sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Era uma casa muito encantada - Carlos Solano


Palavras mágicas proferidas nos ambientes e uma limpeza amorosa em cada canto tocavam o coração dos visitantes.

Dizem que muito, muito tempo atrás, houve uma mulher que deixou tudo o que tinha, atravessou o grande oceano e viajou pelo mundo em busca de Deus. Certo dia, ela decidiu voltar e fez uma casa no alto de uma colina. Mas o que pouca gente sabia é que, nessas viagens, ela havia aprendido a construir lugares mágicos. Qualquer um que entrasse nessa nova morada se tornava imediatamente sincero, "sem cera", como ela dizia. Algumas pessoas se transformavam em nuvens leves, outras em pássaros ou flores. No entanto, isso não importava: o que contava era que, naquele local, cada um se sentia naturalmente livre. Que mágica seria essa?

Dizem que, antes de receber as visitas, a mulher focava o coração e varria e limpava tudo tão amorosamente que não havia quem ficasse imune o que a casa amava, digo, emanava. Tudo o que a mulher tocava - fosse um prato, uma colher ou um arranjo de flores - logo impregnava de um amor profundo, e os visitantes, quando viam ou tocavam esses objetos, sentiam-se amados também.

Todos os móveis, os quadros e as louças falavam e contavam histórias tão bonitas que acordavam os corações mais adormecidos. Apesar do bom gosto, nada era muito arrumado nessa casa mágica, pois a mulher acreditava na harmonia das coisas imperfeitas. No Oriente, ela tinha visto cobrirem com ouro as trincas dos potes antigos como uma forma de acolher as imperfeições.

Não bastasse tudo isso, a natureza interagia. De repente, o ar exalava um perfume de flor, que acordava lembranças da infância, ou passava um vento que fazia a vida se movimentar. Era só se sentar com calma na paisagem para isso acontecer.

E tinha mais: de vez em quando, a mulher falava palavras mágicas, de agradecimento e elogio, pois sabia que uma palavra de gentileza modifica qualquer ambiente. Usava a prece como uma varinha de condão. Colocava o nome de alguém ou de um país na linha pontilhada, e pronto - tudo melhorava: "Que... seja feliz. Que...se liberte dos sofrimentos. Que... descubra as causas da verdadeira felicidade. Que... se liberte das causas do sofrimento. Que possa se iluminar e trazer benefício a todos os seres". A maior mágica dessa mulher, porém, era transformar-se num lago e refletir o céu. Quando surgia algum desafio em casa, ela focava o coração, aumentava a percepção das coisas boas que tinha na vida e tornava-se um imenso lago. As dores desapareciam. Depois, ela colocava flores e velas acesas a flutuar em travessas com água. Para lembrar que seria possível "flutuar" acima das provações, iluminando a mente com lembranças repletas de vida.

Essa mulher existe: chama-se Simone Keisen, é monja zen budista e vive no templo Toguetsu, perto de Ouro Preto, Minas Gerais. Sempre que visito essa minha amiga querida, volto encantado e penso: "Como recriar uma atmosfera assim em nossas casas?" Acho que encontrei uma resposta mágica. Pego meu caderno de bolso e anoto: "Na janela, uma fresta de luz. Passagem estreita. Mas o amor é grande".



(texto publicado na revista Bons Fluidos nº 173 - agosto 2013)




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