sábado, 28 de setembro de 2013

O poder da autoestima - Beatriz Acampora


O modo como o indivíduo se compreende determina pensamentos, emoções e influencia diretamente a relação com a saúde, o trabalho, o convívio pessoal e seu posicionamento na vida

As relações interpessoais são fundamentais para a vida humana. Cada ser vivo no planeta, principalmente mamífero, necessita da troca afetiva possibilitada pelas relações com os outros. O modo como convivemos com as pessoas revela como aprendemos a lidar com nossas emoções, frustrações e como nos relacionamos primariamente conosco.

A maneira como nos posicionamos diante de nós mesmos na vida direciona como vamos lidar com as outras pessoas. Dessa maneira, é muito possível que uma pessoa com boa relação intrapessoal terá boas relações intrapessoais. Por isso, hoje em dia, valoriza-se tanto a inteligência emocional. Ela está diretamente ligada ao modo como a pessoa se posiciona na vida.

Diante de uma dificuldade, em geral, o primeiro pensamento está associado à crença básica de um indivíduo, a seu autoconceito. Se uma pessoa acredita que é capaz de superar um desafio, então diz para si mesma: "Vou conseguir". Caso contrário, afirma: "Isso é muito difícil!" ou "Não vai dar certo" ou, ainda, "Impossível".

A autoestima determina e direciona pensamentos, emoções e comportamentos. Começa a ser desenvolvida no nascimento, por meio da relação com os pais e com o mundo à volta da criança. O nível de autoestima que uma pessoa manifesta influencia tudo em sua vida. Em função disso, a saúde, o trabalho, as relações pessoais e comerciais são diretamente afetadas pelo nível de autoestima de cada um.

Nas relações íntimas a  autoestima direciona o tipo de relacionamento a ser conservado. Há pessoas que buscam manter padrões de relacionamento que reforcem seu baixo nível de autoestima, com parceiros (as) que as desmerecem e as desvalorizam. A alusão mais correta nesse caso é a de um espelho: o que está dentro é refletido fora e o (a) parceiro (a) se relaciona com os recursos que lhe são oferecidos. Neste caso, de baixa autoestima, reforçando, assim, um padrão de autoconceito.

A autoestima é a fonte do nosso poder pessoal, da capacidade que todo ser humano tem de influenciar e ser influenciado nas relações sociais. Em todos os tipos de relações a autoestima é o pano de fundo, pois ela determinará o modo como o indivíduo irá lidar com seu corpo, se emocionar e agir. Em situações de trabalho, por exemplo, pessoas com elevada autoestima tendem a ser mais ágeis, a falar assertivamente o que querem, a lutar pelos seus objetivos de modo claro. Alguém com autoestima alta acredita em si mesmo, é o que quer ser, goza a vida e assume responsabilidades sem culpar os outros e sem se justificar pelas escolhas que faz.

Alguns autores se dedicaram a pesquisas importantes a respeito do tema. Shinobu Kitayama (2004) realizou estudos na Universidade de Dakota do Norte, nos Estados Unidos, envolvendo 257 estudantes. Constatou que os indivíduos mais pessimistas tinham uma percepção negativa a respeito de atividades do local onde viviam e apresentavam impressões ruins a respeito de si mesmos. Para Kitayama, há uma correlação direta entre a adequação do modo de agir aos valores sociais vigentes e a elevada autoestima.

Daniel Hart, psicólogo da Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos, afirmou, em 2006, que a alta e a baixa autoestima podem se alternar em diferentes áreas. Ou seja: uma pessoa pode ter elevada autoestima na vida profissional, e baixa autoestima na vida pessoal.

Os psicólogos da Universidade de Southampton, na Inglaterra, declararam que a autoestima tem características hereditárias. Pesquisas feitas com gêmeos adultos (univitelinos e bivitelinos) e com filhos adotivos revelaram que a genética tem um peso considerável n autoestima.

