quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Festa fetiche - Walcyr Carrasco


Sim, elas existem. Acontecem em mansões, e os endereços e horários são mantidos em segredo. Convite depende de conhecer alguém. Não falo de baladas abertas ou de bares onde há uma proposta mais ousada. Mas de festas onde tudo - ou nada - pode acontecer. Um amigo recentemente foi a uma. Íntima. Foi avisado de que só poderia assistir. Dois casais mascarados o receberam. Ele vestiu uma máscara também. O objetivo da máscara não ficou muito claro, já que todos se encontravam até no supermercado. Mas fazia parte do clima, portanto ele se despiu e se sentou enquanto as duplas acendiam a chama olímpica. Às vezes alguém ia até ele, fazia carinhos. O sangue ferveu, mas ele permaneceu sentado educadamente, já que mesmo no sexo há regras de cortesia. Adorou. Eu, que tenho pressão alta, não resistiria. Teria saído de lá para uma UTI. Pelado e mascarado na UTI? Ia pegar mal. Mas quem trabalha em hospital é obrigado a conviver com realidades inimagináveis para simples mortais.

Ingressos para as tais festas chegam a custar R$ 500. Rolam bebida e salgadinhos. É um programa basicamente heterossexual. Casais bem casados comparecem. Alguns espertinhos levam uma profissional e dizem que é a namorada. Há quem vá sozinho, só para olhar. Existe até quem acredite que pode encontrar o grande amor de sua vida. Já que nem toda Cinderela quer exatamente um Príncipe Encantado, mas um sapo mais selvagem. A ideia não é nova. O filme De olhos bem fechados (Eyes wide shut), com Tom Cruise, de 1999, mostra uma festa do tipo. Com máscaras e tudo mais. Por sua vez, essa última obra de Stanley Kubrick é inspirada em um conto de Arthur Schnitzler, contemporâneo de Freud. Ou seja, festas fetiches não são novidade. Novo é elas estarem na moda, secretamente, entre várias classes sociais. Numa delas há todo tipo de gente. Pode-se conhecer uma milionária, um executivo, uma doméstica ou um encanador. Depende da lista de convidados. Detalhe: não é a estética que predomina nas listas. Mas gente com interesse em desfrutar o lance. Surpresa! Um amigo pianista queria organizar uma festa fetiche em minha casa.

- Entre todas as loucuras que eu tenho, dessa estou livre - expliquei. - Não sou voyeur, para só olhar. Pelo contrário, prefiro encontros românticos, a dois.

- Mas eu sou um excelente concertista - ele explicou. - E sei que você tem um piano de cauda.

- Ah sim, desculpe. Não tinha entendido. Você quer dar um concerto para meus convidados?

- Claro.

- Que bom! - respirei aliviado, já pensando em uma noite agradável ao som de Brahms.

- Só que eu toco pelado.

Fiquei sem fala. Ele explicou. Começaria tocando vestido e tiraria peça por peça ao longo da música. Achei que não combinava bem com música clássica.

- Assim o pessoal vai esquentando - ele explicou.

Imaginei um casal em cima do meu piano, de pernas para o ar. Só com as máscaras e mais nada.

- Tenho de preservar meu piano - respondi.

- Não tem curiosidade?

- Entre salvar meu piano e a curiosidade, fico com o piano.

Conheço outras pessoas que vão a festas fetiches. Casais bem casados, como já disse, com gordurinhas extras. Às vezes, é melhor ver certas pessoas vestidas.

Continuei:

- Só me responda uma coisa. Você quer que as pessoas ouçam a música ou rolem no chão?

- Os dois.

Céus! E meus tapetes? Qual será o estado deles depois de uma festa dessas?

- Não tem problema - respondeu uma amiga que já foi. - Há festas em mansões elegantes e todo mundo sabe se comportar. Você devia ir.

Em seguida descreveu. Mulheres de lingerie andando pela sala. Homens de sunga ou sem camisa. Casais vestidos. Máscaras ou não.

- Também há as baladas - ela explicou. - Eu e meu marido vamos sempre. Renovou nosso casamento.

Bem... é um jeito e tanto de renovar o casamento! Se têm vocação para voyeurs, quem sou eu para criticar? Mas minhas cabeça anda a mil. As pessoas com quem conversei fazem parte de nosso cotidiano. Pianista, secretária... A cada lugar que eu vou, a imaginação dispara. Vejo a recepcionista do dentista e a imagino de máscara e botinhas. Encontro um casal de amigos e penso se ele eleva umas chicotadas, já que sadomasoquismo é um ingrediente de festas fetiches. Descobri que não tenho a menor ideia da intimidade de cada um. De perto, ninguém é normal.



(texto publicado na revista Época nº 948 - 15 de agosto de 2016)

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