domingo, 17 de julho de 2016

Memórias de uma morte anunciada - Carolina Melo


Ao saber que sofria de um câncer de pulmão em fase avançada, o médico americano Paul Kalanithi decidiu escrever sobre a dramática experiência. O testemunho se transformou no pungente livro O Último Sopro de Vida, que chega nesta semana ao Brasil

Aos 36 anos, o neurocirurgião Paul Kalanithi descobriu que sofria de um tumor pulmonar incurável. A partir de então, passou a escrever sobre a experiência de conviver com a doença - não como médico, mas como paciente. Paul morreu em 2015, 22 meses após o diagnóstico. No último dia de vida, expressou a vontade de ter seus manuscritos publicados. O desejo, cumprido por sua mulher, a médica clínica Lucy Kalanithi, resultou no livro O Último Sopro de Vida. A obra, que chega às livrarias brasileiras nesta semana, tornou-se um best-seller nos Estados Unidos - há quatro meses tem estado entre os cinco títulos no topo da lista de mais vendidos do jornal The New York Times. Lucy falou a VEJA por telefone, de sua casa, em São Francisco.

Os primeiros sinais da doença

"Seis meses antes de saber da doença, Paul começou a sentir dores nas costas. Ao longo desse período, perdeu 15 quilos, sem fazer nenhuma dieta. Somos médicos. No fundo, sabíamos que isso poderia sinalizar um grande problema. Mas preferimos atribuir os sintomas ao excesso de trabalho. Na época, ele era residente em neurocirurgia e passava horas e horas no hospital. Dava plantões longuíssimos. Um dia, porém, enquanto tomávamos sol em um parque da cidade, percebi que Paul pesquisava no celular sobre a prevalência de câncer em pessoas de sua faixa etária."

O diagnóstico

"Paul decidiu fazer uma radiografia do tórax e, em seguida, viajar para a casa de um amigo em Nova York para espairecer um pouco. A volta, porém, foi antecipada. A médica lhe telefonou e disse que só revelaria o diagnóstico pessoalmente. Ali, a gravidade do problema foi decretada para nós. No dia seguinte ao da notícia de que sofria de um câncer pulmonar com metástase em vários órgãos, Paul foi internado no mesmo hospital em que trabalhava. Havia irrisórios 2% de chance de sobrevivência. Queríamos muito fazer parte dessa estatística, claro. Mas sempre soubemos mais ou menos quanto tempo lhe restaria. Seriam alguns anos... Ou só alguns meses."

A batalha para engravidar

"A plena consciência dos mecanismos da doença foi fundamental para programarmos a vida dali para a frente. Nossa filha foi a parte mais bela desses planos. Ao sabermos do diagnóstico, antes do início do tratamento, conversamos sobre a possibilidade de congelamento de esperma, já que os medicamentos contra o câncer muito possivelmente afetariam a fertilidade de Paul. Eu tinha dúvida se um filho não tornaria tudo mais doloroso para ele. Paul confirmou: tudo ficaria ainda mais difícil. Mas complementou dizendo que a vida não era feita para evitar sofrimentos. Ele queria muito ter um filho. Nossa decisão configurou-se como mais uma grande batalha em meio ao drama todo. Eu estava muito ansiosa para engravidar o mais rápido possível, pois sabia que a cada resultado negativo seria um mês a menos de Paul com o bebê. O dia em que descobrimos que teríamos uma menina foi o mais feliz de nossa vida. No dai do parto, oito meses antes de sua morte, Paul já estava muito fraco. Teve de ser levado para a maternidade em uma cadeira de rodas, com a ajuda do pai. O hospital disponibilizou uma cama junto à minha no quarto, para que ele conseguisse acompanhar o nascimento da filha. Momentos antes de Cady nascer, Paul segurou minha mão."

A paternidade

"Paul passava a maior parte do tempo olhando Cady. Praticamente não tinha forças para fazer nada mais com ela, nem trocar uma simples fralda, dar a mamadeira... Ainda assim ele foi um pai espetacular, dava-lhe toda a atenção e amor que lhe restavam. Muitas vezes ela dormia enroscada em seus braços."

O fim

"Ele sempre reagiu com muita tristeza à sua situação, mas manteve a calma até o fim. Em sua última internação, já muito debilitado fisicamente, sem forças nem para segurar um copo, com enjoos incessantes e sem apetite para nada, Paul não quis ser entubado. Ele optou pelo que chamamos na medicina de "cuidados de conforto". Ou seja, não quis ser submetido a cuidados invasivos, mesmo sabendo que tal decisão poderia antecipar um pouco o dia de seu fim. Paul morreu com a família ao lado. Nesse dia, Cady ficou em seu colo durante seis horas seguidas. Quando o quadro piorou, ele disse que estava pronto e então o suporte respiratório foi retirado. Paul recebeu morfina para amenizar a dor. Agradeceu aos pais, disse que me amava e pediu que seus escritos sobre a experiência com a doença e a paternidade fossem publicados. E, então, seguiram-se infindáveis nove horas até o último suspiro".


(texto publicado na revista Veja edição 2478 - ano 49 - nº 20 - 18 de maio de 2016)







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