domingo, 10 de setembro de 2017

Diário de vida: A arte de ouvir - Reinaldo Passadori


Hoje o  padre Adão disse na missa que nascemos com dois ouvidos e uma boca por uma razão: termos a disponibilidade para ouvir mais e falar menos. Ele falou também sobre o excesso de informações e a necessidade (eu diria vício) de fazer mil coisas ao mesmo tempo. As pessoas perderam o foco e a dispersão tem tomado conta do mundo. A maioria das pessoas quer ver, falar e estão perdendo a capacidade de ouvir, de sentir o outro. 

Vou transcrever um texto que vem bem a calhar.

Perceber, reconhecer, entender, compreender, valorizar, dar atenção, respeitar... São vários nomes diferentes para um processo tão simples, mas ao mesmo tempo tão difícil de ser praticado: ouvir, de fato, o outro.

Ouvir não significa simplesmente escutar os sons da voz ou acompanhar o raciocínio do interlocutor. Significa, antes de tudo, ter paciência e tolerância para aceitar a outra pessoa como ela é, com suas qualidades e seus defeitos, crenças e emoções, com sua aparência, quer nos seja agradável ou desagradável, sem pré-julgamentos. Concordo com quem disse que esse não é um processo fácil, embora pareça tão elementar.

Vamos analisar um pouco as causas dessas dificuldades. É muito comum compararmos o mundo ao nosso próprio referencial de vida, de como percebemos o mundo, que passa a ser o "nosso mundo". Incluem-se aí os nossos valores, conceitos e preconceitos.

Além disso, as pessoas aproximam-se pelas semelhanças e não pelas diferenças, desmistificando a crença popular de que os opostos se atraem. Se observarmos bem, antes da diferença há muita convergência, situações comuns, similaridades que atuam como facilitadoras de um processo de entendimento e consideração e a partir daí eventuais diferenças de caráter, atitudes ou comportamentos passam a configurar uma relação afetiva.

Se observarmos bem, quando admiramos uma pessoa dizemos: "Que pessoa extraordinária! Que pessoa agradável! Que pessoa simpática!" Enquanto isso, lá no fundo, um outro comentário quase imperceptível complementa... tão parecida comigo!" Também fica fácil entender tal atitude por outra simples razão: só percebemos qualidades e defeitos nos outros quando nos chamam a atenção porque em potencial essas características existem em nós mesmos.

Se precisamos falar com o outro de verdade, primeiro é necessário querer e esse querer precisa ser um desejo, uma vontade inquebrantável que não nos fará desistir diante da primeira adversidade. Depois, devemos ter e exercitar a flexibilidade, colocando-nos no lugar do outro, empaticamente.

Aliás, empatia é isso mesmo: ajustar-se ao estilo, momento psicológico, crenças e valores do mesmo interlocutor e nessa projeção conseguir melhor entendimento. Algumas sugestões importantes para quem, de fato, deseja ouvir de verdade outra pessoa e, a partir daí, abrir uma porta de entrada para o relacionamento: amizade, vendas, negociações, lideranças, amor, etc...

Olhe nos olhos da outra pessoa e perceba-a nos seus detalhes, esteja com a atenção focada e envolvida com ela.

Procure manter a calma, evite deixar-se dominar por algum preconceito ou algo de outra pessoa que desagrada.

Tenha paciência, saiba aceitar o silêncio da outra pessoa.

Evite contradizer o outro, evitando as palavras "mas", "todavia", "entretanto", "contudo". Procure, antes de qualquer discordância, algum ponto com o qual vocês concordem.

Valorize e respeite as opiniões de seu interlocutor.

Demonstre respeito pelo outro como o outro é, e não como gostaria que fosse.

Crie condições favoráveis para o outro expressar livremente suas ideias e opiniões, saiba ter tato para lidar com a discordância.

Concentre as diferenças no campo das ideias e não permita que sejam levadas para o lado pessoal.

Certifique-se de que você compreendeu de fato o que o outro queria transmitir; repita, questione, pergunte, evite ao máximo interpretações infundadas.

Por último, faça bom uso do grande amor que você tem em seu coração para aceitar incondicionalmente as outras pessoas como são: cheias de defeitos, limites, preconceitos e, também, repleta de virtudes, sonhos, conhecimentos, de sentimento. Assim como você. 

Ouvir e escutar são duas ações diferentes. Ao longo do dia ouvimos muitas coisas, mas escutamos muito pouco. Quando ouvimos, não prestamos atenção profundamente, simplesmente captamos a sucessão de sons que são produzidos ao nosso redor. Enquanto que, quando escutamos, nossa atenção está dirigida a algum som ou mensagem específica, ou seja, existe uma intenção; nesse momento, todos os nossos sentidos se encontram focados no que estamos recebendo. Assim, as pessoas que sabem escutar os demais os acompanham em sua viagem pela vida.

Aprendendo a escutar

Um provérbio oriental diz: "Ninguém coloca mais em evidência sua má criação, do que aquele que começa a falar antes que seu interlocutor tenha terminado".

O que acontece é que, às vezes, quando estamos falando com outra pessoa, ambos temos a dificuldade de escutar, passando, em muitas ocasiões, a apenas ouvir enquanto elaboramos o que vamos dizer assim que o outro terminar, ao invés de prestar atenção ao que estão nos dizendo. Dessa forma, o diálogo fica bloqueado por pausas verbais, já que, se todos querem falar ao mesmo tempo e as razões de ambos não são escutadas, não há diálogo; há apenas monólogos se sobrepondo.

Saber escutar é uma atitude difícil, já que exige o domínio de si mesmo e implica atenção, compreensão e esforço para captar a mensagem do outro. Significa dirigir nossa atenção ao outro, entrando em seu âmbito de interesse e seu ponto de referência.

O diálogo exige uma atitude silenciosa, na qual se escuta atentamente. O escritor e orador J. Krishnamurti afirmava que "Escutar é um ato de silêncio". Enquanto não calarmos nosso diálogo interno e prestarmos atenção ao nosso interlocutor, não aprenderemos a escutar. Somente a atitude de escutar atentamente faz com que a resposta que daremos ao nosso interlocutor crie força. Se não abrirmos nossos ouvidos para escutar completamente, será difícil poder dizer ao outro algo que seja válido.

Se realmente escutarmos, a pessoa que fala sentirá que estão dando a ela a importância que ela merece, ficando agradecida e criando em si, dessa maneira, um clima de respeito, estima e confiança.

"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: 'Se eu fosse você... ' A gente ama não é a pessoa que fala bonito. E a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. Todos reunidos alegremente no restaurante: pai, mãe, filhos, falatório alegre. Na cabeceira, a avó, com sua cabeça branca. Silenciosa. Como se não existisse. Não é por não ter o que dizer que não falava. Não falava por não ter quem quisesse ouvir. O silêncio dos velhos. No tempo de Freud as pessoas procuravam os terapeutas para se curarem da dor das repressões sexuais. Aprendi que hoje as pessoas procuram os terapeutas por causa da dor de não haver quem as escute. Não pedem para ser curadas de alguma doença. Pedem para ser escutadas. Querem a cura para a dor da solidão." (...)

(Rubem Alves, em "Se eu fosse você" (do livro "O Amor Que Ascende a Lua")


(texto publicado na revista Leve & Leia nº 147 - ano 11 - edição agosto/setembro de 2017)

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