Pela primeira vez sem Goscinny nem Uderzo, os seus criadores, o personagem gaulês tem um álbum lançado com tiragem recorde: 2 milhões de exemplares só na França
Asterix, o gaulês, é um personagem tão famoso que, mesmo entre os brasileiros incultos, que jamais leram uma história em quadrinhos protagonizada por ele, o seu nome concorre com o infame "asterístico", para rebatizar o sinal asterisco. Criado em 1959 por René Goscinny, autor das histórias, e Albert Uderzo, o desenhista das tiras, Asterix teve o 35º álbum lançado na semana passada na França e em outra dezena de países: Asterix entre os Pictos, uma aventura que se passa na Escócia. Como não poderia deixar de ser, acompanhado do balofão Obelix, o herói cômico tem de se haver com os romanos, a cujo império a tribo dessa gente com nomes terminados em "ix" (de Vercingerotix, o líder da antiga Gália de verdade) resiste graças a uma poção mágica que os torna fortíssimos. É o primeiro álbum que não conta com a participação dos seus criadores. Goscinny, morto em 1977, deu lugar a Jean-Yves Ferri. Uderzo, que também vinha escrevendo as histórias desde o desaparecimento de Goscinny, foi substituído por Didier Conrad.
A editora Hachette, dona dos direitos de Asterix, fechou 2012 no azul, por causa, principalmente, da trilogia Cinquenta Tons de Cinza. Neste ano, aposta em Asterix entre os Pictos para repetir o desempenho - deve ser a poção mágica da Hachette, como dizem os jornais parisienses. Como se vê, também a França já foi mais intelectualizada. Foram impressos 2 milhões de exemplares do novo álbum - a mais alta tiragem de todos os tempos - e lançada uma versão em formato digital. Da estratégia comercial faz parte uma exposição aberta há pouco, na Biblioteca Nacional, acompanhada do catálogo Asterix de A a Z. A entronização no panteão cultural de criações populares, uma invenção local, nunca fez mal aos negócios.
No universo das HQs, o baixinho Asterix é o personagem de língua francesa de maior estatura. As suas peripécias venderam, ao todo, 350 milhões de exemplares, 100 milhões a mais do que as de Tintim, o outro peso-pesado do mesmo pedaço. Depois da França, a Alemanha é o país que mais consome as histórias em quadrinhos do gaulês. Há um parque temático nas proximidades de Paris que compete com a Disneylândia europeia, os quatro filmes da série em que Gérard Depardieu interpreta Obelix estouraram na bilheteria e os licenciamentos vão bem, obrigado. Incluem biscoitos, a emissão de moedas comemorativas pela Casa da Moeda de Paris e, claro, joguinhos eletrônicos.
Asterix tornou-se uma marca milionária depois da morte de Goscinny, quando o seu sócio Uderzo demonstrou ser igualmente ótimo nos desenhos financeiros. Está pagando um preço. Hoje, aos 86 anos, ele enfrenta uma batalha jurídica com a sua filha, Sylvie. Ela não queria que a Hachette adquirisse os direitos de Asterix e publicasse álbuns feitos por terceiros, relutou em vender sua parte à editora e, depois de várias altercações judiciais, acusa atualmente ex-assessores de Uderzo de o terem manipulado, aproveitando-se da idade provecta do ilustrador. No início da disputa, ela chegou a dizer que Asterix era o seu "irmão de papel" e que lutava contra os "piores inimigos" do gaulês: os homens da indústria e das finanças. Asterisco, "asterístico": nem só os romanos são uns neuróticos.
(texto publicado na revista Veja nº 2345 de outubro de 2013)
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