quarta-feira, 30 de março de 2016

Faça para os outros, faça para você - Denise Mirás


Mais do que uma qualidade, a generosidade estimula no ser humano a produção de oxitocina, hormônio que protege o coração e o sistema vascular, atuando também na manutenção do equilíbrio da saúde física e mental do indivíduo

Você está no metrô e observa aquele moço que se levanta para alguém mais cansado se sentar. O sorriso denuncia: ele ficou feliz com a própria atitude e também com o agradecimento reconhecido do outro. Poderia ter cedido o assento por educação, mas o mais provável é que tenha agido por empatia, por perceber a situação mais precária do outro e querer ajudar. A generosidade rendeu felicidade para o rapaz - e esse prazer, pontos preciosos para a manutenção do equilíbrio de sua saúde.

Ser bondoso gera um efeito cascata surpreendente no organismo. Reações químicas são desencadeadas e, no caso, para o "lado bom" da história. A generosidade segue com neurotransmissores e hormônios, que entram em ação e são "bem recebidos" pelos órgãos do corpo, para avançar com suas tarefas de proteção a sistemas como o cardiovascular, por exemplo.

Professora de Psiconeuroimunologia na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, Maria Cristina dos Santos explica que estudos sobre a influência das emoções no organismo datam ainda do fim da década de 1930, comandados pelo endocrinologista austro-húngaro Hans Selye. "Hoje, temos muitos trabalhos sobre esse tema, de emoções agindo no sistema nervoso central e sobre a integração e a comunicação desse sistema com o endocrinológico e o imunológico", diz. Mas a maioria desses estudos é sobre o "lado mau" da influência das emoções negativas, porque aí se buscam os medicamentos para combater as patologias.

A ideia de prevenção, ou ao menos de usar as emoções positivas proporcionadas por atitudes generosas e felizes para manter a saúde, ainda é bem recente. Estudos sobre os resultados que essas emoções desencadeiam no organismo começaram lá pelos anos 2000, como diz Maria Cristina. "Mas sabemos que essas sensações de prazer favorecem respostas hormonais benéficas."

A professora diz que o estresse crônico, por exemplo, faz com que a liberação do hormônio cortisol não tenha "freios", o que é muito prejudicial ao organismo. Daí a importância de procurar evitar situações ruins, ou de fazer o contrário: ir atrás de coisas que nos são prazerosas para a liberação de neurotransmissores e hormônios que atuem favoravelmente no sistema imunológico, ajudando na manutenção da saúde.

A questão é química

Químico com especialização em Bioquímica e Ph. D. em Química Orgânica, David R. Hamilton é autor de Why Kindness is Good for You (ou Por que ser bondoso é bom para você), um dos livros que tratam do tema generosidade e sua relação com a saúde. O especialista conta que trabalhou por quatro anos na indústria farmacêutica, mas seu interesse em pesquisar mais sobre o efeito placebo (quando pessoas se recuperam de doenças ao receber um remédio que, na verdade, é apenas placebo - não tem efeito nenhum) fez com que saísse do trabalho convencional para se dedicar ao estudo de como mente e corpo interagem, escrever livros e dar palestras.

"Em primeiro lugar, ser generoso nos faz mais felizes. E essa ligação funciona como um gatilho para o cérebro produzir endorfinas, o que leva a um estado de euforia parecido ao efeito produzido pela morfina, mas de forma mais atenuada", explica. "Acredita-se que esse estado, conhecido como 'Helper's High', seja causado pelo aumento no nível de serotonina e de dopamina no cérebro."

Conexões espelhadas

Há outro processo a ser citado, segundo David Hamilton. Quando fazemos uma conexão com alguém e nessas ocasiões nos mostramos generosos, produzimos oxitocina, que protege o coração e o sistema vascular. Se a oxitocina é "cardioprotetora", como se diz, a bondade também é, porque ativa a produção desse hormônio, reduzindo a pressão arterial e limpando os radicais livres das artérias, para que não causem problemas ao coração. O estudioso alerta que, se existem processos químicos em nosso corpo associados a nos sentir energizados e felizes, também existem aqueles associados a nos sentir deprimidos. "Quando uma pessoa se sente energizada, positiva, pode-se dizer que seus sistemas imunológico e cardiovascular estão funcionando melhor. Da mesma forma, podemos  dizer que estão piores quando a pessoa está 'para baixo'. Nosso biológico é, em geral, um espelho de como estamos nos sentindo."

