Monumentos que resistiram a 2 mil anos de história e à erupção de vulcões, a terremotos, guerras e atos de vandalismo podem ruir sob a atual crise econômica, o descaso e a burocracia da Itália.
No final do ano passado a opinião pública internacional se chocou com os desabamentos que ocorreram em alguns dos monumentos e dos sítios arqueológicos italianos visitados por milhões de turistas do mundo inteiro. Em poucos meses, fragmentos de parede despencaram do Coliseu, desabou o teto da Domus Aurea - a casa dourada de Nero, o imperador que incendiou Roma , e a Escola dos Gladiadores, em Pompeia, veio abaixo. Não foram acidentes inesperados.
Há anos associações de defesa do patrimônio histórico e artístico, assim como especialistas de arte e arqueologia italianos, alertam para o péssimo estado de conservação de monumentos, palácios e sítios arqueológico em todo o país, necessitados de restaurações urgentes ou, na maioria dos casos, de rotineira e constante manutenção. Muitos permanecem fechados. O problema é que o patrimônio cultural da Itália é vasto e os fundos necessários para a conservação devem atender a uma grande demanda.
Os recursos à disposição, mesmo para a manutenção ordinária, não são suficientes. Por isso, o Ministério da Cultura quer incentivar cada vez mais a participação de capitais privados para financiar a conservação do patrimônio. As verbas que o governo passa para o ministério caíram pela metade nos últimos dez anos e novos cortes deverão ser feitos com o plano de austeridade aprovado pelo Executivo, em julho, para fazer frente à grave crise econômica que toda a Europa atravessa. Sob o temor dos mercados de que a Itália possa seguiro o rumo da Grécia, o governo Silvio Berlusconi, enfraquecido e ameaçado por disputas internas, processos judiciais e escândalos, aprovou uma redução de gastos de cerca de 80 bilhões de euros. A penúria cultural vai aumentar.
Verba curta
"O pacote econômico vai piorar uma situação que já é dramática. O desastre vem de muitos anos, desde que o país deixou de investir em cultura", afirma Maria Borletti Buitoni, presidente do Fundo para o Ambiente Italiano (FAI), associação sem fins lucrativos que promove e restaura monumentos, palácios e parques com fundos provenientes de doações privadas. "Não é possível fazer a manutenção de um patrimônio como o italiano com a verba mais baixa do setor na Europa." Diante da solicitação de uma lista de monumentos sob maior risco de desintegração, a especialista usa a ironia: "Não é necessário. A Itália está cheia de casos graves. Basta abrir a janela e olhar para fora."
De fato, o país concentra o maior número de sítios declarados como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. São 47, mas 23 deles encontram-se em estado tão crítico de conservação que o futuro já está comprometido, segundo um levantamento realizado pela Legambiente, um dos principais grupos ambientalistas italianos. Entre os casos mais graves estão os monumentos dos primeiros cristãos, em Ravena; o Palácio de Caserta, em Nápoles; e a cúpula da Catedral de Florença (Santa Maria del Fiore), projetada pelo arquiteto Filippo Brunelleschi.
Em Roma, além do Coliseu e da Domus Aurea, que sofreu vários desabamentos e está fechada para o público desde 2008, as Muralhas Aurelianas, construídas no século 3, e o palácio do imperador Adriano, nos arredores da capital, correm sério perigo e precisam de reforma urgentes. Pompeia e Veneza também estão na lista dos sítios em perigo.
O desabamento da Escola de Gladiadores, em Pompeia, levou os desolados técnicos da Unesco a fazer uma vistoria em toda a área arqueológica da cidade soterrada pelo vulcão Vesúvio. Os especialistas deram um prazo até 2013 para que sejam realizadas obras de manutenção. No ano 79, a cidade foi soterrada por uma violenta erupção que cobriu tudo com seis metros de lava e cinzas, congelando aquele momento da história durante séculos, até as primeiras escavações, em 1748, trazerem à luz os restos de uma cidade próspera e os sinais dramáticos da tragédia. A área arqueológica de Pompeia tem cerca de 400 mil metros quadrados, dimensão que dificulta a conservação do patrimônio, segundo o crítico de arte Vittorio Sgarbi. "Mesmo com mais recursos à disposição, haveria dificuldades, pois a área é muito grande e algumas partes permanecem fechadas. Pompeia não é o problema mais grave, é apenas o mais comentado", explica.
