto se nem sobra tempo para gastar o dinheiro que ganha? E para que mais dinheiro? Para ter mais sapatos, bolsas, camisetas? Não, não estou dizendo que essas coisas não são muito agradáveis. Óbvio que são! E um carro novo, um jantar em um bom restaurante e viagem em classe executiva são ótimos. Mas será que às vezes não se valoriza demais tudo isso?

Claro que falar é sempre fácil - especialmente para quem tem -, mas será que precisa mesmo de tanta coisa? Seja sincera: se sua casa fosse menor, sua vida seria muito diferente? E essa mania de acumular e acumular para quando envelhecer e não poder mais trabalhar e para garantir um futuro mais seguro para os filhos e netos? No fundo, isso não é um problema político? A gente ouve falar que, em certos países, a educação e a saúde são garantidas para toda a população, que, sem precisar se preocupar tanto com o futuro, vive mais feliz - com menos frescuras e mais alegria. Está vendo no que dá pensar? Pensar é perigoso e subversivo, e só uma coisa os homens ainda não descobriram: como proibir a humanidade de pensar.



(texto publicado na revista Claudia nº 8- ano 52 - agosto de 2013)

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