A construção do autoconceito

O ser humano, como ser de relações sociais, necessita do outro desde seu nascimento até a morte. O modo como o outro, o ambiente e as questões socioculturais influenciam o desenvolvimento do ser também influenciam a compreensão de si mesmo. Cada qual tem um modo único e especial de experimentar a vida, associando novas vivências com experiências passadas e aspectos cognitivo-afetivos.

Ao nascer, o bebê depende de cuidados maternais, sem os quais não sobreviveria. Aquele (a) que cuida torna-se uma espécie de espelho para a criança, que vai desenvolvendo seu processo de individuação por meio da interpretação do outro, compreendendo-se como um ser que faz parte do outro. Por intermédio dessa relação de cuidados, a criança vai construindo a si mesma, seu autoconceito, até apreender-se como um ser separado desse outro: único, com desejos e necessidades.

De acordo com Stratton (2002), podemos definir autoconceito como "a soma total dos modos como o indivíduo vê a si mesmo". A autoimagem seria, então, seu componente descritivo, e  autoestima, seu componente avaliativo.

O senso de valor próprio e competência, a avaliação pessoal que um indivíduo faz de si constituem a autoestima. Já a imagem interna ou a descrição interna que alguém tem de si mesmo é a autoimagem.

A baixa autoestima, além de ser um indicativo de distúrbios psicológicos e uma característica da depressão, pode levar o indivíduo a dificuldades de relacionamento intra e interpessoal.

A autoimagem é construída na interação indivíduo e meio ambiente. Portanto, o feedback positivo ou negativo dessas interações influencia a autoimagem. A autoestima possui um nível importante de contribuição na atitude das pessoas em relação à autoimagem, que engloba, entre outros, o conhecimento acerca dos papéis sociais desempenhados (Stratton 2002).

A imagem corporal é um aspecto importante da autoimagem e diz respeito à ideia que cada um tem de seu corpo, que vai desde a representação do corpo até a avaliação das características corporais. Então, um indivíduo que se avalia de maneira negativa (baixa autoestima), provavelmente terá dificuldades com sua imagem corporal e com sua autoimagem.

O conceito de identidade diz respeito ao "senso que o indivíduo tem sobre o tipo de pessoa que é" (Stratton 2002).  A identidade é construída ao longo de toda a infância, mas na adolescência começa a se tornar estável, o que significa manter-se constante, com uniformidade de atitudes, sentimentos e comportamentos, mesmo diante de situações diversas. Uma identidade segura é necessária para que o jovem adulto seja capaz de assumir responsabilidades, compromissos e relações íntimas.


Os impactos

O modo como as crianças desenvolvem a compreensão de si na infância, por meio da relação com os cuidadores, com a família, a escola e os colegas, determina e orienta o autoconceito. Crianças com baixa autoestima tendem a ser adolescentes autodestrutivos, podendo utilizar recursos como drogas,violência, sexo descuidado, para reafirmar a baixa autoestima ou, ainda, uma timidez excessiva, que promove um auto-direcionamento para a reclusão ou a associação com grupos que se colocam à margem da sociedade.

No curso do desenvolvimento humano, os adultos advindos de uma trajetória de baixa autoestima, dependendo do modo como utilizam seus recursos internos, podem, em diferentes níveis, tornar-se violentos, autodestrutivos, dependentes emocionalmente, isolados socialmente ou, ainda, ter dificuldades de aceitar o próprio sucesso, de planejar sua carreira, de reconhecer resultados positivos, além de extrema dificuldade em relacionamentos interpessoais.

Como compensação, o indivíduo com baixa autoestima pode também direcionar seus recursos à busca incessante do sucesso, não medindo esforços, nem se intimidando por barreiras para provar, para si mesmo e para os outros, que é capaz de realizações, embora ele mesmo tenha dificuldade de reconhecer isso.

