Antes considerada a outra face da depressão, a mania começa a ser vista como um transtorno em si
Assim como o prazer não é a ausência da dor e o bem-estar não é a ausência de mal-estar, felicidade não é simplesmente a ausência de infelicidade. Possuímos no cérebro uma série de estruturas responsáveis por provocar ativamente o bem-estar, o prazer e a felicidade, como as do sistema de recompensa. Como resultado, a felicidade tem até sua "assinatura cerebral": durante emoções positivas, o córtex cingulado anterior, um centro de alarme cerebral, fica inibido, e o lado esquerdo do córtex frontal, envolvido em sensações positivas, fica mais ativo.
A felicidade não é simplesmente uma bênção, obra do destino, fruto do acaso ou de circunstâncias externas: é conquista. Aristóteles, já considerava que "felicidade é consequência de uma atitude", algo que chega àquele que sabe fazer sempre o melhor possível de acordo com suas possibilidades e as oportunidades que a vida lhe oferece.
Uma vez que o cérebro constata que suas ações estão dando certo, a felicidade se espalha pelo corpo. O prazer de um trabalho bem feito, do toque de quem se ama, de um presente inesperado ou de uma piada engraçada se manifesta conforme a frequência cardíaca se acelera, a temperatura do corpo aumenta ligeiramente, a pele se umedece, a musculatura relaxa. O sorriso, expressão mais evidente do bem-estar, aparece imediatamente. A felicidade nos mantém no bom caminho.
Claro, felicidade gera felicidade, pois é bem mais fácil buscá-la na vida quando já se tem resultados positivos que geram expectativas e atitudes positivas - que, por sua vez, aumentam as chances de novos resultados positivos, em um círculo virtuoso dos melhores. Mas não é razoável, muito menos saudável, esperar que a felicidade seja um estado permanente: o bem-estar não significa estar feliz o t empo todo, e sim ter saúde mental (e física) para ficar feliz quando for apropriado ficar feliz, e triste quando for o caso de ficar triste.
Existe justamente uma condição médica que leva à felicidade em excesso: uma sensação constante de satisfação consigo mesmo, de bem-estar, de poder a toda prova, mesmo quando não há razão para isso. Soa como uma bênção, mas não é. A felicidade fora de hora, sem justificativa, destrói a vida aos poucos enquanto sua vítima continua sorrindo: é a mania, um transtorno que envolve um excesso de atividade do sistema de recompensa do cérebro. E aqui se coloca a questão médica: se a pessoa se sente tão bem, qual o problema?
Não é a exuberância do maníaco, a energia inesgotável, a satisfação com poucas horas de sono por dia. O problema da mania não são esses sinais e sim suas consequências, primeiro para quem vive com a pessoa permanentemente feliz (pois é duro conviver com alguém que nunca está errado), mas logo também para a própria vítima da felicidade exagerada. As amizades sofrem, os relacionamentos pessoais se quebram, o emprego corre perigo por causa de decisões incompatíveis com a realidade, a conta no banco míngua. O mundo do maníaco desmorona e ele caminha rumo ao buraco, que inclui delírios místicos e de grandeza quando o transtorno se agrava - mas ele continua achando tudo ótimo.
Antes considerada apenas a outra face da depressão no transtorno bipolar, a mania hoje começa a ser reconhecida como um transtorno puro, mais comum do que se pensava, atingindo cerca de 10% das pessoas n forma de transtorno bipolar, e talvez até 3% em sua forma pura, sem depressão. Por sorte, mania tem remédio - ainda que a pessoa em estado maníaco se sinta ótima e, portanto, ache que o problema está em quem deseja "curá-la de sua felicidade"...
(texto publicado na revista Mente Cérebro nº 222)
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