sexta-feira, 11 de maio de 2012

Não basta ser redonda - Carolina Esquilante

Farinha certificada, tempo de descanso da massa e temperatura fazem o padrão da legítima pizza napolitana.

São Paulo é a capital com maior número de pizzarias do Brasil, mas pergunte a um italiano legítimo quantas delas valem a pena, e a resposta vai assustar. A maioria nem considera pizza o que se serve nas casas especializadas do país. Não basta ser redonda, levar queijo e ser assada em forno a lenha. Não à toa, o pessoal da pizzaria Speranza se orgulha de ter sido a primeira da América Latina a conseguir, em maio de 2010, o certificado de autenticidade e qualidade das pizzas produzidas do modo napolitano. O comprovante é concedido pela Associazione Verace Pizza Napoletana (AVPN), criada em 1984 por Antonio Pace e outros donos de pizzarias em Nápoles. A ideia é justamente regulamentar as pizzas napolitanas ao redor do mundo.

A pizzaria já está sob o comando da terceira geração da família Tarallo. Dona Speranza, que deu nome ao estabelecimento, desembarcou no Brasil no fim da década de 1930. Inaugurou o primeiro no Bexiga, região central de São Paulo, e nos anos 1970, em Moema, Zona Sul da cidade. O jeitão napolitano sempre esteve presente na cozinha, e os netos de dona Speranza fizeram questão de mantê-lo. Principalmente a chef Monica Tarallo, que assumiu os fogões. "No começo só servíamo pizzas tradicionais, que ainda não existiam no Brasil. Com o tempo, vieram o calzone e o tortano".

O certificado veio por acaso. Monica estava fazendo um curso com alguns donos de pizzaria no Brasil. Foi então que conheceu Giulio Adriani, diretor da AVPN. "Percebi que tudo o que ele ensinava nós já fazíamos na Speranza", diz a chef. O pizzaiolo, depois de conhecer as duas unidades, sugeriu que eles pleiteassem o certificado.

Decisão tomada, foi tudo bem simples. Giulio ficou cerca de uma semana com as equipes do Bexiga e de Moema, mas não teve muito o que fazer. Os equipamentos usados eram os mesmos. Os ingredientes, de boa procedência. E a equipe, muito afiada. "Tivemos apenas de importar a farinha certificada e o molho, que não pode ser substituído", diz João Martins, de 50 anos, que trabalha na Speranza há 31. "A massa é mais complicada de fazer que a tradicional: tem de ficar sovando por 1h40 e descansar cerca de 8 horas, enquanto a normal descansa apenas 40 minutos." Seu João ainda entrega que a temperatura do forno é importantíssima. "Ela tem que estar entre 450ºC e 485ºC, de forma que a pizza não fique mais de 3 minutos,  para que seja mantido o frescor dos ingredientes".

Foram três os sabores incorporados ao cardápio depois do certificado: margherita (molho de tomate, mussarela de búfala e manjericão), marinara (molho de tomate, poucas fatias de alho e manjericão) e caprese (sem molho, pedaços de mussarela de búfala, manjericão e tomatinhos tipo italiano frescos). Monica explica que a ideia não era transformar o cardápio, até porque nem todos os sabores são aceitos pela associação. "Com isso, podemos resgatar uma cultura: os italianos mais tradicionais se sentem em casa e podem saborear algo legítimo de sua terra aqui no Brasil".

"A maior dificuldade que tivemos na execução das pizzas certificadas foi com os recheios", diz Monica. "Os brasileiros preferem as mais incrementadas, mas a associação estipula um limite. Tenho sempre de ficar no pé dos cozinheiros para maneirarem". Nada que seja um problema. O sucesso foi tanto que membros da AVPN voltaram às duas casas no Brasil e renovaram o atestado de autenticidade neste ano.


(revista Prazeres da Mesa)

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