A partir do funcionamento de uma rotativa, surgiu a caneta de esfera de metal. Barata e descartável, é hoje usada por milhões de pessoas em todo o mundo
Num dia qualquer de 1937, o então revisor tipográfico Laszlo Biro, de 36 anos, foi à oficina do jornal em que trabalhava em Budapeste, na Hungria, para corrigir provas de página. Por acaso deteve-se a observar o funcionamento da rotativa. Chamou-lhe a atenção a maneira pela qual o cilindro se empapava de tinta e imprimia o texto nele gravado sobre o papel. Havia alguns anos, Biro sonhava criar uma caneta que não borrasse ou cuja tinta não secasse no depósito. Ele era mesmo dado a invenções: aos 17 anos, criou um tipo de máquina de lavar, aos 28, apresentou um sistema automático da caixa de câmbio dos automóveis.
Assim, ao observar a rotativa ocorreu-lhe que seria possível fabricar uma caneta baseada no mesmo processo, ou seja, que permitisse escrever por meio de um cilindro cheio de tinta. Com o irmão Georg, que era químico e o ajudou a conseguir uma tinta adequada, e o amigo Imre Gellért, técnico industrial, Biro levou adiante o projeto da revolucionária caneta. Após meses de trabalho, os três conseguiram criar um modelo em que a tinta molhava uma bolinha de aço por meio da pressão de um pistão de rosca sobre o reservatório de tinta. Surgia assim a caneta esferográfica - um dos inventos mais bem-sucedidos deste século, que como poucos se incorporou à vida diária de muitos milhões de pessoas.
Pode-se dizer que, no mundo de hoje, quem escreve, escreve com esferográfica: as clássicas elegantes canetas-tinteiro de outrora são usadas apenas por uma minoria, até por uma questão de preço. Mas Biro teve de trabalhar muito para superar os inconvenientes da primeira versão de seu invento. A princípio, de fato, quando a pressão sobre o corpo da caneta era muito forte, a tinta e a bolinha de aço eram atiradas longe. De qualquer forma, já em 1938, a caneta esferográfica estava patenteada.
A partir de então, Biro passou a dedicar-se a comercializar a novidade. Um acaso iria ajudá-lo nessa empreitada. Certo dia, num balneário iugoslavo, ele escrevia com sua caneta esferográfica um telegrama na portaria do hotel onde estava hospedado. A caneta chamou a atenção de um senhor que se apresentou como engenheiro argentino. Depois de conversarem, o estranho sugeriu a Biro que se mudasse para Buenos Aires e ali aperfeiçoasse a caneta. Ao se despedirem, o senhor deixou com ele seu cartão. Na verdade, tratava-se de um ex-presidente da Argentina, o general Agustín Justo (1876-1943).
De volta à Hungria, Biro achou melhor mudar de ares. No primeiro dia de 1939, desembarcava em Paris. Na França, continuou tentando vender sua caneta - mas sem muito sucesso. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em setembro daquele ano, as coisas se complicariam ainda mais para o refugiado húngaro. Foi então que ele se lembrou do cartão do ex-presidente argentino e resolveu tentar a sorte do outro lado do Atlântico. O cartão ajudou-o a conseguir o precioso visto de entrada. Um amigo, Luís Lang, que havia emigrado anos antes, mandou-lhe a passagem. Em agosto de 1940, Biro chegava a Buenos Aires.
Em sociedade com Lang, Biro montou então uma fabriqueta, que funcionava inicialmente numa garagem. Começava assim a produção industrial das canetas esferográficas. Depois de um tempo, descobriu que a caneta não precisava de pressão para que a tinta molhasse a esfera de aço, o que simplificou bastante o modelo. Assim, três anos depois de sua chegada a Buenos Aires, as canetas esferográficas - ou biromes, como ficariam conhecidas ali - apareceram nas lojas argentinas. Em agosto de 1944, a revista americana Time publicava uma nota sobre o invento, lembrando que a birome era a única caneta que permitia escrever a bordo de um avião, por exemplo, porque a tinta não vazava.
A nota informava ainda que as Forças Armadas americanas queriam comprar 20 mil unidades. Pouco depois, Biro recebia da empresa americana Eversharp uma proposta de compra dos direitos da invenção para os Estados Unidos pela bagatela de 2 milhões de dólares. O húngaro fechou negócio e assim que a guerra acabou as esferográficas já faziam sucesso em Nova York. Os demonstradores de uma grande loja passavam o dia nas vitrines escrevendo em tanques de água para atestar as qualidades da nova caneta.
A moda da esferográfica pegou de uma penada - e veio para ficar. Hoje, as mais populares são as tradicionais, baratas e descartáveis. Sofisticadas ou simples, o funcionamento das esferográficas baseia-se sempre no mesmo princípio: uma pequena esfera feita de metal (aço ou tungstênio) com 1 milímetro de diâmetro gira na ponta de um tubo contendo tinta. A esfera, por sua vez, é presa em uma ponta metálica feita de latão. Uma boa esferográfica deve movimentar-se em todas as direções - algo que a pena da caneta-tinteiro não consegue. Ao deslizar pelo papel, a esfera se move e suga a tinta do tubo, que fica dentro do corpo da caneta. Para que a tinta não saia além ou aquém do necessário, é preciso que a distância entre a esfera a e aponta metálica tenha a precisão de milésimos de milímetros.
Um dos obstáculos enfrentados por Biro para aperfeiçoar seu invento foi justamente a tinta, que precisava ser suficientemente viscosa para não escorrer do tubo à esfera. Atualmente, a viscosidade é obtida ou à base de óleo - em que a secagem se dá pela absorção no papel - ou de um solvente como o álcool - em que a secagem se dá por evaporação. Uma esferográfica comum costuma ter de 0,5 a 1,5 mililitro de tinta. Mas os reservatórios de tinta de 1,5 mil precisam de uma tampinha e um respiradouro, além de uma pequena quantidade de um líquido ainda mais viscoso, pois sem isso e com o tubo fechado a tinta não flui pela esfera por causa da pressão. Por esse motivo há um furinho nos corpos das esferográficas comuns.
O diâmetro da esfera também varia, é isso que determina o tipo de escrita, mais grossa ou mais fina. Na década de 50, o tubo cheio de tinta viscosa com uma esfera de metal na ponta impressionou, o barão Marcel Bich, dono de uma pequena fábrica de canetas-tinteiro na França, Bich comprou os direitos do invento e construiu um verdadeiro império com as esferográficas. As canetas do barão começaram a ser fabricadas no Brasil em 1961. De início, foram recebidas com certa desconfiança pelos consumidores acostumados à tradicional caneta-tinteiro. Temendo que se prestassem à falsificações, os bancos recusavam cheques assinados com esferográficas.
Nas escolas primárias, as professoras advertiam que, por deslizar com muita facilidade pelo papel elas atrapalhavam a alfabetização das crianças. A resistência dos bancos durou pouco. Nas escolas, embora não sejam proibidas, as professoras dão preferência ao lápis e à borracha. Nessa fase, as crianças não têm ainda o controle motor necessário para manusear uma esferográfica. Além disso, com o lápis, quando erram, podem apagar e escrever de novo. Mas desde o maternal a esferográfica serve para desenhar. Hoje em dia, os brasileiros compram 700 milhões dessas canetas por ano. E o húngaro Biro? Ele se naturalizou argentino e viveu em Buenos Aires até morrer em 1985, aos 84 anos. No dia de sua morte, as papelarias portenhas hastearam a bandeira a meio pau.
(texto publicado na revista Super Interessante nº 5 - ano 2 - maio de 1988)
Nenhum comentário:
Postar um comentário