Quando eu era criança era muito magrinho. Recebia apelidos como "ossada" e "esqueleto". Normalmente eram crianças mais velhas que faziam isso. Eu não sabia lidar, reagia muito mal, ficava agressivo e chorava muito. Minha sempre dizia que se eu simplesmente não ligasse isso acabaria. Mas ainda demorei um tempo para amadurecer, aprender e por em prática esses conselhos que realmente serviram bem.
Durante a infância temos uma necessidade maior de auto afirmação e reconhecimento. Faz parte do processo de desenvolvimento emocional da criança, que precisa se sentir importante. A forma mais saudável de receber esse reconhecimento e suprir a maior parte da necessidade de auto afirmação da criança seria através da atenção, carinho e amor vindo dos pais.
Entretanto, a maioria do pais tem diversas dificuldades para suprir a carência dos filhos: falta de equilíbrio emocional, falta de tempo e não ter consciência de como tratar os filhos. Essas dificuldades vem da própria carência dos pais que não receberam atenção e amor o suficiente quando eram crianças. Sendo assim, dificilmente conseguirão dar para os filhos aquilo que não receberam.
Devido a essa deficiência de atenção, a criança se torna insegura e vai buscar outros meios menos saudáveis para se auto afirmar. A prática do bullying é uma maneira que muitas encontram para se sentirem melhores. Quando a criança rebaixa, humilha, coloca apelido em outras crianças mais "fracas", ela se sente temporariamente superior. Isso mascara superficialmente o vazio e carência que ela carrega. Em casos extremos, a criança pode se tornar extremamente agressiva e problemática, causando terror nos coleguinhas mais fracos.
Adultos também carregam problemas de autoestima e usam mecanismos para se sentirem superiores as custas dos outros. A prática do bullying é deixada de lado, pois não seria mais aceita socialmente. Para compensar, o adulto desenvolve a prática de falar mal dos outros, julgar e criticar, e em casos mais extremos, podem se tornar extremamente arrogantes e tratar mal outras pessoas consideradas mais fracas ou menos importantes. São tentativas ilusórias de nos fazer sentir acima dos outros; isso mascara temporariamente nossos sentimentos de inferioridade.
A criança que sofre o bullying normalmente também tem problemas de autoestima e por isso tem dificuldades de se defender ou de denunciar o problema para a escola e para os adultos responsáveis. Ela será também muito mais suscetível aos apelidos e outros tipos de bulliyng verbal reagindo de forma bem negativa. E quanto mais ela resistir, pior será. Uma criança com uma melhor autoestima terá reações mais tranquilas e não dará tanto alimento para a diversão dos que tentam se sentir superior a suas custas. Assim ela acaba não sendo a vítima ideal a ser escolhida pelos praticantes de bullying.
A criança que não recebe atenção e amor suficiente pode adotar comportamentos opostos. Tem aquelas que se tornam agressivas e partem para incomodar outras crianças, e tem aquelas que se tornam tímidas e frágeis e acabam virando a vítima do bullying. A criança pode também adotar os dois tipos de comportamento dependendo do ambiente onde ela se encontra.
Já fui vítima de bullinyg mas também já infernizei por diversas vezes outras crianças mais frágeis na infância e também na adolescência. Consigo lembrar de como me sentia na época, e como isso era fruto de uma insegurança e necessidade de afirmação.
É possível então perceber claramente como o bullying envolve um amplo problema de autoestima. Não sei como isso vem sendo tratado nas escolas de forma prática. Mas algo que ajudaria muito certamente, seria esclarecer para todos os envolvidos, ou seja, as crianças e as famílias, os mecanismos inconscientes que levam o problema a ocorrer. Se for tudo explicado em linguagem acessível, a criança tem condição de entender. Cartilhas, palestras, aulas sobre o tema ajudariam a concretizar esse propósito. Essas seriam providências mais amplas a serem tomadas.
Nos casos individuais, haveria a necessidade de se conversar com a criança e com sua família para expor com clareza e sem julgamentos as razões inconscientes que estão por trás do problema do bullying. Quando reconhecemos nossos comportamentos negativos e entendemos melhor de onde eles vem, fica mais fácil mudar.
As consequências emocionais do bullying não ficam somente na infância. O adulto cresce e ainda guarda as marcas emocionais do sofrimento vivido. Muitos não tem consciência disso. Entretanto, vários dos problemas que o adulto carrega hoje como medo de se expor, medo de ser julgado, vergonha do corpo e outras questões de autoestima, podem ter sido em grande parte gerados pelo bullying sofrido na infância.
Procure lembrar da sua infância e acessar as memórias dessa situações onde você sofreu humilhações, recebeu apelidos ou apanhou. Se essas lembranças ainda trouxerem emoções negativas como raiva, medo, humilhação, vergonha, tristeza e outras, esses sentimentos estão ainda no seu campo emocional trazendo insegurança e problemas na sua autoestima agora.
Sua reação hoje as situações que aparecem na sua vida é fortemente influenciada pela carga emocional que você acumula do passado. Cada situação atual, puxa um gatilho emocional de tudo que guardamos. Se houver muito conteúdo do passado, nossa reação será mais intensa. Tudo acontece automaticamente e de forma inconsciente.
Já atendi vários casos de adultos onde precisamos trabalhar essas memórias da infância, fazendo a limpeza emocional através da EFT para que a autoestima fosse recuperada. São memórias que as vezes parecem bobas para o adultos.
Muitas pessoas sentem até vergonha de entrar em contato com lembranças infantis e reconhecer que elas ainda trazem sofrimento. O adulto tende a negar e reprimir e dizer pra si mesmo que tudo aquilo é bobagem, que foi coisa de criança. Realmente, foi coisa de criança, mas não é bobagem. Enquanto não curar os sentimentos que ficaram ali marcados a autoestima sofrerá efeitos negativos.
Tem crianças que além de sofrerem o bullying na escola, sofrem com os irmãos em casa. Em casos extremos, tem pais que praticam bullying com os próprios filhos. As vezes até acham graça da reação da criança. Não tem consciência do mal que isso provoca. Provavelmente sofreram o mesmo de seus pais quando eram crianças e agora repetem o comportamento.
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