sexta-feira, 11 de março de 2016

Perigoso contágio - Danuza Leão


A cólera e a dengue são doenças sérias, mas ninguém fala de outras talvez ainda mais perigosas e altamente contagiosas: o ciúme, o mau humor, o pessimismo permanente. Pense no profissional do baixo-astral, aquele que tem um talento especial para levar ao fundo do poço, suavemente, quem estiver por perto (e geralmente consegue). Esse é pessoa a evitar. Até porque, se alegria, alto-astral e felicidade podem contagiar, há quem diga que tudo pega, até perna quebrada.

No início, você atravessa noites ouvindo histórias de amor (malsucedidas, claro), crueldades cometidas (sempre pela mãe, também é óbvio), abandono etc. E pinta um vago sentimento de onipotência. "Com meu amor vou conseguir salvá-lo", você pensa. Não vai. Compreensão, paciência, carinho, provas de amor e de fidelidade podem até ajudar, mas nada vai ser suficiente.

Só que quem resiste a um homem charmoso e complicado? E, com a convivência, tudo vai piorar. Prepare-se para ser sócia-proprietária desse clube perigoso e nem tão exclusivo assim: dos que são sempre contra tudo e contra todos, inclusive contra eles mesmos. Eles são capazes de roubar o vizinho, matar a avó, incendiar a casa... porque o pai esqueceu de deixar a mesada. Mais divertido ver um péssimo programa de TV do que tomar um chope com um desses eternos mal-humorados.

Há alguns séculos estar na fossa estava na moda, dava status; e quem sorria era considerado alienado. Tome análise, paga com o suor do trabalho. Com a crise, essa fase passou.

Um dos grandes perigos dessa turma é que ela justifica qualquer coisa. Quem não tem caráter é porque o pai abandonou; se faz negócios escusos é por carência; e, quando trai a mulher ou tenta seduzir a cunhada, é porque é inseguro. Assim, vale tudo. Essas pessoas são aceitas carinhosamente como sendo problemáticas e, por isso, devem ser desculpadas de todo e qualquer ato contra a ética, a moral ou contra a lei.

Você até se encanta nos primeiros tempos. Afinal, não é todo dia que se encontra alguém que a ame tanto, mas tanto que se recuse a um fim de semana em Trancoso porque nos anos 2000 você esteve lá com um namorado. E, como quem ama está permanentemente antenado, se você cantarolar uma determinada música, ele sabe que isso deve ter alguma conotação com o passado. É tudo, sem dúvida, uma prova de amor. Em um mundo tão conturbado, até encanta. Ainda.

Sem perceber, você vai começar a pensar parecido, reagir parecido, sofrer parecido. Mas não se preocupe, não vai durar muito. Vai passar quando você for ao banco descontar um cheque e encontrar na fila um rapaz muito simpático, muito alegre, que faz você rir. Como é bom rir! E como é bom encontrar alguém que mostre o quanto a vida pode ser leve e boa (e quando ele é bonito e charmoso, melhor ainda). Pelo sim pelo não, procure sabe de sua vida sentimental pregressa, sobretudo se ele for sedutor e solteiro, do grupo de animais em risco de extinção.

E comece uma nova vida, sem nenhum remorso. O ex vai sofrer, sim, e pensar que a vida é mesmo muito cruel. Tudo bem, siga sem culpa, porque é disso que ele gosta.



(texto publicado na revista Claudia nº 8 - ano 51 - agosto de 2015)

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