segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Estresse e saúde bucal - Carla Andreotti Damante, Sebastião Luiz Aguiar Greghi, Ísis de Fátima Balderrama e Rafael Ferreira


Atualmente, ouve-se muito: "Estou estressada (o)!". E muitas vezes essa expressão se torna parte do cotidiano das pessoas, devido a tantas atividades e ocupações exercidas, dependendo dos hábitos de vida de cada um. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o estresse atinge cerca de 90% da população mundial, sendo considerado uma epidemia global. Ou seja, o estresse é frequente e muitas vezes intenso. Assim, torna-se importante saber a sua definição, origem, causa e como pode repercutir na saúde.

A palavra estresse tem origem no latim stringere, que significa "apertado", "justo", "tenso", e foi proposta pelo médico húngaro Hans Selye, em 1959, como a definição de uma reação não específica do corpo a qualquer tipo de exigência do ambiente, ou seja, quando o indivíduo se depara com determinados estímulos externos, causando-lhe uma soma de respostas físicas e mentais.

A psicologia classifica o estresse em três ocasiões: em momentos de crise e/ou catástrofes (por exemplo, terremotos ou guerras), em eventos normais da vida (casamento ou nascimento de um bebê, podendo exercer pontos positivos ou negativos) e estresse cotidiano (aborrecimentos, prazo de trabalhos escolares ou profissionais, engarrafamentos no trânsito, conflitos com outras pessoas, encontros com personalidades irritantes, sendo considerado o mais comum na população). Sua intensidade varia de indivíduo para indivíduo e, fisiologicamente, esses pequenos momentos estressores, presentes no cotidiano, têm um maior impacto negativo na saúde por serem eventos crônicos do dia a dia. Nesse contexto, torna-se importante como as pessoas lidam com seus estressores (otimismo? pessimismo? depressão? etc.).

O estresse pode ocasionar uma reação no organismo causada por alterações psicofisiológicas. O indivíduo se confronta com algumas situações ou acontecimentos que fazem parte do seu hábito de vida, gerando um desequilíbrio fisiológico por estímulos internos e externos. Essa alteração psicológica pode desencadear uma cascata de episódios que atuam sobre o sistema imunológico, gerando consequências na capacidade do nosso organismo de resistir às doenças.

Essa desregulação da resposta imunoinflamatória ocasiona alterações dos níveis de citocinas inflamatórias. Essas citocinas podem ser entendidas como pequenas "chaves" que vão agir sobre diversos órgãos, "abrindo" caminho para o aparecimento ou promoção de certas doenças. Sendo assim, nota-se uma relação entre estresse e diferentes condições patológicas, como obesidade, diabetes e também doença periodontal.

O nível de estresse de um indivíduo pode ser mensurado através de análises psicológicas ou físicas. O nível mental pode ser avaliado por questionários. Já o físico pode ser feito a partir da coleta salivar ou sanguínea, submetida à análise laboratorial, verificando-se os níveis de cortisol. O cortisol é o principal mediador biológico do estresse, sendo que sua presença em excesso e crônica leva à redução da resistência às infecções, deixando as pessoas mais propensas a desenvolver doenças.

A doença periodontal é uma doença multifatorial que surge por alterações inflamatórias que levam à destruição dos tecidos ao redor dos dentes (como a gengiva e osso), provocando sangramento gengival e até a perda do dente. Dentre essas causas, o principal fator é a presença de bactérias e sua interação com a resposta imunológica (como reagimos contra essas bactérias). Porém, essa resposta pode ser modificada mais negativamente por alguns fatores secundários, como fumo, álcool, doenças sistêmicas (por exemplo, a diabetes mellitus) e o estresse, dentre outros.

Os primeiros relatos ligando o estresse às condições bucais foram notados em soldados na Primeira Guerra Mundial, em que o alto nível de estresse levava ao aparecimento de uma forma mais agressiva de doença gengival, chamada gengivite ulcerativa necrosante, conhecida popularmente como "boca de trincheira", com necrose gengival (apodrecimento), dentre outros sinais. Estudos recentes têm sugerido que a chance de uma pessoa desenvolver a doença periodontal é aumentada quando a pessoa é estressada.

No tratamento odontológico, deve-se prestar muita atenção se o paciente está em um momento de estresse, pois o estresse pode alterar efeitos das doenças sistêmicas (por exemplo, diabetes mellitus), assim como produzir algumas mudanças de comportamento, como uso excessivo de cigarros, negligência da higiene bucal, indução de dietas inadequadas, alteração no padrão de sono e aumento do consumo de substâncias alcoólicas. Um paciente estressado não é indicado para caso de cirurgia odontológica em razão de sua função imunológica estar afetada e a sua capacidade de cicatrizar feridas estar comprometida no processo de cura.

Um atendimento odontológico deve ser integral, sendo que o paciente deve ser visto como um todo. O cirurgião-dentista deve informar seu paciente a respeito dos efeitos do estresse na doença periodontal e encaminhá-lo a um especialista na área da psicologia ou da medicina do estresse, como um psiquiatra. Dessa forma, só será possível alcançar (e falar em) saúde bucal quando o paciente tiver saúde geral, o que consiste numa vida com bons hábitos e sem estresse, promovendo assim qualidade de vida.




(texto publicado no Jornal da USP nº 1083 - ano XXXI - 15 a 18 de outubro de 2015)

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