Autoconfiança consiste na previsão realista dos recursos internos disponíveis necessários para encarar um tipo específico de situação. Só você se conhece tão bem a ponto de prever possíveis atitudes, comportamentos e sentimentos diante de uma dada situação e qual a melhor maneira de agir sem agredir a si mesmo e ao outro. Uma pessoa autoconfiante tem mais chances de promover relacionamentos saudáveis, uma vez que conhece quais são os seus limites, avalia suas prioridades, respeita a si mesma e às suas emoções. A autoconfiança também está associada ao desenvolvimento de alteridade, isto é, o desenvolvimento d noção de que, se sou um indivíduo, o outro também é, e ambos devemos ser respeitados nas mais diversas relações em nossos direitos humanos.

A autoestima é a base da autoconfiança. Uma pessoa que se compreende de maneira positiva tende a direcionar-se pela vida de modo decisivo e deliberado. A autoconfiança, atualmente, é considerada uma competência ou habilidade a ser avaliada nos processos seletivos realizados pelas organizações que estão à procura de pessoas capazes de gerir negócios, criar possibilidades e desafiar fronteiras. Pessoas autoconfiantes tendem a expressar confiança na própria capacidade de superar desafios e situações difíceis, investem mais no seu desenvolvimento pessoal e profissional e são mais resilientes.

A resiliência é a capacidade de lidar com a adversidade e conseguir se adaptar ou evoluir positivamente diante da situação adversa. Há muitos exemplos de pessoas que se superaram depois de uma grande perda, como os atletas paraolímpicos, os pintores que perderam os braços em acidentes ou doenças e que pintam com a boca e/ou os pés, aqueles que sofreram doenças, acidentes ou grandes perdas e passaram a ministrar palestras sobre o assunto. Indivíduos com alta autoestima tendem a ser mais resilientes e promovem mudanças, vencem dificuldades, têm firmeza de propósito, são proativos - características em alta no mercado de trabalho.


Autoestima e saúde

Autoestima e saúde estão diretamente relacionadas. Uma pessoa que gosta de si mesma cuida-se, envolve-se na própria história, compreende o que é importante e o que é irrelevante para sua vida. Cria condições favoráveis para o bem-estar e a qualidade de vida, investindo no que é importante para o próprio crescimento pessoal.

Um autoconceito positivo é essencial para uma vida plena e saudável. Uma vez que o indivíduo acredita em  seu potencial, confia em si mesmo, gosta da própria companhia, as possibilidades de conquistas, de sucesso pessoal e profissional, de bem-estar físico e psíquico estão disponíveis para ele. O contrário também é verdadeiro: mal-estar físico e psíquico se instalam naquele que se desmerece, que se diz coisas negativas e que não acredita ou não confia em si mesmo.

Temos a capacidade de construir uma vida saudável ou uma vida de doenças, dependendo do modo como nos relacionamos conosco e da maneira como buscamos manter as relações a nossa volta. Pessoas muito carentes, por exemplo, tendem a se envolver em relacionamentos com uma super expectativa de afetividade que só existe em sua mente. Quando essa expectativa é frustrada (e certamente será, porque o outro não poderá atender a uma demanda psíquica com recursos que não lhe pertencem), essas pessoas adoecem fisicamente, psiquicamente ou psicossomaticamente.

É importante ressaltar que as demandas emocionais de um indivíduo somente podem ser satisfeitas, como necessidades, com recursos internos do próprio indivíduo e não com recursos alheios. Muito embora isso possa se dar nas relações de troca, será sempre pessoal e intransferível, tanto na busca quanto no resultado. A maior comprovação desse fato são os gêmeos univitelinos: com a mesma base genética, cada gêmeo pode ter necessidades afetivas diferentes, conforme suas demandas emocionais. O autoconceito de gêmeos pode ser diferenciado, dependendo do modo como cada um interpreta sua relação com o cuidador, consigo e com o mundo que o cerca.

O modo como cada pessoa se conhece, lida com suas emoções diante da realidade e enfrenta as situações está diretamente ligado a seu nível de autoestima. A saúde, portanto, depende de quanto uma pessoa consegue dispor de seus recursos internos para se valorizar, compreender-se e se aceitar.

