Em 1911, o norueguês Roald Amundsen e o inglês Robert Scott disputaram a glória de ser o primeiro homem a pisar no Polo Sul. Cem anos depois, a saga ainda espanta.
Há 100 anos, dois exploradores europeus disputaram uma corrida de 1.700 quilômetros pelo deserto gelado da Antártica. O prêmio era o direito de botar os pés no fim do mundo antes de qualquer ser humano.
O vencedor foi o norueguês Roald Amundsen. Ele atingiu o Polo Sul em 14 de dezembro de 1911. O segundo lugar - e a tragédia - estava reservado à expedição liderada pelo capitão inglês Robert Falcon Scott. A disputa entre os dois foi a última grande saga dos exploradores europeus. Para comemorar o centenário da conquista, o Museu de História Natural, em Londres, publicou um livro com fotos inéditas da expedição de Scott. Elas serão expostas a partir de janeiro na exposição A última expedição de Scott.
A aventura na Antártica foi o ato final de uma odisséia iniciada mais de 400 anos antes, quando Vasco da Gama dobrou o Cabo da Boa Esperança. Colombo descobriu a América e Fernão de Magalhães circum-navegou o planeta. A corrida ao Polo Sul começou em 1909, quando o americano Robert Peary atingiu o Polo Norte. A façanha de Peary pegou Amundsen desprevenido. Com quase 40 anos, ele era um calejado explorador do Ártico, adepto das técnicas de sobrevivência no gelo aperfeiçoadas por gerações de esquimós. Ele preparava em segredo uma expedição para conquistar o Polo Norte quando soube do feito de Peary. Mudou seu objetivo em segredo: seria então o primeiro a atingir o Polo Sul. O navio Fram zarpou de Oslo em junho de 1910. A tripulação de Amundsen achava que o destino era o mar de Behring, no norte do Pacífico, onde usariam trenós puxados por cães para abrir uma nova rota para o Polo Norte. Só ao chegar à Ilha da Madeira Amundsen revelou que seu destino era a Antártica. Sua discrição tinha motivos. Em Londres, o capitão Scott ultimava os preparativos para ir ao Polo Sul. Scott era um herói. Em 1902, ele e Ernest Shackleton chegaram a 850 quilômetros do Polo, o ponto mais ao Sul até então atingido por um ser humano. Em outubro de 1910, Scott se preparava para zarpar da Austrália rumo à Antártica quando soube que Amundsen partira da América do Sul ao continente branco. A corrida começara.
O ponto de partida escolhido por Amundsen e Scott para disparar rumo ao Polo foi a Barreira Ross, uma banquisa de gelo flutuante com a área da França. Scott montou seu acampamento-base no Estreito de McMurdo. Amundsen optou pela Baía das Baleias, no outro extremo da Barreira, por ser 100 quilômetros mais próxima ao Polo, encurtando a rota para 1.700 quilômetros. As duas equipes gastaram o verão antártico de 1910 a 1911 montando bases com suprimentos ao longo da rota da corrida. Scott trouxe pôneis siberianos para puxar trenós. Amundsen optou por cães esquimós. Ele e quatro homens partiram em 20 de outubro de 1911, em quatro trenós com 52 cães. Scott, sete homens e cinco pôneis saíram em 1º de novembro.
Amundsen precisou de 55 dias de marcha forçada num terreno desconhecido sob temperaturas médias de 20 graus negativos. Em 14 de dezembro de 1911, coube a ele a glória de atingir o Polo Sul e fincar a bandeira da Noruega. Não se via na vastidão branca nem sinal da bandeira britânica. Amundsen acreditava que a expedição de Scott estaria a apenas dois dias de distância. Há um século, sem contar com a comunicação por rádio ou satélite, tão importante quanto ser o primeiro a atingir o Polo Sul era ser o primeiro a conseguir voltar para anunciar a conquista ao mundo - pelo telégrafo.
Amundsen não tinha como saber que, no dia em que venceu a corrida, Scott ainda estava a 500 quilômetros de distância, lutando para escalar uma geleira na cordilheira Transantártica. O atraso lhe seria fatal. Vencida a barreira, ele enviou três homens de volta à base (foram os únicos sobreviventes), decidiu abandonar os pôneis e forçou seus companheiros a puxar os trenó na marcha ao destino final. Scott chegaria ao Polo Sul em 17 de janeiro de 1912, quase cinco semanas após Amundsen.
Ao avistar a bandeira norueguesa, deu meia-volta. Derrotados, desmotivados, exaustos e famintos, os ingleses iniciaram um trágico retorno. Sem ajuda para puxar os trenós, perderam muito tempo. Os víveres foram escasseando. Scott foi obrigado a reduzir as rações diárias, com reflexos sobre a saúde e o discernimento do grupo. Um dos homens despencou de uma geleira. Um segundo, muito fraco, saiu da barraca e desapareceu. Em 29 de março, Scott e dois companheiros morreram de inanição faltando 300 quilômetros para chegar ao oceano. A barraca com os três cadáveres congelados foi achada oito meses depois, em outubro de 1912. Os corpos permaneceram lá até hoje. Com 100 anos de acúmulo de neve e o movimento da banquisa, estima-se que Scott esteja sepultado por 23 metros de gelo, a 48 quilômetros do local original de sua morte. Em 275 anos, ele e seus companheiros poderão estar flutuando no Atlântico Sul, dentro de um iceberg.
(texto extraído da revista Época)
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