Se você também não aguenta mais o ritmo frenético do mundo e sente que não tem tempo para nada, saiba que não é a única. Entenda o que está havendo conosco e comece a mudar agora mesmo.
Calma... Não vai dar mesmo para cumprir hoje a enorme e velha lista de pendências. E... ainda que o tempo parasse até você colocar tudo em ordem, acredite, isso lhe traria pouco alívio. No dia seguinte, sempre haverá uma lista ainda maior. De e-mails por responder. De ordens do chefe para ontem! De tecnologias que você já deveria ter dominado. De livros e filmes cujo lançamento perdeu. De lugares que ainda não visitou. De programas com as crianças, que estão crescendo rápido demais. De momentos com seu amor, que anda meio esquecido. De amigos que reclamam que você nunca liga. De coisas para organizar em casa. E, ainda por cima, de um tempo reservado só para você. A reclamação de que estamos sendo atropeladas pelo excesso de compromissos é geral, e a sensação de estarmos sempre em falta com alguém ou alguma coisa já virou rotina. Mas, afinal, o que está havendo com o tempo, que parece estar sempre apressado como o coelho branco da fábula Alice no País das Maravilhas?
Cena do coelho atrasado em "Alice no País das Maravilhas"
Conversamos com físicos, astrônomos e astrofísicos das mais renomadas universidades do país e eles foram unânimes em dizer que, ao contrário do que muita gente acredita, os ponteiros do relógio continuam se movendo no mesmo ritmo de sempre. Para eles, o grande culpado da história é o alucinado ritmo da vida moderna, que causa essa sensação. A psicóloga paulista Beth Furtado, especializada em administração de empresas e autora do livro Desejos Contemporâneos (Gouvêa de Souza), acrescenta: "Pode não haver, de fato, algo concreto, mas a sensação de que ele está voando não é ilusória. A realidade é feita a partir da vivência das pessoas e é isso o que conta".
Tempos modernos
O que está acontecendo afinal? As respostas são várias e apontam para as novas demandas da sociedade contemporânea. Uma delas diz respeito à política de redução de custos das empresas em todo o planeta e os constantes cortes no quadro de funcionários. Equipes reduzidas implicam uma quantidade cada vez maior de exigências. "Quanto mais coisas temos para fazer, menos vemos o tempo passar", diz a psicóloga. Some-se a isso um cenário de crise econômica associado à competição acirrada, fator que induz as pessoas a se submeterem a regras abusivas. "Vivemos em uma sociedade que nos trata com dureza e considera normal trabalharmos 15 horas por dia", comenta.
Beth Furtado ainda lembra que a entrada do sexo feminino no mercado de trabalho contribuiu para o aumento dessa sensação. "As mulheres são multi-tarefas. Para nós é natural fazer várias coisas ao mesmo tempo. Mas estamos sobrecarregadas, e, ainda que alguns homens dividam parte do trabalho conosco, existem responsabilidades que não delegamos a ninguém."
Mundo High Tech
Outro grande responsável por esse fenômeno é o alucinado avanço da tecnologia. "Por causa disso, na última década o número de ações aumentou consideravelmente e o ritmo das tarefas se acelerou muito", explica Beth Furtado. Trocando em miúdos, se antes levávamos praticamente uma semana, ou mais, entre elaborar um trabalho, enviá-lo por fax e obter uma resposta, hoje, o retorno, via e-mail, é quase instantâneo. Para piorar, em questão de minutos, uma nova demanda já ocupa nossa agenda. Isso sem falar que os celulares com acesso à internet não nos permitem mais desconectar, literalmente.
O físico Aba Cohen, da Universidade Federal de Minas Gerais, ainda observa que, com a evolução tecnológica, passamos a cometer a loucura de comparar a nossa velocidade como seres humanos com a velocidade das máquinas, o que gera a falsa sensação de que estamos lentos demais. Além disso, a obsessão pela pressa cria uma cobrança irreal até em relação ao desempenho das próprias máquinas. "Equipamentos de processamento de dados e de comunicação resolvem tudo 'à velocidade da luz' e, se ficam um pouquinho mais lentos, já temos vontade de quebrá-los! Isso traz um contraste muito grande e gera angústia", comenta o professor.
