segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Cadê o leitor? - Rafael Balago


Bibliotecas paulistanas sofrem queda de público nos últimos anos enquanto buscam meios de se reinventar

Mais paulistanos vão hoje às bibliotecas da cidade que em 1990 e o número de empréstimos de livros dobrou de lá para cá (de 507 mil para cerca de 1 milhão em 2015).

A elevação é consequência do aumento no número de unidades, com a ajuda da multiplicação dos CEUs (Centro Educacional Unificado), na década passada, e da digitalização de registros, que traz informações mais precisas sobre os empréstimos.

Nesse período, os espaços também ganharam acervos de quadrinhos, filmes e outros conteúdos, como jogos de tabuleiro e videogames de última geração.

Mas essas iniciativas ainda não foram suficientes para compensar o declínio da biblioteca como espaço de pesquisa escolar. Diante do desafio da era digital, esses espaços vêm perdendo visitantes desde que atingiram o pico de frequentadores, de 2,6 milhões no ano de 2004.

Para mudar essa realidade, as bibliotecas da cidade investem em novas estratégias para estancar as perdas e transformar sua missão. "Essa mudança é boa, pois agora a biblioteca pública pode se dedicar a outros públicos e ser um espaço de descoberta da leitura", diz Waltemir Nalles, coordenador do Sistema Municipal de Bibliotecas.

O principal plano para atrair mais visitantes é apostar em eventos, como oficinas, pequenos shows, peças de teatro e encontros com autores. "As bibliotecas precisam ser pensadas como espaços multifuncionais e não como estantes de livros", afirma Francisco Aguiar, professor de biblioteconomia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Para Pierre Ruprecht, diretor da SP Leituras, esses espaços devem ser um lugar de lazer e convivência, como uma praça, um bar ou a praia. "Um local onde o cidadão se encontra para trocar cultura, mas sem prazer, ninguém aprende nada", diz.

A entidade administra as duas bibliotecas estaduais na capital: a São Paulo, na área do antigo Carandiru, e a Villa-Lobos, no parque homônimo.

Abertas em 2010 e 2014, elas estão entre as bibliotecas que atraem mais público na cidade. Em seu primeiro ano, a Villa-Lobos recebeu 194 mil pessoas, 12 vezes mais que a média de público dos espaços municipais, de 16 mil pessoas.

De segunda a sexta, predominam moradores da região e, aos fins de semana, chegam visitantes de vários bairros da zona oeste e de cidades vizinhas, como Osasco e Barueri. Em janeiro, ela abriu as portas para um encontro de "booktubers", pessoas que falam sobre livros em vídeos do YouTube, e seus seguidores.

Ambas apostam em design colorido, estantes mais baixas e foco em literatura e ciências humanas. Há também mais tecnologia, como renovação do empréstimo pela internet, e funcionários jovens - universitários e recém-formados.

As bibliotecas também atraem imigrantes para as ações. Um dos projetos, realizado ano passado, ofereceu aulas de português a bolivianos que, em troca, ensinaram espanhol aos frequentadores. Já uma entidade que recebe haitianos em São Paulo teve à disposição kitsde livros sobre o Brasil.

Noite e dia

Do outro lado, na rede municipal, em que o ambiente sóbrio e silencioso ainda é o dominante, os espaços se tornam, aos poucos, mais abertos e convidativos. A Mário de Andrade, no centro, que recebe 500 mil visitantes por ano, planeja oferecer atendimento 24 horas. Por enquanto, fecha a seção de empréstimos às 20h30 e deixa uma área de estudos aberta durante a noite. A rede tem ao todo 56 bibliotecas.

Na última década, a prefeitura passou a permitir pesquisas em todo o seu acervo via internet, e apostou no modelo de unidades temáticas. A de maior sucesso é a Hans-Christian Andersen, de contos de fadas, no Tatuapé, que recebeu 33 mil visitantes em 2015.

A Roberto Santos, voltada ao cinema, conta com um cineclube no Ipiranga e guarda filmes raros. Já a Mário Schenberg, que se concentra em temas científicos, não foi tão bem-sucedida e passa por reformulação. "Esperávamos aproveitar a proximidade com a estação Ciência, mas ela fechou", diz o coordenador Waltemir Nalles.

Outras estratégias são dar apoio às bibliotecas comunitárias, criadas por moradores de bairros das periferias, e levar os livros para as ruas, por meio de 72 roteiros de ônibus-bibliotecas. No ano passado, eles realizaram 312 mil empréstimos.

Ratos de biblioteca


Apesar dos pesares, as bibliotecas ainda contam com frequentadores fiéis. A pesquisadora Estefânia de Francis, 41, por exemplo, pegou por empréstimo 282 livros em 2015. "Estou fazendo mestrado sobre literatura africana e também pego livros para meu marido e meu filho Heitor, de 8 anos", conta. "As bibliotecas têm um acervo muito bom, mas são pouco frequentadas".

Outra campeã dos empréstimos é a deficiente visual Áurea Gaspar, 84, com 352 retiradas, boa parte delas de livros em braile. "Ela resolveu ler agora o que não leu durante a vida", comenta Cleide, prima de Áurea, que busca os livros para ela. "Como já leu todos os que [a biblioteca] tinha em braile, agora pegamos livros infantis, que têm a letra grande."

Mirela Ramaciotti, 45, administradora, almoça quase todos os dias no espaço de leitura da biblioteca Álvaro Guerra, em Pinheiros. Ela começou a frequentá-la quando precisou ajudar o filho Danilo em um trabalho da pré-escola. Hoje, ele tem 18 anos. "As bibliotecas conhecem nossas preferências e sempre indicam livros", conta. "Sou fã porque aqui não há nada vinculado à compra".

Tanto a rede municipal quanto a estadual querem agora emprestar livros eletrônicos. Mas ainda falta chegar a um acordo com as editoras. "Poderemos emprestar até Kindle [leitor eletrônico da Amazon]", planeja Ruprecht, da SP Leituras.




(texto publicado na revista São Paulo de 21 a 27 de fevereiro de 2016)

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