sábado, 10 de outubro de 2015

Os conselhos do Dr. Zerbini para enfrentar a crise


Achei o seguinte artigo na revista Saúde de 1983 e apesar de já terem se passado 32 anos do seguinte depoimento do cardiologista responsável pelo primeiro transplante de coração no Brasil, o Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, os seus conselhos valem até hoje.

Como você, outros 120 milhões de brasileiros estão vivendo sob o impacto emocional da crise que o País atravessa. Impedir que ela atinja o seu bolso é difícil. Mas evitar que ela faça do seu coração mais uma vítima, você pode. Saúde entrevistou o Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, uma das maiores autoridades mundiais em cardiologia. Eis o que ele ensina.

Uma cidade tem vários canos e precisa de muita água para se abastecer. Se por qualquer problema os canos entopem, a água começa a diminuir e talvez não consiga chegar ao seu destino. Conclusão: a cidade pára.

O mesmo acontece com o nosso coração. Ele precisa do sangue para exercer as suas funções e não pode parar de trabalhar. Portanto, é necessário que as artérias, responsáveis por conduzir o sangue até ele, estejam em perfeito estado.

Isso, no entanto, nem sempre é possível. Em geral, com o avançar da idade, depósitos de gordura tendem a se acumular nas paredes arteriais, lesando-as. É a aterosclerose das coronárias.

No começo, a doença provoca uma diminuição do fluxo sanguíneo, prejudicando o coração devido à falta de oxigênio. Um sintoma desse estado é o aperto no peito - a angina pectoris. Às vezes, no entanto, as artérias são bloqueadas de vez e nenhum sangue chega. É aí que acontece o enfarte do coração.

Estas doenças não se instalam do dia para a noite. Com exceção das que resultam de fatores congênitos (nesse caso, não há o que fazer), são consequências de anos e anos de coração maltratado. E é exatamente aqui que você pode intervir, prevenindo-se contra as doenças cardíacas provocadas pela aterosclerose - a principal causa de morte em todo o mundo.

Cultive uma solene indiferença às tensões

Um dos grandes inimigos do coração, que caracteriza a instabilidade da vida moderna, pode ser driblado por você no decorrer da vida. Nome do bandido: stress.

Embora a medicina ainda não tenha conseguido estabelecer o quanto o stress é capaz de prejudicar o coração, vários estudos têm demonstrado que moradores dos grandes centros têm mais problemas cardiovasculares que os índios. A comparação é eloquente. Você concorda? Não bastasse isto, experiências de laboratório provaram que os animais, submetidos a stress contínuo, desenvolvem lesões nas artérias, dificultando a circulação do sangue. Conclusão: embora as provas ainda não sejam definitivas é bom certa indiferença em relação às situações que causam stress. Do contrário, quem sairá perdendo nesta luta será ele - o seu coração.

Outros fatores de risco já têm a sua culpa comprovada. Você os conhece bem, mas parece que nunca é demais lembrá-los. Um deles, definitivamente, é o fumo. Ele deve ser abolido da sua vida. Além de tóxico, interfere na saúde do miocárdio e pode provocar espasmo nas artérias coronárias, contribuindo para a diminuição do fluxo sanguíneo. Tradução: fumar é veneno com todas as letras.

A hipertensão arterial é outro fator de risco da insuficiência coronária. Por conseguinte, controlar a pressão arterial ajuda muito. Se a pressão alta for associada ao tabagismo, o risco de insuficiência das coronárias é maior. E se a esses dois fatores você acrescentar também o alto nível de colesterol, o perigo de insuficiência coronária se multiplica.

Diabetes, excesso de peso e álcool são outros inimigos do coração - isso está mais do que comprovado. Assim, controlar a diabetes, o peso e a ingestão de álcool são medidas preventivas, às suas ordens. Explicando melhor: diabetes lesa as artérias. O excesso de peso, entre outras consequências, força o coração a bombear maior quantidade de sangue (cada quilo a mais é esforço extra). E o álcool, mesmo em pequenas doses, pode provocar uma miocardite (inflamação do músculo cardíaco). Lição a extrair: beba só moderadamente - pequenas quantidades e de vez em quando.

Mexa-se, mas com orientação médica

Fazer exercícios é medida preventiva da maior importância. Adote um esporte para o futuro bem-estar do seu coração: não tenha preguiça! A falta de movimentos é que provoca a degeneração do sistema vascular dos músculos e de alguns órgãos. Além disso, geralmente é acompanhada do excesso de peso que, como você já sabe, faz mal ao coração.

Um reparo, no entanto: não adianta você se exaurir de tanto praticar esportes no fim de semana e depois passar os outros dias sedentários. Exercícios só são benéficos quando praticados assiduamente.

Outra coisa fundamental: você só deve praticar esportes sob orientação de médicos especializados. Eles é que devem indicar qual o exercício e a quantidade adequados ao seu caso. Essa regra deve ser obedecida, mesmo que você nunca tenha tido algum problema de coração. E se você já tem algum problema, está absolutamente proibido de fazer movimentos sem controle médico.

Os esportes ideais são aqueles passíveis de controle e que têm continuidade: correr, andar de bicicleta. Em outras palavras: deixes de lado os competitivos, que forçam o coração.

Existem outras moléstias cardíacas que você pode prevenir. A febre reumática é uma delas. Causada por uma bactéria chamada streptococo, e que ataca principalmente crianças e adolescentes, ela inicia-se nas articulações e pode lesar as válvulas do coração - em especial as do lado esquerdo, a mitral e a aórtica.

Como controlar? Um surto de febre reumática tem duração variada. E não é como outras doenças que, uma vez diagnosticadas e tratadas, nunca mais aparecem. Há sempre o risco de novos surtos e aí é que entra o tratamento preventivo à base de antibióticos (em geral, até que a pessoa atinja os 20 anos!).

Isso evita novos surtos e, consequentemente, protege o coração.

Cuidado com as infecções

Outra medida preventiva de grande importância é o controle cuidadoso de qualquer infecção que surja no corpo, inclusive focos dentários. Por quê? O germe, através da circulação do sangue, pode se disseminar pelo corpo, atingindo o coração e provocando uma doença que lesa as suas válvulas: endocardite bacteriana.

Já as cardiopatias congênitas não são passíveis de grandes prevenções. Infelizmente, três em cada 3 mil crianças nascem com elas.

Resultam da má formação do feto, mas sabe-se atualmente que determinados fatores interferem no seu aparecimento.

A talidomida, um remédio tranquilizante usado na década de 60, é um trágico exemplo. Foi responsável por deformações em todo o corpo, inclusive no coração. O caso demonstrou que substâncias tóxicas podem causar doenças cardíacas nos fetos em formação, particularmente nas primeiras semanas. O fumo e o álcool, aliás, estão entre elas, deveriam ser evitados a todo custo pelas futuras mamães. Elas precisam fazer o possível, também, para não se contaminar de infecções que lesam os fetos (a rubéola é a mais conhecida).

Como você vê, é possível prevenir em boa parte as moléstias cardíacas, mudando o seu modo de vida.

Os meios estão à sua disposição - é só optar por  eles.

Os resultados, você colherá a partir de hoje.



(texto publicado na revista Viva Vida com Saúde nº 1 - 1983)

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