sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Um aliado chamado stress - Raquel Beer


Estudos de um dos mais respeitados neurocientistas do mundo mostram que é possível transformar esse incômodo estado em um agente motivador

"Não é o stress que nos mata, e sim a forma como reagimos a ele", escreveu há exatos sessenta anos o endocrinologista húngaro Hans Selye (1907-1982) em Stress - A Tensão da Vida. A máxima, hoje, pode provocar estranhamento, se levarmos em conta, por exemplo, que, segundo a American Psychological Association, o stress crônico está relacionado às seis maiores causas de morte nos Estados Unidos (doenças cardíacas, câncer, doenças pulmonares, acidentes, cirrose e suicídio). Ou ainda se consideramos que, no Brasil, 72% das pessoas ativas no mercado de trabalho sofrem sequelas desse mal, de acordo com um levantamento realizado em 2015 pela International Stress Management Association. Mas e se em vez de prestarmos atenção somente nas consequências danosas do estado de stress reagíssemos a ele de um modo diferente, procurando "aproveitá-lo", digamos assim, em nosso benefício? Seria isso possível?

Em The Stress Test (O Teste do Stress), livro publicado em junho na Europa e nos Estados Unidos e sem previsão de lançamento no Brasil, o neurocientista cognitivo irlandês Ian Robertson, fundador do Trinity College Institute of Neuroscience, diz que sim. E mostra o caminho das pedras, ou melhor, como caminhar sobre elas.

Desde os anos 1950, é consenso na comunidade científica que o stress prejudica a saúde. Em um estágio crônico, ele pode afetar o funcionamento do cérebro, suprimir a atividade da tireoide, diminuir a densidade óssea, aumentar a pressão sanguínea, enfraquecer a imunidade e causar desequilíbrio no nível de glicose no coração. Os estudos de Hans Selye, no entanto, identificaram dois tipos de stress: o "ruim" (distress), que tem efeito paralisador e depressivo, e o "bom" (eustress), que pode ser motivador e energizante. Décadas depois dos trabalhos do endocrinologista húngaro, já nos anos 1980, surgiram as primeiras evidências de que o cérebro não é um órgão imutável; ao contrário, ele se transforma a partir das experiências do indivíduo ao longo da vida. E, mais recentemente, estudos na área da epigenética confirmaram que o mesmo acontece com os genes: eles podem alterar sua atividade como forma de reação a estímulos externos (provocados pelo stress, por exemplo). Baseando-se nessas constatações científicas, Ian Robertson decidiu investigar se, controlando as emoções e pensamentos, qualquer um poderia transformar o vilão stress em um grande aliado.

Para avançar em sua tese, Robertson precisou estudar de maneira unificada o cérebro, classificado por ele como "hardware", e a mente, que corresponderia, em sua definição, ao "software". Segundo o neurocientista cognitivo - que trabalhou por anos como psicólogo -, foi justamente o foco "exclusivo" no software o responsável pelo "surto" de consumo de antidepressivos verificado nos últimos anos. "As pessoas recorrem a esses medicamentos quando não se sentem no controle de suas emoções e pensamentos", disse Robertson a VEJA. "É preciso entender que nós somos os pilotos dessa máquina incrível que é o cérebro e, com a prática, podemos aprender a controlá-la, assim como podemos fazer com as emoções."

A explicação científica sobre o porquê de o stress ser processado às vezes como algo positivo e em outras ocasiões como um fator negativo está na parte do cérebro que é ativada em uma situação de tensão - cada uma delas responde por certas funções. O lobo frontal, entre outras atividades, regula nossas ações. É ele que faz com que as pessoas ajam dentro de normas sociais, não importa o que estejam sentindo. O lado esquerdo é ligado à iniciativa, e seu principal neurotransmissor é a dopamina, o hormônio do bem-estar. Já o lado direito é relacionado à inibição de ações, e um dos seus principais hormônios é a noradrenalina, associada ao sistema de alerta. O que os pesquisadores constataram é que, quando o lado esquerdo do cérebro é ativado, o nível de cortisol, o chamado "hormônio do stress", é menor do que na situação contrária. De acordo com Robertson, existem técnicas capazes de ativar o lado esquerdo do cérebro mesmo em situações de alta pressão, o que faz com que o stress assuma, então, um caráter positivo.

Pode soar um tanto reducionista ver desse modo o funcionamento do cérebro e da mente, e os efeitos do stress sobre o ser humano. O próprio Robertson concorda que suas ideias não representam "toda" a explicação do problema, mas insiste que elas são uma parte fundamental da questão. "É claro que para escrever meu livro foi preciso simplificar as coisas, porém o papel dos lobos frontais em nossa reação ao stress e o fato de que há um menor índice de cortisol quando o lado esquerdo é ativado são pontos comprovados cientificamente." Mesmo que sejam apenas uma fração da resposta aos transtornos do stress, os estudos de Ian Robertson, sem dúvida, revelam alguns dos caminhos capazes de tornar verdadeira outra máxima, esta estabelecida pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) em O Crepúsculo dos Ídolos, de 1889: "O que não me mata me fortalece".




(texto publicado na revista Veja edição 2488 - ano 49 - nº 30 - 27 de julho de 2016)

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