segunda-feira, 14 de maio de 2012

Moda essencial - Giuliana Capello

Vitrines sedutoras e liquidações "imperdíveis" tornam o ato de se vestir um desafio que abarrota armários e (quase sempre) deixa no ar a sensação de que nunca se tem o bastante. Mas, acredite, dá para ser diferente.

"Eu não tenho nada para vestir". Boa parte das mulheres repete essa frase, diante do armário, como um mantra. Detalhe: em geral, o lugar está abarrotado de blusas, vestidos, camisas, saias e calças - várias delas da cor preta. Mas, afinal, é possível ter um guarda-roupa compacto, com peças versáteis, de qualidade, que durem por muito tempo e consigam - essa é a parte mais difícil - nos deixar felizes e satisfeitos? A resposta, prepare-se, é sim. Isso não significa, é claro, que seja algo que conquistamos num estalar de dedos. Mudar nossos hábitos e, principalmente, a maneira como enxergamos o undo e a nós mesmos não é tão simples. Um bom começo é pensar nas vantagens desse guarda-roupa, digamos, mais inteligente: mais economia e praticidade no dia a dia, menos impacto ao meio ambiente e, por que não, até um estilo próprio - e interessante - de se vestir.

Primeiramente, duas perguntas: por que compramos tantas roupas? De onde vem o impulso de querer renovar e aumentar o armário com frequência? Historicamente, dizem os antropólogos, a escolha de vestimenta sempre esteve além da necessidade humana de proteger o corpo das intempéries. "As populações indígenas que viviam nos  trópicos e usavam poucas roupas costumavam se adornar. Embora não houvesse um sistema de moda, ou seja, uma expectativa de mudanças de estilo, já havia uma pulsão tradicional por vestir signos relacionaados a ritos de passagem ou à função social nas tribos", explica Denise Pollini, professora e pesquisadora de história da moda da Escola São Paulo e da Panamericana - Escola de Arte e Design.

Mas se, por um lado, a tradição cultural de enfeitar o corpo é tão antiga quanto a história da humanidade, o conceito de moda como hoje a conhecemos somente surge, de acordo com a pesquisadora, na época do Renascimento, com  a ascensão da burguesia e seu desejo de conquistar não apenas poder econômico - fruto do crescimento do comércio -, mas também mais espaço político. "Os burgueses começaram a tentar se vestir como a realeza. Esta, por sua vez, passou a criar leis que proibiam o uso de determinados modelos, cores e até tecidos fora do círculo da nobreza", conta. Esse movimento de imitar os nobres e reagir às ousadas burguesas tornou a vestimenta cada vez mais flexível, volátil, efêmera. Embora bastante desrespeitadas, as chamadas leis suntuárias foram abolidas apenas no fim do século 18, após a Revolução Francesa, quando o uso das roupas tornou-se, finalmente, mais livre.

Saiba quem você é

Nunca o ato de se vestir foi tão livre como nos dias de hoje, em que a única restrição à escolha de nossas roupas parece morar nas carteiras - tudo bem, alguns ambientes de trabalho ainda impõem certas regras, é verdade. O desejo de vestir algo que expresse exatamente nosso estado de espírito momentâneo traz consigo duas consequências:a a necessidade - artificializada - de adquirir os últimos lançamentos a todo custo e uma frequente insatisfação diante de nosso guarda-roupa.

Como aprender a lidar com tudo isso? Para Denise Pollini, a base é conhecer a si mesmo, algo que não está ligado à moda. O filósofo grego Epiteto dizia: "primeiro saiba quem vocè é, depois enfeite-se de acordo". Quanto mais nos conhecemos, menos desperdiçamos com peças equivocadas, ressalta Lia Spínola, estilista e presidente da Ecotece.

A brasileira May East, que mora há 19 anos numa ecovila na Escócia, conta que sempre foi criteriosa na escolha de suas roupas. Ela adora vestidos e acredita que eles são a melhor escolha para o seu tipo físico. Partindo desse princípio, investiu nesse tipo de peça, que combina com casacos de diferentes tecidos e acessórios como colares e lenços. May é diretora do programa do Gaia Education, um grupo de educadores e designers para sustentabilidade que atua em 17 países, e, assim, ter um guarda-roupa tão enxuto trouxe praticidade para sua rotina. Por causa do trabalho, ela viaja constantemente. "Meu armário inteiro cabe numa mala", afirma, divertindo-se.

O pouco pode ser muito

Fazer escolhas a partir de cores é outra estratégia para enxugar as gavetas, facilitar as combinações e resistir àquele roxo-berinjela que está em todas as vitrines, mas não combina com você. O estilista Walter Rodrigues, tímido de carteirinha, afirma que seu guarda-roupa é dominado pela cor preta, com algum espaço para branco, azul-marinho e cinza. "O preto tem o poder de me fazer desaparecer, e isso é muito importante para mim". Além disso, ele conta que quando gosta de uma peça costuma comprar mais de uma, de cores distintas. "Para que mudar ou ficar provando roupas, coisa que eu odeio fazer, se já está tudo confortável, bem resolvido?", questiona.

Listar quais seriam as peças indispensáveis, que devem estar no guarda-roupa de todos nós, é  tarefa complexa, para dizer o mínimo. Tatiana Putti, coordenadora da área de Moda do Senac-SP destaca alguns itens: a imprescindível camisa branca coringa-de-todas-as-horas, a versátil calça jeans, de corte reto e lavagem neutra, e uma calça social ou vestido bem cortados para os eventos mais formais.

Para ter menos itens no armário é preciso pensar aindha na qualidade e durabilidade das peças. "Vale a pena investir em algo que veste bem e você irá usar por muito tempo, mesmo que custe um pouco mais", defende Lia Spínola.

Quando a vestimenta parece barata demais, antes de entrar na loja com um sorriso no rosto, lembre-se de que preço baixo pode esconder ainda descuidos com questões relacionadas à responsabilidade socio-ambiental do fabricante. Em geral, empresas que optam por tecidos e tingimentos mais naturais ou menos poluidores, por exemplo, não conseguem cobrar o mesmo que outras que não têm esses diferenciais. Pensar nisso tudo faz parte de um olhar mais ético e consciente a respeito da moda.



(texto publicado na revista Vida Simples)


2 comentários:

  1. Olá, Neide

    Achei muito bacana você compartilhar esse texto, pois quanto mais conscientes formos de nossas reais necessidades, mais o planeta agradece.

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    1. Obrigada pelo comentário. As postagens que faço refletem o meu modo de pensar e fico muito contente com comentários como os seus.

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