Veneza é outra emergência na lista de organizações de defesa do ambiente e do patrimônio artístico, como a Italia Nostra, que enviou uma carta à Unesco questionando se a cidade ainda pode ser considerada Patrimônio da Humanidade. A presidente da organização, Alessandra Mottola Molfino, alega que a presença maciça de turistas e o sistema de comportas que está sendo construído para conter os alagamentos provocados pela máre alta da laguna onde a cidade está instalada podem afundá-la. "Veneza corre o risco de ser destruída pelos grandes projetos de infraestrutura, que podem alterar de forma irreversível o delicado equilíbrio que a manteve até hoje", afirma na carta.
Mais do que a falta de recursos, a burocracia e a má gestão dos fundos disponíveis são apontados como as principais causas da degradação do patrimônio histórico nacional, argumentam especialistas como Vittorio Sgarbi. "Nenhum país gasta tanto com os bens culturais quanto a Itália, se juntarmos a verba das regiões, das províncias, dos municípios, das fundações bancárias e privadas. O problema é como as estruturas se movem. A burocracia é muito lenta", diz o crítico de arte.
O excesso de burocracia chega a impedir a colaboração de entidades privadas com recursos próprios na gestão e conservação dos bens seriamente ameaçados. Com receio de que seu orçamento seja malgasto, o Ministério da Cultura precisa fazer tantos controles que acaba nem gastando, segundo a presidente da FAI. "A máquina administrativa italiana é profundamente ineficiente", observa Ilaria Buitoni.
Conservar o patrimônio artístico não é só uma questão de patriotismo, mas uma necessidade e um investimento para incentivar o turismo, no momento em que o país, embora seja a terceira maior força econômica da zona do euro, registra um dos menores crescimentos econômicos da região. A Itália não possui petróleo, metais preciosos ou grandes extensões de terra. Sua principal riqueza é o patrimônio cultural, fonte importante de divisas. Aproximadametne 45 milhões de pessoas visitam todos os anos o Bel Paese em busca de seus monumentos históricos, suas cidades de arte e belezas naturais. "Esse é um setor que representa 10% do PIB do país, embora nunca tenha merecido um plano sério de política econômica", diz Matteo Marzotto, presidente da Empresa Nacional Italiana para o Turismo (Enit).
Alavanca econômica
Estudo realizado pela Câmara do Comércio da cidade de Monza estima o valor da "marca", da imagem dos monumentos italianos, que contribuiu para a competitividade do país, em 600 bilhões de euros. "A cultura é o petróleo da Itália", diz um dos homens mais influentes do país, Luca di Montezemolo, presidente da Ferrari, a marca que representa o talento, o estilo e a competência do made in Italy, orgulho dos italianos. "O ponto forte da empresa Itália se resume em dois conceitos: cultura e turismo, que podem ser o motor da economia. Temos o mais vasto e rico patrimônio cultural do mundo. Ninguém tem uma oferta como a nossa", afirma.
Para defender a imagem da Itália e o seu mercado cultural estão surgindo versões modernas de mecenas, como antigamente foram os Médici, em Florença, e o papas, em roma, na época do Renascimento. Motivados por um misto de orgulho nacional e visão empreendedora, dedicam-se a salvar monumentos e cidades da ruína. Com a fundação Itália Futura, o aristocrata Montezemolo capta recursos para financiar obras urgentes, como a revitalização do Porto de Gênova, e promove encontros para atrair a contribuição de mais empresários para projetos semelhantes.
