sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Como largar o emprego e fazer (muito) sucesso - Luís Antônio Giron


Matthew Quick, autor de O lado bom da vida, diz que salvou a si mesmo quando realizou o sonho de ser escritor. Só não esperava vender tantos livros

Em 2006, Matthew Quick tinha 30 anos e uma crise pessoal a enfrentar. Dava aulas de inglês num colégio em South Jersey, nos Estados Unidos. Os alunos o adoravam e ele tinha prestígio com a direção. Mas a rotina o consumia. Tinha outros dois problemas: o casamento com Alicia entrara numa rotina perigosa, e o velho sonho de virar escritor ficava para trás. "Decidi abandonar o trabalho para escrever um livro", disse Quick. "Amigos e familiares achavam que eu estava louco. Como poderia me arriscar dessa forma? Vinha de uma família pragmática, e literatura não fazia parte da lista de desejos de meus pais. Contei com Alicia, que tem uma cabeça mais livre que a minha. Ela me ajudou a tentar outra vida. Até porque precisávamos salvar nosso relacionamento." Alicia também queria ser escritora, e os dois foram viajar por Amazônia, África e, por fim, Grand Canyon. Nada de aparecer enredo para o sonhado livro.

"Não tinha ideias", diz Quick. "Passei três anos vivendo do dinheiro de Alicia, zombado por todo mundo. A inspiração apareceu enquanto passeava pela natureza, numa tarde nublada. Divisei entre as nuvens uma linha de luz. Para nós, americanos, essa linha (silver lining) tem a ver com um provérbio: "Toda nuvem tem um fio prateado de luz". Há sempre uma esperança. De repente, a história do romance me apareceu inteira." Surgia O lado bom da vida (Silver lining's playbook, título cuja tradução para o português poderia ser Diário das linhas prateadas ou Cartilha dos pensamentos felizes). O livro acompanha a vida de Pat Solitano, doente mental de 30 anos. Ao ganhar alta da instituição psiquiátrica, ele quer reconquistar a mulher, mas encontra Nikki, que o convida a dançar com ela e voltar a viver de verdade. "A história de Pat era a metáfora do que se passava comigo", afirma Quick. "Eu tinha 30 anos, era tido como louco e queria mudar a vida. Nikki é a um só tempo meu amor por Alicia e pela literatura."

Não se tratava de um livro comum, muito menos pensado para virar best-seller. "É narrado do ponto de vista de um louco, numa linguagem intrincada", diz. "Sou exigente com o que leio e queria fazer ficção de qualidade. Só não esperava que faria tanto sucesso."

Em 2008, Quick encontrou um agente nova-iorquino com ligações com os influentes estúdios da Weinstein Company. "Antes de o livro chegar às livrarias, ele fechou contrato para que fosse filmado em Hollywood." O longa-metragem estreou em 2012, com enorme sucesso. Estrelado por Bradley Cooper (Pat) e Jennifer Lawrence (Tiffany), recebeu oito indicações ao Oscar e deu a estatueta de Melhor Atriz a Jennifer. Tudo isso ajudou a transformar o romance em best-seller, traduzido para 25 idiomas. Só no Brasil, vendeu 160 mil exemplares. "Os fãs do filme passaram a ler o livro", afirma Quick. "Eles se espantaram ao descobrir como é diferente do filme."

O sucesso trouxe tranquilidade e fortuna ao casal. Alicia Bessette publicou em 2011 seu primeiro livro, o  romance A pinch of love (sem tradução para o português), e Quick consolidou a nova carreira. Aos 39 anos. A conselho de seu agente, escreveu três romances para o público adulto jovem: Sorta like a rockstar (2010), Boy 21 (2012) e Perdão, Leonard Peacock que acaba de ser lançado no Brasil pela Intrínseca. Os três obviamente contam com protagonistas jovens. "Mas é só isso que os distingue dos livros adultos", diz. Não faço diferença entre ficção adulta e jovem adulta. Ela está só na faixa etária dos personagens. Como professor, orientei adolescentes problemáticos. Tinha muito a contar sobre isso."

O personagem-título de Perdão, Leonard Peacock é um jovem de 18 anos que planeja matar um colega que o persegue. Quick conta o progressivo desarme e educação de Leonard. "Toda vez que ocorrem tiroteios numa escola, todos se perguntam de onde surgem esses monstros", diz Quick. "Quis mostrar que a posse de arma gera violência e chamar a atenção para que os adolescentes sejam tratados como seres humanos. É uma história positiva."

Quick esteve no Rio de Janeiro no fim de agosto para se encontrar com os leitores na Bienal do Livro. "Os leitores me contaram experiências de loucura e violência nas escolas", afirma. Nesta semana, inicia a turnê de divulgação pelos Estados Unidos. No último fim de semana, o romance foi recomendado pelo jornal The New York Times. Quick é considerado pelos críticos um autor raro, por harmonizar talento narrativo com a capacidade de atrair milhões de leitores.

Ele mesmo não se identifica com o modelo "autor de sucesso". "Não faço concessões. Meu compromisso é com a verdade do que escrevo. O segredo do sucesso é conseguir contratos com o cinema, não agradar ao público". Em fevereiro, ele lançará seu segundo romance adulto, que sairá no Brasil na mesma época. Quick já assinou contrato de adaptação para o cinema com o estúdio DreamWorks. O livro conta as aventuras de Bartholomew Neill, de 38 anos, um homem com problemas mentais. Ao perder a mãe, não sabe como agir. No fim da vida, a mãe, demente, chamava-o de Richard. Remexendo na gaveta de roupas íntimas dela, Neill acha uma carta dirigida ao ator Richard Gere. Neill então passa a escrever cartas a Gere, como se o ator mantivesse uma conexão cósmica com seu passado. "Sou atraído por figuras desajustadas", diz Quick. "Elas trazem uma versão diferente e iluminadora do mundo. É isto que desejo: mostrar aos leitores que a realidade, como a ficção, nunca deve ser banal."




(texto publicado na revista Época nº 798 - setembro 2013)





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