Indivíduos com baixa autoestima tendem a adoecer mais pelo nível de exigência que se impõem para agradar aos outros, pelo alto desgaste emocional para lidar com as dificuldades, pela instabilidade e fragilidade emocional de se ver por meio dos "olhos" dos outros, o que promove frustrações diante de desaprovações.

Algumas doenças psicossomáticas podem estar associadas a personalidades que estabelecem para si um nível de cobrança: agradar aos outros, nunca dizer "não", assumir culpas por acontecimentos. Esses tipos de doenças exercem ação direta na saúde do corpo e são ocasionadas por componentes psíquicos, ou seja, problemas de ordem emocional. Alguns exemplos associados: dores de barriga, bruxismo (ranger os dentes), gastrite, bronquite, hipertensão arterial, dermatites, dores de cabeça, disfunções endocrinológicas, dentre outras.

O tratamento está sempre associado a cuidados médicos e psicoterapia, pois é necessário que se trate a doença já manifesta no corpo físico, e que se cuide do modelo disfuncional da estrutura de pensamentos e emoções que propiciam, ao indivíduo, agir para provocar em si mesmo constantes desequilíbrios.

A psicoterapia aborda quatro pilares básicos: autoaceitação (aceitar-se como pessoa), autoconfiança (atitude positiva em relação a capacidades e desempenho), competências sociais (a arte de fazer e manter contatos sociais) e rede social (rede de relacionamentos positivos - colegas, amigos, familiares - por meio de participação em grupos de interesse pessoal).

A frustração faz parte da vida e a superproteção a que muitos pais submetem os filhos traz um impacto negativo no desenvolvimento das habilidades sociais. Crianças superprotegidas tendem a ter a autonomia e o desempenho prejudicados, pois não conseguem desenvolver o senso de confiança. São adultos que provavelmente terão dificuldade de se estabelecer no mundo, com características fortes de dependência, sentimento de incompetência, vulnerabilidade e fracasso. Famílias super protetoras, na tentativa de proteger a criança dos perigos do mundo, não reforçam sua autonomia.

Atualmente, muitas famílias acabam sendo permissivas no modelo educacional que seguem. As crianças que crescem em um ambiente permissivo tendem a ter dificuldades em seguir regras e normas, em respeitar os direitos dos outros e cumprir metas  pessoais. Pais que têm dificuldade na aplicação de limites realistas promovem na criança um sentimento de merecimento, de grandiosidade, falta de autocontrole e de autodisciplina. Nesse caso, o futuro adulto terá como forte característica o egoísmo, que geralmente mascara um autoconceito fragilizado e uma imagem deturpada de si mesmo, característicos da baixa autoestima.

As crianças querem ser aceitas pelos pais. Quando estes estabelecem uma relação de amor condicional, isto é, a criança apenas recebe afeto e atenção mediante determinado comportamento, promovem nela a necessidade de ganhar aprovação. Se os pais ressaltam que gostam do filho apenas quando se comporta desta ou daquela maneira, ele tende a suprimir o comportamento indesejado e passa a querer agradar aos pais.

Dependendo do nível de exigência em que isso acontece, a criança tende a generalizar e pode se tornar um adulto que acredita que deve atender às necessidades dos outros, suprimindo as suas, buscando sempre aprovação, reconhecimento e se relacionando de maneira subjugada.

Vimos que a autoestima tem um componente genético, que ela se constrói na relação com os outros e com o mundo que nos cerca. Mas é importante ressaltar que nós também temos uma grande participação na sua constituição, pois cada um, baseado no modo como interpreta os eventos, como se fortalece diante deles e de acordo com as estratégias que cria com eles, tem armas diferentes para enfrentar os desafios do dia a dia. O nível de autoestima de uma pessoa não é uma predeterminação, mas um indício de que, com os recursos adequados, pode haver transformação.


(texto publicado na revista Psique nº 80 ano VI)









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