Técnica que mistura ciência e marketing amplia seu uso na sociedade capitalista e mira o ponto mais vulnerável do consumidor: os sentimentos
Carlos é divorciado e tem um filho de 8 anos. Nos fins de semana em que está com o menino, ele gosta de ir a uma livraria, lojas em que o ambiente é meticulosamente projetado para que pai e filho se divirtam juntos. Na hora de ir embora, Carlos sempre compra um presentinho para o menino. O pai não se dá conta, mas foi fisgado por um dos campos do marketing que mais se desenvolve no mundo: o neuromarketing, técnica que mistura ciência e marketing.
Através de pesquisas neurotecnológicas, os profissionais de mercado conseguem desvendar o que se passa no cérebro do consumidor. Detalhes que ele, conscientemente, não sabe. Para isso usam aparelhos que registram os sentimentos e as reações positivas ou negativas na pessoa mediante o estímulo para consumo. Essas informações valem ouro para especialistas pois sinalizam o que leva uma pessoa e comprar ou rejeitar determinado produto, serviço ou a ideia, sem notar que se está sendo emocionalmente influenciado. Como no caso de Carlos, que se sente tão bem na livraria a ponto de compensá-la adquirindo presentes para o filho.
O princípio é que a emoção é mais forte do que a razão na hora de decidir. E é esse o pulo do gato para os profissionais de marketing: agora, em vez de apelar apenas para a razão dos consumidores, exploram seus sentimentos - talvez, seu ponto mais fraco. A técnica tanto é usada pela indústria no desenvolvimento do produto, quanto na publicidade. "Na propaganda antiga do sabão em pó Omo, um médico de jaleco dizia "OMO deixa a roupa mais branca". Um apelo racional. Hoje, o slogan da OMO é: 'Se sujar faz bem' e mostra as crianças se chafurdando na lama e todo mundo sorrindo. Ou seja, apela para o desejo de felicidade de todos os pais e mães: o filho querido deles pode fazer o que quiser, OMO está ali para ajudar. É um apelo muito mais emocional. É esse diferencial que o marketing está buscando", explica o biomédico e neurofisiologista carioca Billy Nascimento, 30 anos, fundador da Forebrain, empresa de pesquisas de Neuromarketing.
Então, quanto mais estimular os sentidos, maior a chance de sucesso. "Não é á toa que o logotipo de várias cadeias de fast-food tem as cores vermelho e amarelo, tons que estimulam os centros de fome hipotalâmicos", explica o neurologista André Felício, da University of British Columbia, no Canadá, e membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). "É o nível de emoção que vai me responder se aquele estímulo vai gerar o grau de memorização pretendido", afirma o coordenador de Marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, Carlos Augusto Costa. Atingindo a memória inconsciente, o neuromarketing gera reações muito comuns em lançamentos da Apple, que provocam filas gigantescas de pessoas querendo comprar uma coisa que nem sabem direito o que é. Isso, convenhamos, não é racional.
O neuromarketing pode ser aplicado em diversos fins. Nos Estados Unidos tem sido utilizado em campanhas políticas e até em Hollywood, na avaliação de trailers e cenas de filme. "O longa de terror 'Pop Skull' foi produzido escolhendo-se cenas que provocassem uma maior ativação de uma região cerebral chamada de amígdala, envolvida na percepção e resposta de medo", conta Nascimento, que conduziu, no Brasil, as pesquisas de neuromarketing para avaliar o impacto das imagens de advertências sobre os males do fumo exibidas nos maços de cigarro. O trabalho foi um pedido do Ministério da Saúde, os cérebros de centenas de voluntários foram avaliados enquanto as imagens eram mostradas, para se medir o nível de rejeição que elas causavam ao produto. "Antes se usava imagem do pulmão afetado pelo tabaco, que para população menos letrada não significava nada. A gente quis utilizar uma linguagem que fosse acessível a todos, inclusive para quem não sabe ler". As imagens que causam aversão, como um pé gangrenado e um feto no cinzeiro, contribuíram para baixar o número de fumantes de 36% para 16% da população.
A aplicação de conhecimentos médicos e científicos em técnicas de mercado suscitou questionamentos éticos quando o neuromarketing começou a despontar nos Estados Unidos. Havia o medo de o método transformar as pessoas em compradores robóticos. Os adeptos do neuromarketing rebatem. "Essas ferramentas não identificam o botão de compra do consumidor", garante Costa. Mas é bom ficar alerta para não ser manipulado. "No final das contas, cabe a cada um de nós tentar driblar as armadilhas 'montadas' pelo nosso próprio cérebro", ensina o neurologista André Felício.
(texto publicado na revista SimplesMente nº 5)
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