segunda-feira, 27 de maio de 2013

O que o Universo nos reserva - Marcelo Gleiser


Quando o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu, em 1929, que o Universo está em expansão, nem ele mesmo quis acreditar. Mas os dados não mentem. O que Hubble viu com seu telescópio de 100 polegadas era inegável: a luz vida de galáxias distantes aparecia alongada, indicando que suas fontes se afastavam da Terra, o mesmo efeito que ocorre quando uma sirene se distancia e ouvimos um tom mais grave. Na década de 1950, baseado nessa proposição, o físico russo-americano George Gamow supôs que a matéria que compõe as estrelas, as galáxias e as pessoas deve ter passado por estados de altíssima compressão durante a infância do Universo. Como matéria comprimida esquenta de maneira similar a pessoas dentro do metrô lotado, Gamow propôs que, no início do Universo, a temperatura era tão alta que as ligações entre as partículas formadoras dos átomos e seus núcleos se quebraram. O cosmo seria composto de uma sopa primordial de partículas livres, colidindo furiosamente entre si. Gamow e seus colaboradores Robert Herman e Ralph Alpher calcularam que, se suas ideias estivessem corretas, o Universo estari repleto de radiação de micro-ondas, um fóssil da época em que os primeiros átomos foram formados, 400 mil anos após a grande expansão que teria dado origem ao Universo - o big bang. Quando essa radiação foi descoberta, em 1965, a cosmologia deixou de ser especulação e virou ciência.

Onde estamos hoje nessa história? Existem ainda muitos pontos nebulosos. A composição do Universo permanece um mistério. Sabemos que são três os ingredientes principais. O primeiro é a matéria comum, daquilo que nós e as estrelas somos feitos. Ela é formada por átomos e corresponde a apenas 4% do Universo. O segundo elemento é a matéria escura: uma matéria exótica que circunda as galáxias como se fosse um véu e que, provavelmente, é composta de partículas subatômicas. Ela constitui 23% do Universo. O terceiro elemento é a energia escura: uma forma de energia que permeia o cosmo e cuja natureza permanece desconhecida. Ela representa 73% do Universo. Se somarmos a matéria escura e  energia escura, percebemos que não conhecemos 96% da composição do Universo. Por isso, a elucidação desse mistério terá profundas implicações para nossa compreensão sobre ele. Alguns especulam até que tanto a matéria escura quanto a energia escura mostrarão que a descrição atual da gravidade, baseada na teoria da relatividade de Einstein, precisa ser revisada.

E o momento inicial, o momento da "Criação"? Será que a física pode chegar lá? Gamow, muito esperto, evitou tocar no assunto, começando sua descrição do cosmo num momento em que a matéria já existia na forma de partículas elementares (pelo menos, elementares dos anos 1950). Hoje sabemos que o cosmo de Gamow tinha em torno de um centésimo de segundo de vida. A grande questão é o que ocorreu nesse primeiro centésimo de segundo. Sabemos como chegar bem mais perto do "zero", até um trilionésimo de segundo após o big bang. Aplicando conceitos da física quântica - a física dos átomos - ao cosmo bebê, podemos até construir modelos que mostram como o Universo inteiro pode ter surgido de um flutuação do espaço com energia zero. Se essas especulações fazem ou não sentido, é algo que ainda não sabemos. Porém, dessa discussão de origens cósmicas, fica claro que o que conhecemos do cosmo depende das perguntas que fazemos e dos instrumentos que usamos para respondê-las. O cosmo que conhecemos reflete quem somos.


(texto publicado na edição histórica da revista Época de junho de 2012)


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