quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Sociedade inacessível - Júlia Moura


Patricia é uma jovem jornalista de 27 anos que, em decorrência de complicações em seu parto, tem paralisia cerebral. Ela não teve sequelas cognitivas, mas seu desenvolvimento físico foi comprometido e a mobilidade reduzida. Após quatro cirurgias, caminha com o auxílio de uma bengala em curtas distâncias planas. Para longos deslocamentos, utiliza cadeira de rodas com o auxílio de outra pessoa.

Não há, no entanto, pontos de ônibus perto de sua casa. Para chegar até o mais próximo, há uma ladeira muito íngreme, que ela não consegue vencer sem a ajuda da mãe. As calçadas também não a acomodam com seus buracos e desníveis. Diariamente, sua liberdade e independência lhe são roubadas pela falta de acessibilidade.

Juliano Araújo, estudante de psicologia de 27 anos, também apresenta o quadro de paralisia cerebral. Por sua lesão no cérebro ter sido mais branda, ele tem mais facilidade de locomoção e independência que a maioria dos demais portadores. Mas isso não o impede de sofrer no dia a adia. "O degrau do ônibus claramente não foi feito por alguém que entenda ou tenha nossas necessidades. Nos bairros é ainda pior, porque não há adaptações como as grandes plataformas. O veículo é muito alto e a calçada muito baixa".

Patricia e Juliano estão inseridos em espaços que não atendem às normas de acessibilidade. lei desde 200, a norma 14022 regulamenta padrões de adaptação obrigatórios para pessoas com deficiência (PCD) em transportes coletivos. Já a norma 9050, em voga desde 2004, reúne padrões para edificações, espaços e equipamentos urbanos.

Elas ditam padrões dimensionais, especificando medidas adequadas para o uso de PCD, mas, muitas vezes, não são respeitadas. Para Renata Lima de Mello, arquiteta que participou da revisão da norma 9050, a legislação é bem sucedida, o problema é a fiscalização. "A própria prefeitura é responsável por adaptar a cidade e cobrar a sua adaptação".

A arquiteta e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Roberta Consentino Kronka Mülfarth, aponta dificuldades dos espaços se adaptarem. "Há as edificações antigas que devem adaptadas e as novas que obrigatoriamente são planejadas e construídas para atender as normas vigentes".

Patricia e Juliano são apenas dois dos 45 milhões de brasileiros com deficiência que sofrem com a falta de adequação de obras e projetos. Roberta lembra que, antigamente, era ainda pior. "Não se viam pessoas com deficiência nas ruas, elas ficavam isoladas em casa, era pura ignorância".



(texto publicado no jornal Corpo - outubro de 2016)

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