terça-feira, 28 de maio de 2013

Navegar é preciso - Verônica Bareicha


Heloisa Schurmann ouviu o sábio conselho de um médico a respeito de sua filha, Kat, então com 5 anos de idade. "Deixe que ela tenha uma vida cheia de coisas para fazer, que tenha sonhos e que seja amada". A menina era HIV positivo e vivia sem sintomas, nessa época. Não conseguiu ter uma longa existência, mas a intensidade com que degustou todos os seus dias fez a diferença. O conselho médico foi milimetricamente seguido. Heloisa conta essa história em "Pequeno Segredo - a lição de vida de Kat para a famíli Schurmann" (Editora Agir). A autora é a matriarca do clã que se tornou conhecido na década de 1990 como a primeira família brasileira a dar a volta ao mundo em um veleiro. O casal e seus três filhos passaram 10 anos no mar.

Foi neste barco amoroso e pouco convencional que a pequena Kat teve a sorte de viver aventuras incríveis. A menina era filha de um casal amigo, também velejadores, que os Schurmann conheceram na Nova Zelândia. Jeanne, a mãe biológica de Kat, contraiu o vírus antes da gravidez em transfusões de sangue por ter sido vítima de um atropelamento. Sem saber, transmitiu a doença ao marido e à filha. Após a morte de Jeanne, Robert, o pai, pediu aos amigos que adotassem Kat, com três anos á época, para que tivesse a oportunidade de viver em uma família.

A rotina dos Schurmann foi totalmente modificada, e para sempre marcada pela convivência com a garotinha especial - não só por enfrentar a morte tão cedo, mas também pela alegria e brilho próprio. A narrativa de Heloisa é entremeada com os diários de Kat convidando à reflexão sobre as relações familiares, a  adoção, a Aids e o preconceito. Em seu diário, ela escreveu: "A mommy me contou a coisa mais terrível da minha vida. Eu tenho HIV. Não acredito, Diário, que triste. Ai, Diário, estou com muita vergonha. Foi assim: eu reclamei que eu sempre fico doente, tomo um monte de vitaminas, sempre fico com herpes, não posso ir pra aula quando tenho catapora, montes de exames, essa tosse que tenho sempre, bronquite, sei lá, uma doença atrás da outra e agora caxumba. Mommy me sentou no colo, me abraçou bem juntinho dela e começou a falar bem calminha. Ai, Diário, por que eu nasci com essa doença?" 

O que Kat nunca soube é que dar essa notícia para ela não foi um momento de calma. Heloisa descreve: "Enfrentar uma tempestade requer coragem. Enfrentar sua filha de 12 anos quando ela te pergunta sobre a sua doença, se ela vai morrer, demanda mais do que coragem." Um ano depois, aos 13 anos, Kat faleceu justamente por complicações decorrentes de uma bronquite.


(texto publicado na revista SimplesMente de janeiro de 2013)



Kat, a pequena grande marinheira



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