Um mundo de novidades
Basta chegar a uma grande livraria para que a ansiedade tome conta de nós. O volume de lançamentos de livros, revistas, CDs e DVDs é cada vez maior. O mesmo fenômeno acontece no mundo virtual, que rompe fronteiras graças às enormes facilidades proporcionadas por novos veículos de comunicação para a produção e a rápida disseminação de uma avalanche de conteúdo mundo afora. "A sociedade segmentada cria essa profusão de alternativas, mas ninguém é capaz de consumir tudo, e a sensação é de que nunca chegaremos lá", explica Beth.
As vitrines também são responsáveis por esse incômodo sentimento. As roupas de inverno começam a ser vendidas em fevereiro e, em meados de julho, a coleção de verão já está nas araras. "Isso não acontece apenas com a moda, estamos presenciando uma diminuição dos ciclos de ofertas dos produtos", diz Beth. De acordo com a psicóloga, essa é uma das razões do nosso senso cada vez maior de urgência. Para piorar, ele vem acompanhado da sensação de que tudo é muito efêmero e de que estamos perdendo pé para as novidades.
Para a psicoterapeuta Monika von Koss, que atua em seu Espaço Caldeirão, em São Paulo, quanto mais investimos em coisas que não alimentam nossa alma, mais teremos a impressão de que os dias passam com a mesma rapidez com que esses objetos de consumo saem de moda. "Se não investirmos em algo mais consistente e usarmos toda a energia com o que precisa ser renovado a cada momento, quando não tivermos algo novo, iremos nos deparar com sentimentos de isolamento, abandono e insignificância", diz a especialista. "É como se todo mundo estivesse fazendo ou consumindo alguma coisa maravilhosa e nós ficássemos excluídas."
Um basta
Ainda que boa parte das pessoas concorde que ninguém aguenta mais um ritmo tão frenético, não será nada fácil frear essa máquina que move o mundo. "Estamos viciados em adrenalina", avalia Beth. "Ninguém mais tira férias de 30 dias, ficamos organicamente condicionados a trabalhar feito loucos e a ter que fazer alguma coisa o tempo todo." Para piorar, muitas de nós acreditam que podem dar conta de tudo. "Por trás dessa postura, muitas vezes estão pessoas que se sentem diminuídas e têm medo de dizer que não dão conta", explica a psicanalista Ana Maria Lino Rocha, integrante da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Pode ser ainda que esse jeito de viver a 200 por hora represente, na realidade, uma fuga. Você já pensou nisso? "Se me encho de coisas para fazer e adquirir, não penso, não questiono meu casamento, minhas relações, minha carreira e a vida que não tive. E vou 'empurrando com a barriga' as decisões que não quero tomar", diz Beth.
O primeiro passo
Seja qual for a razão para nos jogarmos na roda-viva, uma coisa é certa: o caminho da transformação passa obrigatoriamente pela tomada de consciência do que está acontecendo e do que precisa ser modificado. "Ela é o ponto de partida de qualquer processo verdadeiro de mudança", garante Beth. Segundo a especialista, precisamos encontrar uma ilha de serenidade na correria diária para fazer uma reflexão profunda sobre o que está havendo dentro de nós e traçar uma estratégia eficiente para sair do redemoinho. O monge zen-budista Ryozan, da Comunidade Zen do Brasil, em São Paulo, achou a saída na meditação. "A prática traz consciência sobre o que realmente importa na vida", conta. "Em vez de ficar ansioso porque acredito que não vou conseguir ler um livro de 5 mil páginas, e nunca partir para a ação de fato, eu começo lendo a primeira página." Ele diz que, com essa nova postura, cessam nossos comentários internos - de que não vai dar tempo ou não vamos conseguir - e ficamos mais inteiros na tarefa que estamos realizando naquele momento.
Mas nem tudo foi um mar de águas mansas na vida de Ryozan. Além de monge, ele é presidente de uma empresa prestadora de serviços de mecânica pesada. Em 1998, chegou a ficar afastado do trabalho durante um mês por causa de um diagnóstico de estresse. Desde então, percebeu que seu padrão estava completamente errado e começou a procurar soluções no cristianismo e, em seguida, no budismo. Hoje, ele diz que não se sente mais atropelado pelo tempo, sabe estabelecer prioridades e discernir entre uma atividade necessária e outra escravizante.
A dica de Monika von Koss é que "em vez de nos preocuparmos com o tempo perdido, melhor é aproveitar cada momento da vida, enquanto ela durar".
(texto publicado na revista Bons Fluídos nº 126 - setembro 2009)
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