Um dos destinos vinícolas mais excitantes e inexplorados do mundo, a Córsega concentra vilarejos medievais, natureza de tirar o fôlego e vinhos cheios de personalidade
Entre as altas montanhas e o azul intenso do Mar Mediterrâneo, os vinhedos se esparramam a perder de vista, tomando a maior parte das sinuosas colinas cobertas de verde. Apesar do dia de sol e céu claro, o vento sopra forte, zunindo agudo e farfalhando as folhagens. Dois cães seguem logo á minha frente, como se estivessem conduzindo a visita à vinícola, percorrendo em zigue-zague o caminho entre as parreiras. Enquanto caminhamos pelos vinhedos, a norte-americana Sarah Imbert, nossa anfitriã na Domaine de Torraccia, faz uma analogia interessante com a história de seu octogenário sogro e proprietário do lugar, Christian Imbert: "Quase um roteiro hollywoodiano".
Considerado um dos pais da viticultura contemporânea na Córsega, Monsieur Imbert teve uma vida nômade no Chade, África Central, exportando produtos agrícolas. Casou-se com uma dançarina da Broadway, mudou-se para Paris e um belo dia resolveu navegar até as ilhas gregoas, quando lhe ocorreu desviar até a Córsega. Caiu de amores, comprou ali um pedaço de terra e, em pouco tempo, já sabia o que queria fazer: produzir vinho naquele lugar. Assim, há quase 50 anos, ele fundava, no sul da ilha, a Domaine de Torraccia. Os primeiros vinhedos eram de Garnacha e Syrah, mas ele logo percebeu que, se quisesse mesmo fazer vinhos de qualidade, teria que abrir mão de utilizar cepas importadas para se dedicar às variedades nativas. Hoje, mesclando Niellucciu, Sciaccarellu e Vermentino, por exemplo, ele produz alguns dos mais respeitados vinhos corsos, com destaque para a linha Oriu. Icônica a vinícola está sempre aberta para passeios a pé, por buggy ou a cavalo (domaine-de-torraccia.com).
Personalidade própria
Terra nativa de grandes nomes, como Napoleão Bonaparte (1769-1821) e Cristóvão Colombo (1451-1506), a Córsega pertenceu à Itália até 1768, quando foi invadida pela França. Ao longo de sua história, muitos povos cravaram passagem na ilha: mouros, pisanos, espanhóis, genoveses, entre outros, o que confere ao lugar um perfil muito diferente de qualquer outro território francês. Moldada por esse legado, a cultura da ilha influencia o modus operandi dos vinicultores locais e desenha a personalidade de seus vinhos. Hoje, são ao todo, nove Denominações de Origem Controlada e 40 variedades autóctones - várias outras em vias de serem descobertas. O cultivo é favorecido pela diversidade de tipos de solo associada aos climas marítimo e continental, fortemente influenciados pelas montanhas e ventos constantes.
Em meio aos produtores contemporâneos, Antoine Arena é outro grande nome, ao lado de Christian Imbert. Filho e neto de winemakers, ele transformou, com ajuda da biodinâmica, os antigos 3 hectares da família em uma das principais vinícolas corsas, a Domaine Antoine Arena (antoine-arena.fr), hoje distribuída em 14 hectares em Patrimônio, no norte da ilha. Arena também liderou o trabalho que culminaria no ressurgimento de uma antiga variedade local, a Bianco Gentile, que se destaca em seu deliciosamente informal vin-de-pays (vinho regional, não produzido de acordo com regulamentações da Denominação de Origem). Ali a colheita ainda é feita de modo inteiramente manual. Desde que seus filhos, Antoine-Marie e Jean-Baptiste, assumiram a produção, os vinhos ganharam mais elegância, apesar de concentrados, a exemplo dos melhores rótulos corsos.
Mais ao sul da ilha, a bela Clos d'Alzeto (closdalzeto.com) tem os mais altos vinhedos da Córsega, chegando a quase 600 metros médios. A paisagem impressiona já desde a estrada, com belas vinhas escalando picos rochosos, preservadas ali desde o início do século 19 pela família Albertini, que há gerações comanda a vinícola. A produção atual inclui rótulos diversos, entre eles um rosé excelente, com boa relação custo-benefício.
Já os vinhos da Clos Canarelli (vinho.me/ClosCanarelli) ganharam cara nova desde que Yves Canarelli assumiu os vinhedos da família, na década de 1990. O intrépido produtor substituiu, sem dó, as variedades internacionais cultivadas por anos 1960 e 1970 por castas endêmicas da Córsega, utilizando o plantio biodinâmico. Seus Cuvée Amphora 100% Niellucciu e o Bianco Gentile 2014, cheios de frescor cítrico, são louváveis, resultado da união magistral de métodos tradicionais e ousadas novas tecnologias.
(texto publicado na revista wine.com.br nº 76 - abril de 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário