sábado, 28 de dezembro de 2013

Muito além da serotonina (Mente & Cérebro)


O sonho da pílula da felicidade persegue a humanidade desde a Grécia antiga, mas foi só na década de 80 que ele começou a ser vendido em  farmácias. Embora vários tipos de antidepressivo já estivessem no mercado antes disso, a chegada da fluoxetina, mais conhecida como Prozac, foi um marco na história da indústria farmacêutica. Duas décadas depois, ele ainda é, de longe, o antidepressivo mais usado de todos os tempos, tendo sido prescrito para cerca de 54 milhões de seres humanos. Felizes também ficaram os acionistas da Eli Lilly, fabricante do produto: em 1999, o medicamento respondia por mais de 25% do faturamento de 10 bilhões de dólares da empresa.

Sem dúvida o fenômeno Prozac ajudou a popularizar a depressão. Nas décadas de 60 e 70, as pessoas procuravam os médicos porque estavam "nervosas" ou "angustiadas"; hoje a legião de deprimidos inclui até crianças e animais de estimação. Além disso, o Prozac contribuiu para difundir a ideia do "desequilíbrio químico" como causa dos estados alterados de humor. Como seu mecanismo de ação mira um único neurotransmissor - a serotonina - ficou fácil explicar as bases neurobiológicas da depressão e de seu aparente antônimo, a felicidade.

Essa ideia, porém, é simplista e ultrapassada, garante o psiquiatra David Healy, da Universidade de Cardiff, autor de Let them eat Prozac (New York University Press, 2004). Ele estudou a relação entre serotonina e depressão por mais de uma década e não encontrou evidências suficientes para sustentar a tese do "desequilíbrio químico" no cérebro dos deprimidos. Que o aumento dos níveis de serotonina diminua os sintomas de depressão (exatamente o que o Prozac faz ao impedir a recaptação desse neurotransmissor na fenda sináptica) não significa que a etiologia do distúrbio esteja esclarecida. Vários outros neurotransmissores, entre eles dopamina, noradrenalina e beta-endorfinas desempenham papéis importantes, se não fundamentais, na sensação de bem-estar e prazer. A questão fica ainda mais intangível se considerarmos que até hoje não foi encontrado no cérebro algo que se possa chamar "centro da felicidade", isto é, estruturas especializadas tal como o amígdala para o medo ou o hipocampo para a memória. Tudo indica que esse "estado de espírito" a que chamamos felicidade é muito mais complexo e sutil, do ponto de vista neural, do que sugere nossa vã psicofarmacologia.



(texto publicado na revista Mente Cérebro nº 174 Ano XIV - julho de 2007)




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