quarta-feira, 16 de maio de 2012

E se a gente não precisasse dormir? - Fernando Brito

Viveríamos uma insônia permanente - mas sem olheiras, mau humor e dor de cabeça. Hoje uma noite em claro é suficiente para causar um estrago no corpo. Dependemos do sono para guardar energia, curar o cansaço, manter a capacidade de atenção e compreensão. Mas não é assim com todas as espécies. Embora não se conheça uma que fique 100% acordada o tempo todo, algumas nunca apagam completamente. Lagartos não têm sono profundo, só dão uma relaxada. Golfinhos mantêm um hemisfério do cérebro ligado para perceber a presença de predadores e subir à superfície para respirar. Outros mamíferos de grande porte dormem sempre com um olho aberto. Se tivéssemos evoluído para não depender do sono, não gastaríamo um terço da vida reabastecendo o corpo. Isso significa aproximadamente 214 mil horass a mais para gastar por aí, considerando a expectativa de vida do brasileiro.

Só que o mundo sofreria alguns ajustes. Precisaríamos de mais luz para aproveitar as noites. No Brasil, o aumento do consumo de energia nas casas poderia chegar a 22% - ou 75 mil megawatts -, se considerarmos que as madrugadas seriam como nossas noites de domingo. Precisaríamos de mais quase 7 usinas de Itaipu pra dar conta do recado. Ah, uma notícia ruim: trabalharíamos mais. Ou você pensou que as noites seriam só de curtição? Mas não faltariam compensações: poderíamos comer mais sem culpa e viajar por aí com menos dinheiro e burocracia.

Jornada de 12 horas - Metade do tempo em que estamos acordados é dedicada à labuta, e isso também aconteceria se não dormíssemos. Você trabalharia 50% mais. Já tivemos jornadas de 12 horas no passado, como durante a Revolução Industrial. Naquela época, o trabalho longo aumentou a produtividade e acelerou o desenvolvimento. eria o mesmo se não dormíssemos.

Check-in no boteco - Viajar ficaria muito mais fácil. Não precisaríamos reservar quartos, bastaria achar um estabelecimento para deixar as malas e tomar um banho. Qualquer lugar poderia ter um espaço assim: cafés, botecos, museus. Os mais espertos contariam até com mimos como uma piscininha para os clientes.

Amor público - Ninguém mais teria quarto para dormir, muito menos cama. Isso não significa apenas que as casas seriam menores. O conceito de privacidade como conhecemos hoje acabaria. Sem a alcova, nudez e sexo não seriam tabu, o que já acontece entre índios e esquimós. Nosso modo de vida seria mais aberto e amigável.

Vivos de sono - O acidente da usina nuclear de Chernobyl e o vazamento de óleo da Exxon Valdez poderiam nunca ter ocorrido: ambos aconteceram no turno da noite, e alguns estudos ligam as catástrofes ao cansaço de funcionários. E o número de mortos nas estradas cairia. No Brasil há 3 mil acidentes por ano por causa de motoristas que dormem ao volante.

A conta e um chazinho - Ninguém precisaria espantar o sono no expediente ou numa madrugada de trabalho. O consumo de café cairia pelo menos 10% (equivalente ao número de pessoas que hoje bebem café pra ficar acordadas, segundo pesquisa feita nos EUA). O chá seria popular, para ajudar a relaxar.

Come e (não) dorme - Enquanto dormimos, o corpo funciona em um "modo econômico": exige 50% menos calorias. Sem o sono, gastaríamos mais energia - e precisaríamos de mais comida para repor o estoque. Seriam cerca de 530 calorias a mais por dia (um pouco mais do que um Big Mac) para um adulto de 70 quilos.


(texto publicado na revista Super Interessante)

Nenhum comentário:

Postar um comentário