segunda-feira, 9 de abril de 2012

Espalhando um vício -Daniela Almeida

O sonho do agropecuarista Robson Mendonça era sair do interior do Rio Grande do Sul e abrir um restaurante em São Paulo. Em 1997, foi na frente para arrumar uma casa e começar o negócio. Quando se estabelecesse, levaria a família. Ao chegar, porém, sofreu um sequestro no qual perdeu os documentos e as economias. Virou morador de rua. Um ano depois, viu o nome da mulher e do filho em um jornal. Os dois haviam morrido em um acidente de estrada.

O refúgio para a tragédia foi a leitura. "O livro nos leva a viajar sem sair de onde estamos", filosofa. Robson lia em bibliotecas públicas. Mas não podia pegar nenhum exemplar emprestado, por não ter comprovante de residência. Um dia, encontrou largado na calçada o romance "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, um clássico sobre a opressão social. O texto o atingiu como um soco no estômago e foi o gás que precisava para se fortalecer.

Robson foi trabalhar com material reciclado e conseguiu sair das ruas em 2003. Então começou a pensar em uma forma de levar a leitura a quem ainda precisava superar a falta de um teto. Foi aí que idealizou a "bicicloteca": uma bicicleta que carregasse livros para serem emprestados livremente - em especial a quem nem sequer tem um documento para apresentar. Procurou ajuda com políticos, entidades e empresas. Só em 2010, com o apoio da ONG Mobilidade Verde, conseguiu construir a primeira bicicloteca.

Em junho de 2011, a invenção foi roubada. "Mas acabou sendo algo benéfico", diz. O caso chamou a atenção de novos parceiros, como a editora Melhoramentos e o grupo Pão de Açúcar. Robson ganhou três unidades e fez do projeto sua principal atividade. Hoje, as biciclotecas são equipadas até com Internet sem fio. Circulam de segunda a sexta pelo centro de São Paulo. Por dia, são emprestados até 150 livros. Cerca de 99% retornam. Com o sucesso, em breve, serão 13 unidades, para atender a mais pessoas. "Outro dia, vi um morador de rua dizer: 'em vez de beber, vou pegar um livro, pois isso vai me ajudar mais a arranjar um emprego'", conta Robson, orgulhoso de espalhar um vício do bem.

Por uma vida menos dura

Na entrevista abaixo, Robson fala sobre o drama de morar na rua e pede sua ajuda para combater esse problema.

Qual é a pior coisa de ser um morador de rua?

Não contar com o amparo do Estado, que não tem política pública para essa população. Em São Paulo, a Lei nº 12316/1997 diz que o município tem de garantir a essas pessoas o direito de tomar banho, ter documentos, fazer curso profissionalizante, morar em um hotel social ou em moradia provisória. Ela existe há 15 anos e nunca foi implementada de fato.

Para o morador de rua, qual é a importância de receber atenção?

Isso faz com que ele se sinta gente. Era isso que acontecia comigo quando alguém vinha conversar. Uma das iniciativas do projeto é um concurso de poesia para moradores de rua. Precisa ver como eles se sentem valorizados ao ler uma poesia que fizeram.

Qual o caso mais emocionante que você viveu no projeto?

Foi o de um rapaz que conseguiu, por meio da ajuda de uma empresa, fazer o curso de direito, mas não tinha como comprar os livros da faculdade. Ele trabalhava entregando panfletos e morava em albergue. Quando lhe entregamos os livros, ele chorou muito.

Como as pessoas podem ajudar o projeto Bicicloteca?

Por meio do site www.bicicloteca.com.br. Lá, há uma lista dos lugares onde os livros podem ser doados. Também aceitamos doações de roupas, livros, fraldas e alimentos para os moradores de rua. Toda ajuda é bem-vinda!



(texto extraído da revista "Por exemplo")




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