sábado, 21 de abril de 2012

Suvenires românticos de Verona - Anne Palmers

Romeu e Julieta são personagens míticos que atravessaram os tempos modernos impulsionados pelo talento de William Shakespeare. Mas, para Verona, a cidade italiana que cultiva uma esquiva participação na trama, eles são a razão da visita de um milhão de turistas por ano.

Muitos conhecem a tragédia romântica ambientada na Verona medieval, cujas linhas gerais são essas: Romeu, filho da família Montecchio, se apaixona por Julieta, filha dos inimigos Capuletos. Os jovens convencem um frei a casá-los em segredo. Os pais da moça descobrem os planos de fuga do casal e, desconhecendo que já eram esposos, obrigam a filha a casar com um parente do príncipe de Verona. Julieta evita a união fingindo-se de morta, com a ajuda de uma droga que a deixa sem pulsação. Romeu, desavisado, reencontra Julieta aparentemente sem vida e se suicida tomando um veneno. Julieta volta à consciência e vê seu amor morto. Desesperada, enfia no próprio peito o punhal que Romeu tinha consigo. Tragédia total.

A sacada da casa da família Capuleto é um dos elementos mágicos do drama. Nos palcos, funciona como uma moldura para o encontro dos apaixonados. Mas os atuais guias turísticos de Verona explicam, um tanto apreensivos, que o balcão visto na Via Cappello, no centro histórico da cidade, "não é real". Na verdade, há alguns anos um comerciante veronês teve a idéia de construir uma sacada em uma altura oportuna e pendurar no muro da casa uma placa dizendo Casa di Giulietta. Dentro da residência que teria pertencido à família Dal Cappello - que seria uma corruptela de Capuleto - , Julieta teria nascido, entre os séculos 13 e 14.


O balcão de Julieta

No pátio da casa encontra-se uma estátua de bronze da heroína, hoje convertida em objeto de peregrinação: tocar seu seio direito traz felicidade ao casamento, diz-se. As paredes da entrada abrigam milhares de mensagens e cartas de amor (coladas com chiclete). Para crédulos e céticos uma loja de suvenires oferece toalhas gêmeas, alianças, lençóis, xícaras, livros, CDs, camisetas, bótons e broches.

Indústria cultural

As receitas culturais têm sido benéficas para Verona, cidade que chegou aos tempos modernos com uma integridade admirável. A maioria das construções romanas continua em pé. O anfiteatro para 30 mil pessoas da Arena de Verona é um verdadeiro monumento.

Arena de Verona


No período entre as duas guerras mundiais, a Itália sofreu uma terrível decadência econômica com a grande depressão econômica mundial. Os jovens emigraram. Os que permaneceram precisavam de engenhosidade para sobreviver. Foi nesse contexto que o sucesso mundial do filme Romeo and Juliet, de George Cukor, em 1936, veio dar um formidável impulso para o abalado ethos da cidade.

Trailer do filme Romeo and Juliet dirigido por George Cukor em 1936


De frente para o pátio da Casa de Julieta está o Hotel II Sogno di Giulietta, instalado em um casarão do século 16, com reservas permanentemente esgotadas. "De noite, os portões do pátio são fechados, e os hóspedes têm o luxo de aproveitar esse que é o espaço mais romântico do mundo, tomando um champanhe debaixo da sacada, ao lado da estátua de Julieta", explica Sebastiano Leder, diretor de marketing. "Tenho orgulho de ser um dos criadores do conceito deste hotel único." Sua equipe organiza noivados, festas de casamento e jantares românticos.

Shakespeare projetou o drama do amor inviável no palco após ler o poema do inglês Arthur Brooke, A trágica história de Romeu e Julieta, publicado em 1562. Brooke ambientara a sua tragédia em Verona, baseando-se na versão adaptada em 1559, pelo francês Pierre Boaistuau, de uma tragédia similiar escrita pelo italiano Matteo Bandello, em 1554. Bandello, por sua vez, tomara como fonte o romance de 1530 de Luigi Da Porto, baseado na versão de Masuccio Salermitano, escrita em 1476 e ambientada em Siena - a suposta primeira versão do mito.

Como se vê, há varios Romeus e Julietas. Da Porto contribuiu para a versão moderna, transportando-a de Siena para Verona, inventando os nomes Montecchio e Capuleto e afirmando que a história era verídica. Mas há enredos semelhantes muito antes de todas essas releituras. O amor impossível já motivava audiências em Os contos efésios, de Xenofonte Efésio, ou na história de Píramo e Tisbe, nas Metamorfoses do poeta romano Ovídio, ambos nascidos antes de Cristo.

Cenas do filme Romeu e Julieta dirigido por Franco Zefirelli em 1968

Na era renascentista, os contos sobre amores desafortunados emocionavam o público. As tramas refletiam o sacrifício recorrente de jovens inocentes por convicções religiosas e disputas políticas, motivos que levaram os europeus a conflitos sangrentos. Para garantir direitos sociais e políticos, os nobres e os clãs negociavam a união dos filhos para conservar ou aumentar os privilégios e a honra da família. Um casamento era um tratado político entre dinastias e o amor, uma arma letal.


Romeu e Julieta na versão de 1996 com Leonardo Dicaprio

Shakespeare morreu com 52 anos. Sua produção mostra uma impressionante criatividade e conhecimento da sociedade e da política da sua época. Fez fama rapidamente, em poucas décadas. Escreveu 40 dramas sobre temas históricos e costumes sociais, entre os quais destacam-se Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo, Macbeth, Rei Lear e O Mercador de Veneza, que oferecem um perfil intenso e psicológico sobre a vida e suas paixões, o amor, o ódio, o poder e a difamação, os sonhos e os mitos.



(transcrição de trechos da reportagem publicada na revista Planeta)















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