quinta-feira, 9 de agosto de 2012

"Bob, o malamute" do livro "Todos os animais merecem o céu" do Dr. Marcel Benedeti

Guilherme arregalou os olhos. Mal podia acreditar no que via. Era seu pai, falecido há alguns anos. Parecia bem mais velho que era quando o viu pela última vez (...)

Aquele senhor de aparência humilde, com roupas simples, atitudes tímidas e de voz muito baixa, deu um grande suspiro, como que para adquirir mais força, ergueu a cabeça de forma lenta e insegura, expondo o rosto, que Guilherme reconheceu como o de seu pai, mas não teve coragem de encará-lo. Guilherme deu um salto e abraçou-o, ternamente, sem dizer uma palavra. Lágrimas rolaram dos olhos de ambos e assim permaneceram por algum tempo, como se imaginassem não poderem se abraçar novamente. Então, Guilherme, disse:

- Que saudade, pai! Finalmente o encontro. Mas por que esta aparência tão deprimida e envelhecida? Por que fica desviando o olhar e não olha para mim? Não sente saudades também? - perguntou Guilherme, triste pela atitude distante do pai.

- Não sou digno de olhá-lo nos olhos, filho! Estou aqui para pedir-lhe que me perdoe, pelo que  fizemos - explicou o sr. Benati.

- Mas perdoar por quê? O que o senhor poderia ter feito para que necessite de perdão? Você só me deu alegria e me criou com o maior carinho - falou o filho ao pai.

- Não se iluda com isso, filho. Sou um criminoso e estou nesta colônia para me redimir pelo trabalho. Estou aqui por minha vontade de me recuperar da culpa que me corrói por dentro.

- Que crime poderia ter cometido? Você sempre foi uma pessoa notável e ótimo pai. Não diga tal inverdade.

- Sou o responsável pela morte dolorosa de Bob. Com remoro, até hoje me puno pelo mal que cometi a você e ao pobre cão inocente. A consciência pesada foi a causa do surgimento do mal que me consumiu os pulmões, destruindo-me a saúde e a minha energia vital com meu corpo físico. Sofro muito com as lembranças, por isso tenho essa aparência envelhecida. Preciso que me perdoe senão ficarei eternamente me martirizando. Perdoe-me, filho. Perdoe-me! - implorou Benati ao filho.

- Não acredito que vocês tenham tomado parte na morte de Bob, pois sei que você e mamãe também o amavam. Não é assim? - perguntou ao pai, que respondeu com a voz embargada e com os olhos inundados de lágrimas.

- Não, não foi assim. Apenas o tolerávamos por sua causa. Seus uivos agudos incomodavam, seus latidos incessantes tiravam o sossego, suas travessuras tiravam-me o equilíbrio, eu não suportava mais a presença daquele animal em casa. Resolvi envenená-lo, e quando fosse de manhã, o encontraríamos já morto e diria a você que ele morreu de algum mal súbito. Infelizmente, Bob era muito resistente e a dose de veneno que dei não o matou, apenas o intoxicou e o atordoou. Pela ação do veneno, uma dor o maltratava, por isso começou a gemer e a ganir. Aqueles gemidos altos poderiam acordá-lo ou chamar a atenção de alguém da vizinhança, por isso dei uma outra dose mais forte. Ele era muito resistente e não morreu. Eu não sabia, mas os trabalhadores desta colônia faziam o possível para que não morresse e, para tanto, ministravam-lhe medicamentos energéticos capazes de neutralizar as toxinas que lhe dei. A quantidade era suficiente para um animal com quatro vezes o seu peso, mas ele continuava vivo, apesar de estar semiconsciente. Irritado, peguei um objeto pesado que encontrei perto e arremessei contra sua cabeça, acreditando que seria mais rápido assim, mas ele ainda respirava. Tornei a golpear-lhe o crânio, com mais violência. Por fim, decidi embebê-lo em gasolina e atear fogo sobre ele. Dizia isso, enquanto sua voz quase sumia entre soluços e engasgos. A imagem que mais me impressionou e ainda tenho comigo e me consome o espírito foi vê-lo ganindo alto de dor, enquanto era consumido pelas chamas. eus olhos foram sendo cozidos nas órbitas, até explodirem espalhando um líquido quente que me atingiu o rosto. Ainda sinto o calor das chamas sobre meu rosto. Tentei enterrã-lo para que não vissem nada, mas não tive tempo, pois já amanhecia. Sua mãe, quando acordou, me viu ao lado do corpo de Bob, pois não houve tempo para escondê-lo. Ela se impressionou tanto com o que viu que nunca mais falou comigo até eu sucumbir pela enfermidade que me tomou.

Dizendo iso, ajoelhou-se, colocou as mãos no rosto e chorou alto, implorando perdão. Permaneceu nesta posição algum tempo, quando, repentinamente, ouviu-se longe um latido. Era um cão de grande porte, com longos pelos cinza, que se aproximava, correndo e saltando alegre.

Era Bob. Ele não tinha marcas ou cicatrizes. Bob vinha trazendo uma bola, que era seu brinquedo favorito. Corria atrás da bola, jogava-a para cima, pegava-a novamente e corria. Estava fazendo gracinhas para chamar a atenção. Ele tinha muito ciúme daquela bola e não deixava ninguém tocá-la. Mas, aproximando-se dos dois, Bob aquietou-se e deixou cair a pequena bola próxima às mãos do sr. Benati e novamente soltou outro latido, que demonstrava alegria.

Como Benati não se mostrava animado em brincar com ele, começou a correr e a pular ao redor do pai de Guilherme. Por fim, encorajado pelo filho, que lhe tocou no ombro, olhou para Bob, que o chamava para brincar com a bola. Benati, diante daquele cão de olhos azuis, não conseguia dizer uma só palavra. Ficou imóvel. Não podia acreditar no que via: Bob o chamou novamente e saltou sobre aquele senhor de penosa aparência, lambendo-lhe o rosto, a cabeça, as mãos e, novamente, ofereceu-lhe o brinquedo. O sr. Benati, por fim, pegou a bola e abraçou Bob com grande carinho, o que o animal retribuiu com um uivo rouco de alegria. Guilherme disse, então:

- Pai, o senhor não me deve nada. Não há o que perdoar. Não se preocupe. Bob, no entanto, o perdoou.

Então, os três se abraçaram, demoradamente, enquanto Bob dava uivos de alegria por estarem juntos novamente.



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