domingo, 2 de outubro de 2016

Na onda do consumo compartilhado - Simone Serpa


Algo que já não serve para um pode ser útil para outro. Com esses itens é possível fazer ótimos negócios, que não envolvem dinheiro, mas são lucrativos para a sociedade e a natureza

O empresário paulista Luis Gustavo Marques da Silva nem pensou no valor monetário dos objetos quando rocou um som automotivo por um carrinho de controle remoto para o filho. Ou quando deu um DVD em prol de um kart elétrico. Na linha do desapego, da troca e do compartilhar, o que conta é quanto determinado objeto vai ter de utilidade para cada um. "Valores são relativos; a questão é abrir espaço para o novo. Me desfaço de algo que não uso e recebo algo que usarei", diz Luis. Tudo começou há um ano, depois de uma arrumação em que ele se deparou com coisas que só atravancavam a casa e já não tinham interesse para a família. "Fui buscar sites de troca e encontrei o Toma Lá, Dá-Cá! (tomaladaca.com.br)", conta. "Tenho vários itens anunciados, aguardando boas oportunidades." Luis já aprendeu que nem sempre as propostas são vantajosas. Quando ele vê benefício, aí as negociações evoluem: os envolvidos mandam fotos dos itens, falam por telefone para saber detalhes e, se tudo estiver certo, marcam o encontro para efetivar o escambo.

A prática do passar para a frente em vez de simplesmente descartar aquilo que não se deseja mais embute a preocupação de esgotar a vida útil de um bem - evitando o consumo inflacionado e a geração de lixo. Conceito altamente contemporâneo, uma vez que a população mundial não para de crescer - até 2020 estima-se que só na China nasçam aproximadamente 100 milhões de pessoas - e as fontes de energia são esgotáveis. "O mundo não se sustenta com os níveis de consumo atual. Portanto, é urgente fazer opções mais conscientes", diz Dalberto Adulis, gerente de metodologias e conteúdos do Instituto Akatu, organização não governamental que trabalha com a sociedade, no sentido de orientar justamente essas escolhas.

O importante é fazer as coisas rodarem de mão em mão

O presidente do Instituto Mobilidade Verde, Lincoln Paiva, destaca que esse caminho do compartilhamento vem sendo trabalhado aos poucos. "Ao longo dos anos, aprendi a fazer isso por meio de nossos projetos", diz. Um exemplo é o Bibliotaxi, que, como o nome já sugere, é uma biblioteca dentro dos táxis, criada por Lincoln, apadrinhada pelo jornalista Gilberto Dimenstein e atualmente administrado pela empresa Easy Taxi (bibliotaxi.wordpress.com). Funciona assim: o taxista recebe um kit com um bolsão e alguns livros. O passageiro que entra no táxi e gosta de algum título pode pegar e levar consigo. Simples assim. Quando acaba de ler a pessoa deposita o livro na bolsa de outro táxi. Se quiser, também pode ficar com o livro ou doar novos títulos. Mas sem obrigações. A ideia é fazer o livro - e, consequentemente, a leitura - atingir o maior número de pessoas possível. Wagner Caetano, taxista em São Paulo, é um dos que aderiu ao Bibliotaxi. "No trânsito pesado de São Paulo, as pessoas gostam da surpresa e são receptivas", afirma. Segundo Tallis Gomes, idealizador e co-CEO do aplicativo Easy Táxi, os 120 mil taxistas cadastrados em mais de 27 países têm possibilidade de aderir ao programa. 

Livros, aliás, estão entre os artigos mais populares quando o assunto é escambo. Manter os volumes em casa é considerado por muitos amantes da leitura inconveniente, oneroso e trabalhoso, pelo espaço que ocupam. O melhor é ler o máximo, gastando o mínimo. A baiana Rosana Bernas, pedagoga, está nessa desde 2009, quando descobriu o Skoob-books escrito de trás para a frente - um endereço virtual para trocar livros, ideia do carioca Lindenberg Moreira (skook.com.br). O processo é fácil: o usuário se cadastra, informa os títulos que disponibiliza e os que gostaria de ter. "Cada pessoa tem uma estante virtual. Uma consulta a estante da outra e, se encontrar algo que interesse, combina a permuta", explica Rosana. Pode acontecer de um enviar o livro pelo correio e o outro não. Nesse caso, o site não se responsabiliza pela possível fraude, mas, em compensação, a fama do fraudador se espalha. Quem não cumpre o combinado perde a credibilidade e, pelo jeito, basta. Em cinco anos de existência, o Skoob já registra 1,405 milhão de usuários, pouco mais de 50% da Região Sudeste.

Vale a máxima: menos é mais

Lincoln Paiva defende o hábito de dar uma coisa por outra como um exercício de desprendimento e para lembrar que devemos nos apegar às pessoas e não aos objetos. "Não sou contra o consumo. Sou avesso ao consumo imbecilizado", distingue. O filósofo Jelson Oliveira, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR), partilha da mesma opinião. Inclusive, está lançando o livro Elogio da Simplicidade (ed. PUCPress). Entendendo-se por simplicidade não a falta ou a precariedade, mas a essencialidade. "Essa é a virtude mais urgente de nosso tempo, em que predominam o excesso, a pressa, a cortesia, o consumismo e muitas outras formas de fuga de si mesmo", diz Jelson

Não só as pessoas mas também as empresas precisam repensar suas práticas sociais, produtivas e econômicas. Algumas já estão buscando formas de se antecipar ao que vem por aí, introduzindo modelos de negócio bem diferentes dos convencionais. Dalberto cita o exemplo da Mercedes Benz, montadora que, na Alemanha, passou a alugar veículos em vez de apenas vendê-los, comportamento que se dissemina na Europa. Outro compartilhamento valioso é o de espaços urbanos. No momento em que cedem lugar para bicicletas, ruas de pedestres ou mesmo pequenos cantos de convivência, as cidades tornam-se mais amigáveis e, portanto, mais utilizadas e seguras.

Intercâmbio de casas e cultura

A jornalista mineira Renata Monti, radicada no Rio de Janeiro, aderiu à troca de casas (usou o homeforexchange.com) como forma econômica de viajar nas férias. Ela experimentou o intercâmbio de apartamentos com um francês, morador do bairro de Marais, em Paris, e ficou nada menos do que 23 dias hospedada na casa dele. Sem gastar nada. Em retorno, ele ficou na casa dela. "Diferentemente do hotel, o intercâmbio de casas promove uma vivência cultural. Por exemplo: enquanto eu e meu marido dávamos dicas de coisas legais e não tão turísticas para o francês, ele nos escreveu quase diariamente mandando ideias de onde ir, o que fazer." Depois da busca e do primeiro contato via site, ela marcou bate-papos pelo Skype com o médico francês para alinhas expectativas. Ambos enviaram informações sobre o perfil de cada um, se fumavam, se tinham animal de estimação, se estavam dispostas a deixar o carro livre etc. "Mesmo assim fiquei nervosa ao sair de casa. A ideia de que a pessoa pode estragar tudo é apavorante. No entanto, quando cheguei na casa dele, vi que ele havia deixado coisas de valor à mostra e não teria por que fazer algo errado com a minha casa. "Aí foi só aproveitar a viagem. E tudo com uma economia estimada em 5 mil reais!



(texto publicado na revista Bons Fluídos edição 187 - outubro de 2014)

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