Também por isso é preciso tomar cuidado com efeitos contrários da empatia. "Ver uma pessoa sofrendo emocionalmente pode produzir a mesma dor na gente. Isso acontece pelo que chamamos de contaminação emocional. Pelo MNS [sigla em inglês para, literalmente, Sistema do Neurônio-Espelho], o neurônio-espelho 'reage' da mesma forma se a ação for nossa ou se estivermos vendo outra pessoa nessa ação. Isso faz com que nos sintamos felizes ao lado de uma pessoa que está feliz, ou triste e estressada na presença de alguém que esteja se mostrando assim."

Sabendo da relação generosidade-felicidade-saúde, os interessados podem aceitar um "desafio de bondade" proposto pelo professor: tem de se comprometer a fazer algo de bom a cada dia, por uma semana, ou três. "Esse desafio ajuda as pessoas a criar um hábito e, assim, esse tipo de comportamento mais generoso se torna mais natural para elas."

Cara a cara é melhor

Professor de Medicina Preventiva e Bioética na Stony Brook University, membro da Academia de Medicina de Nova York e da Real Sociedade de Medicina de Londres, Stephen G. Post é o autor do livro Why Good Things Happen to Good People: How to Live a Longer, Healthier, Happier Life by the Simple Act of Giving (Por que coisas boas acontecem para pessoas boas: como ter uma vida mais longa, mais feliz, mais saudável se doando, simplesmente). "Sabemos que pensar no outro e em suas necessidades diminui o nosso nível de estresse e de ansiedade, além de ativar uma parte do cérebro que libera dopamina, um dos quatro 'produtos químicos' da felicidade - os outros são endorfina, serotonina e a oxitocina."

Mas o médico norte-americano destaca uma peculiaridade: há aumento da oxitocina, o hormônio da confiança e da tranquilidade, ligado à compaixão, à empatia, quando a ajuda a outras pessoas é feita "cara a cara", presencialmente. "No geral, a participação em atividades de apoio a outros indivíduos ou a dedicação a um trabalho voluntário por algumas horas na semana estão associadas a um incrível aumento de felicidade (o que é relatado por 96% de voluntários de um estudo), melhora na saúde física (relatado por 68%), baixa de ansiedade e estresse (em torno de 76%), assim como melhora de sono."

Para Stephen Post, o assunto se resume basicamente a uma "desprogramação" da mente do indivíduo que está voltado para si mesmo, para os próprios problemas, desligando emoções destrutivas, como hostilidade e amargura, então associadas ao estresse crônico. "Ser bondoso e se comportar adequadamente são grandes fontes de felicidade, que quase literalmente ligam um circuito emocional de alegria."

Bom para a cabeça

Alessandra Dutra é psicóloga do esporte e participou da conquista do título mundial pela Seleção Brasileira Feminina de Handebol, em 2013. O trabalho é diário para as garotas não se deixarem levar pela pressão, pela ansiedade - o que também pode favorecer lesões. E trabalho em equipe tem muito desse aprendizado da convivência com o outro, de ações generosas em favor do grupo - e não individualistas.

A representação social da generosidade,  como Alessandra diz, "está altamente relacionada hoje com saúde e é de extrema relevância". Também para ela, "a generosidade não é apenas uma virtude, mas um hábito, um exercício para enfrentar exigências do cotidiano como regulação de energia e administração do estresse, um caminho para o contágio positivo do amor, uma forma de combater a indiferença a qualquer coisa, de não nos afastarmos do coletivo, que tanto nos ensina."


(texto publicado na Revista da Cultura edição 101 - dezembro de 2015)

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