quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Abelhas: preservação para garantia de alimento - Ana Maria de Andrade Mitidiero


O Brasil registrou produção de mais de 35 mil toneladas de mel no último ano e há uma profissionalização do setor, porém o papel das abelhas no ecossistema vai muito além. Elas são responsáveis pela polinização e consequente produção de alimentos

As abelhas estão morrendo e sumindo em todo o mundo e alguns questionamentos precisam ser feitos: elas estão sendo acometidas por doenças? Os envenenamentos estão causando uma queda na imunidade e, por isso, elas ficam suscetíveis?

As pesquisas têm demonstrado que o uso de agrotóxicos e, principalmente, de neonicotinoides produz nas abelhas um quadro que poderíamos comparar com o do Alzheimer. Elas ficam desmemoriadas, perdem o rumo e não sabem voltar para casa. Também os transgênicos têm sido uma preocupação, pois mostram problemas para as abelhas que visitam essas flores mesmo assim, vêm sendo aprovados para plantio.

Cabe aos médicos veterinários e zootecnistas da sua contribuição para que as abelhas possam viver com saúde e, com isso, externar seu potencial tanto na produção de mel, pólen, própolis, geleia real, cerca e apitoxina quanto na polinização, que proporciona a abundância de alimentos.

A maior parte da vegetação existente no planeta depende das abelhas total ou parcialmente para se reproduzir, para aumentar sua produção e até para dar melhor forma aos frutos. Entre as espécies mais importantes, destacamos a Apis para exploração comercial (apiários) e as nativas, também conhecidas como sem ferrão, cuja exploração vem aumentando, sendo muito importantes para a manutenção da biodiversidade.

Para os profissionais que se preocupam somente com a produção de bovinos, aves, suínos e equinos, faz-se o alerta de que os grãos e pastagens também são visitados pelas abelhas e muito beneficiados pela sua presença, aumentando significativamente a produção desses alimentos. Nesse sentido, Milfont (2012) demonstra que, com a introdução da Apis mellifera na lavoura de soja, houve um acréscimo de 36% na produção.

Colmeia deve ser vista como um organismo

A organização das abelhas é denominada colônia quando o enxame está completo, com rainha, zangões (machos) e operárias, já a  colmeia refere-se à habitação em uma caixa de produção, sendo a ordem social estabelecida pelo fenômeno da rainha. Quando olhamos para uma colmeia, temos que considerar um único organismo, um animal, sendo cada abelha uma célula daquele organismo, compreendendo isso, fica mais fácil estudá-la.

Como no organismo de um mamífero, que tem células com diferentes funções, na colmeia, abelhas de diferentes idades (castas) desempenham funções específicas: fazem limpeza, produzem cera, alimentam as crias, buscam o néctar, o pólen e a água ou são nutrizes, acompanhando e produzindo geleia real para alimentar a rainha, que é a única que nasce e morre com a mesma função. A vida das operárias tem um ciclo de até 40 dias, já a rainha pode passar de dois anos.

Conhecer o comportamento desse animal e cada fase (idade), desde o ovo, é importante para o profissional saber se há a instalação de uma doença, qual é essa enfermidade e se é uma infestação ou infecção. A doença decorre de um desequilíbrio na tríade epidemiológica: hospedeiro, ambiente e agente, e pode provocar manifestações clínicas que resultam em reflexos na produção, como também se apresentar de forma subclínica, podendo causar a disseminação entre colmeias.

Movimentação de colmeias e seus impactos

Para ter o controle sanitário da movimentação das colmeias entre apiários e/ou meliponários, é necessária a Guia de Trânsito Animal (GTA). Sua emissão é possível a partir do cadastro, no qual consta, principalmente, onde está localizada a exploração; essas informações ficam armazenadas e, no caso de uma enfermidade, pode-se rastrear sua origem e aplicar as medidas necessárias para controle e/ou erradicação da doença.

Existe um tipo de exploração na criação de abelhas - migratória - em que as colmeias são alugadas para os produtores, principalmente de frutas, para fazer a polinização. Elas  ficam no local por um período e depois retornam para o apiário; por isso, é fundamental interagir com a área vegetal, saber o que e como utilizam a lavoura e compreender a importância da GTA, para verificar se a colmeia foi ou voltou doente da produção.

Os cuidados com o transporte são importantes, por isso a necessidade de conhecer o comportamento das abelhas. O melhor horário para o transporte é a partir do pôr do sol, pois elas têm hábitos diurnos. Para proteger quem manipula as colmeias, deve-se fechar a abertura na caixa (alvado) com uma espuma.

No Brasil, várias raças da mesma espécie de abelha europeia foram trazidas a partir do ano de 1839 e, principalmente, em 1956 para aumentar a produtividade de mel. Da África, foi trazida a Apis mellifera scutellata, mais adaptada ao clima e com genética marcante para higiene, a qual contribuiu muito para a formação da abelha que temos em todo o território brasileiro, que, desde 1974, é oficialmente reconhecida como "abelha africanizada".

Diferencial da produção brasileira está na genética e no manejo sanitário

Os pesquisadores brasileiros produziram muita informação sobre o comportamento e a genética das abelhas africanizadas, apesar de poucos recursos. É extremamente importante que as ações de manejo sanitário e controle das doenças sejam realizadas segundo as pesquisas locais, uma vez que elas apontam, muitas vezes, a presença de infestações/infecções, que podem não causar prejuízo produtivo/reprodutivo.

É necessário empenho dos órgãos oficiais para estruturar suas equipes de sanidade das abelhas nos estados, com o intuito de mapear a real situação sanitária do país, para que, com o apoio das instituições de pesquisas, se tenham subsídios para encaminhar uma proposta à Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), com normas adequadas às abelhas africanizadas, uma vez que as vigentes são baseadas em estudos de comportamento e infestação/infecção com as raças europeias.

O mel do Brasil é muito procurado e valorizado, porque, além das suas características organolépticas, é isento de medicamentos, pela proibição de uso, o que o torna muito disputado no mercado. De fato, pesquisas têm mostrado que não necessitamos de medicamentos, pelo comportamento e resistência das nossas abelhas. Ademais, a profissionalização da produção, pelo melhoramento genético na produção de rainhas e pela utilização de técnicas disponíveis, começando por um bom manejo sanitário, dispensa o uso desse recurso.

O país é um grande produtor de mel orgânico e, com mais profissionais com conhecimento e dedicação na área, poderá elevar sua produção, não só de mel, mas de todos os produtos das abelhas.



(texto publicado na revista CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária) - ano XXI - outubro a dezembro de 2015)

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