Diego Della Valle, dono de uma das marcas de maior prestígio da moda italiana, o Grupo Tod's, conhecido pelos calçados de luxo, virou exemplo desse novo mecenato ao financiar as obras de reforma do Coliseu. Após doar 5 milhões de euros para o teatro de ópera Scala, de Milão, agora ele vai desembolsar mais 25 milhões de euros para a restauração do monumento mais famoso de Roma. A operação se tornou a maior participação de uma empresa privada nesse tipo de projeto. "A iniciativa concretiza o desejo de proteger e promover a nossa cultura. Isso ajuda as empresas que operam na Itália e no exterior", comenta Della Valle.
Com dois mil anos de vida, o gigantesco Anfiteatro Flavio, o verdadeiro nome do Colieu, é um dos monumentos mais visitados do mundo. Embora receba em torno de 25 mil pessoas por dia, sua gestão é ineficiente. Diante do que resta da grande arena onde combatiam gladiadores, que se tornou símbolo do martírio cristão, é difícil imaginar sua grandiosidade e beleza. Ao longo dos séculos, o Coliseu foi destruído e saqueado. Os materiais usados para erguer e decorar o anfiteatro acabaram na construção de igrejas e palácios romanos, e o edifício foi despido de mármores e detalhes.
As obras de restauração, esperadas há 30 anos, vão começar no final deste ano e devem eliminar as manchas escuras da fachada, deixadas pela poluição dos automóveis que circulam em seu entorno, no centro de Roma. Serão instalados novos portões, a área subterrânea será restaurada, o acesso para pessoas com deficiências físicas será facilitado e o espaço aberto ao público, ampliado.
"A Itália precisa do mecenato", anunciou o prefeito de Roma, Gianni Alemanno, que penou para encontrar um patrocinador que se comprometesse com a revitalização do monumento. Além de pagar as obras, o Grupo Tod' promete divulgar o projeto de restauração, para que jovens e idosos conheçam o Colieu, e renunciou a obter vantagens econômicas com a operação. "Trata-se de um projeto de mecenato em retorno econômico, publicitário ou comercial", informa um comunicado oficial.
Diego Della Valle está decidido a continuar a campanha em defesa dos monumentos italianos e quer convencer outros empresários a seguir o mesmo caminho por meio de uma nova ação, chamada Projeto Itália. "Espero que outras pessoas e empresas, orgulhosas da nossa cultura e do nosso país, sigam essa iniciativa, pois isso faria bem para a nossa imagem no mundo", diz Della Valle. O magnata dos sapatos chiques promete, agora, que vai procurar patrocinadores para investir na recuperação de Pompeia e Veneza.
Mais do que a falta de recursos, a burocracia e a má gestão dos fundos disponíveis são apontados como as principais causas da degradação do patrimônio histórico nacional, argumentam especialistas como Vittorio Sgarbi. "Nenhum país gasta tanto com os bens culturais quanto a Itália, se juntarmos a verba das regiões, das províncias, dos municípios, das fundações bancárias e privadas. O problema é como as estruturas se movem. A burocracia é muito lenta", diz o crítico de arte.
O excesso de burocracia chega a impedir a colaboração de entidades privadas com recursos próprios na gestão e conservação dos bens seriamente ameaçados. Com receio de que seu orçamento seja malgasto, o Ministério da Cultura precisa fazer tantos controles que acaba nem gastando, segundo a presidente da FAI. "A máquina administrativa italiana é profundamente ineficiente", observa Ilaria Buitoni.
Conservar o patrimônio artístico não é só uma questão de patriotismo, mas uma necessidade e um investimento para incentivar o turismo, no momento em que o país, embora seja a terceira maior força econômica da zona do euro, registra um dos menores crescimentos econômicos da região. A Itália não possui petróleo, metais preciosos ou grandes extensões de terra. Sua principal riqueza é o patrimônio cultural, fonte importante de divisas. Aproximadametne 45 milhões de pessoas visitam todos os anos o Bel Paese em busca de seus monumentos históricos, suas cidades de arte e belezas naturais. "Esse é um setor que representa 10% do PIB do país, embora nunca tenha merecido um plano sério de política econômica", diz Matteo Marzotto, presidente da Empresa Nacional Italiana para o Turismo (Enit).
Alavanca econômica
Estudo realizado pela Câmara do Comércio da cidade de Monza estima o valor da "marca", da imagem dos monumentos italianos, que contribuiu para a competitividade do país, em 600 bilhões de euros. "A cultura é o petróleo da Itália", diz um dos homens mais influentes do país, Luca di Montezemolo, presidente da Ferrari, a marca que representa o talento, o estilo e a competência do made in Italy, orgulho dos italianos. "O ponto forte da empresa Itália se resume em dois conceitos: cultura e turismo, que podem ser o motor da economia. Temos o mais vasto e rico patrimônio cultural do mundo. Ninguém tem uma oferta como a nossa", afirma.
Para defender a imagem da Itália e o seu mercado cultural estão surgindo versões modernas de mecenas, como antigamente foram os Médici, em Florença, e o papas, em roma, na época do Renascimento. Motivados por um misto de orgulho nacional e visão empreendedora, dedicam-se a salvar monumentos e cidades da ruína. Com a fundação Itália Futura, o aristocrata Montezemolo capta recursos para financiar obras urgentes, como a revitalização do Porto de Gênova, e promove encontros para atrair a contribuição de mais empresários para projetos semelhantes.
Diego Della Valle, dono de uma das marcas de maior prestígio da moda italiana, o Grupo Tod's, conhecido pelos calçados de luxo, virou exemplo desse novo mecenato ao financiar as obras de reforma do Coliseu. Após doar 5 milhões de euros para o teatro de ópera Scala, de Milão, agora ele vai desembolsar mais 25 milhões de euros para a restauração do monumento mais famoso de Roma. A operação se tornou a maior participação de uma empresa privada nesse tipo de projeto. "A iniciativa concretiza o desejo de proteger e promover a nossa cultura. Isso ajuda as empresas que operam na Itália e no exterior", comenta Della Valle.
Com dois mil anos de vida, o gigantesco Anfiteatro Flavio, o verdadeiro nome do Colieu, é um dos monumentos mais visitados do mundo. Embora receba em torno de 25 mil pessoas por dia, sua gestão é ineficiente. Diante do que resta da grande arena onde combatiam gladiadores, que se tornou símbolo do martírio cristão, é difícil imaginar sua grandiosidade e beleza. Ao longo dos séculos, o Coliseu foi destruído e saqueado. Os materiais usados para erguer e decorar o anfiteatro acabaram na construção de igrejas e palácios romanos, e o edifício foi despido de mármores e detalhes.
As obras de restauração, esperadas há 30 anos, vão começar no final deste ano e devem eliminar as manchas escuras da fachada, deixadas pela poluição dos automóveis que circulam em seu entorno, no centro de Roma. Serão instalados novos portões, a área subterrânea será restaurada, o acesso para pessoas com deficiências físicas será facilitado e o espaço aberto ao público, ampliado.
"A Itália precisa do mecenato", anunciou o prefeito de Roma, Gianni Alemanno, que penou para encontrar um patrocinador que se comprometesse com a revitalização do monumento. Além de pagar as obras, o Grupo Tod' promete divulgar o projeto de restauração, para que jovens e idosos conheçam o Colieu, e renunciou a obter vantagens econômicas com a operação. "Trata-se de um projeto de mecenato em retorno econômico, publicitário ou comercial", informa um comunicado oficial.
Diego Della Valle está decidido a continuar a campanha em defesa dos monumentos italianos e quer convencer outros empresários a seguir o mesmo caminho por meio de uma nova ação, chamada Projeto Itália. "Espero que outras pessoas e empresas, orgulhosas da nossa cultura e do nosso país, sigam essa iniciativa, pois isso faria bem para a nossa imagem no mundo", diz Della Valle. O magnata dos sapatos chiques promete, agora, que vai procurar patrocinadores para investir na recuperação de Pompeia e Veneza.
(texto publicado na revista Planeta de setembro de 2011)
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